Nestes dias que passámos em Barcelona, eu e a minha amiga J. tentámos contar a quantos festivais já assistimos até aos dias de hoje. Ela já ia em cerca de vinte, eu não devo andar longe disso. Mas estas duas dinossauras dos festivais acham que pode ter chegado a hora de desistir...
Por onde começar? Talvez por dizer que Barcelona continua a ser aquela cidade espectacular, vibrante mistura de culturas, com uma Primavera digna desse nome, turistas em excesso, comida maravilhosa e aquela sensação incontornável de que podia mudar-me para lá sem sequer pestanejar. Ver aquelas esplanadas cheias, música nas praças sem medo dos vizinhos, a gente que nos trata por tu e para quem está sempre tudo bem é muito mais do que uma lufada de ar fresco para quem vive mais a Norte, mais constrangida pelos horários, meteorologia e falta de espontaneidade. Pudemos ir à praia durante umas horas, perdemo-nos vezes sem conta mesmo com a ajuda do GPS e também conseguimos deixar a cidade para trás para nos embrenharmos na Espanha mais profunda. À partida, e tendo em conta o reduzido número de dias, diria que aproveitámos bem o tempo.
Depois, houve o festival. E que festival! Desde que comecei a poder ir a festivais (tinha talvez dezoito ou dezanove anos), sempre quis ir ao Primavera Sound. O hype sempre foi gigante, o cartaz quase sempre impressionante, o chamamento enorme. Só existiam dois obstáculos: a distância e o preço. Convenhamos: ir a um festival deste género sai caro. Não podemos apenas contar com o preço do bilhete: falamos também do alojamento, do transporte até lá, da alimentação. Como nos festivais em Portugal, claro, mas num outro patamar de preço. Durante uns anos, era estudante e não podia pagá-lo. Depois, ganhava pouco e não podia pagá-lo. Depois emigrei, depois tive filhos e... Agora tinha chegado a hora de poder realizar uma espécie de sonho.
A organização foi incrível: desde a fila gigante para trocar o bilhete por pulseira que nunca parou de avançar, a diversidade e número de palcos, o (importante) número de casas de banho, a vista maravilhosa sobre o porto de Barcelona, os impecáveis serviços de limpeza que nunca deixaram lixo acumular. Havia marcas, havia merchandisingm claro, mas nunca se sobrepuseram ao propósito principal do festival: ouvir música excelente. Pena é que fossem as próprias pessoas que se esquecessem do que estavam lá a fazer: durante muitos concertos, o desrespeito para com os outros espectadores e, pior, para com os músicos foi gritante. Literalmente falando, já que um sem número de espectadores passou todo o tempo de costas para o palco, falando/gritando (conforme o nível de substâncias proibidas consumido), ignorando os artistas e impedindo as pessoas à volta de desfrutarem plenamente da experiência. Mas, fora isso: a incrível máquina dançante chamada LCD Soundsystem, a ferocidade das Savages, a doçura dos Daughter, a explosão (passe o pleonasmo) dos Explosions in the Sky, o cavalheirismo dos Deerhunter ou a elegância dos Air ficaram-me na memória para todo o sempre. Isso e o concerto emocionante dos Radiohead, pelo qual esperei tantos anos e que se ia tornando num pesadelo pelo som que não chegava a quem estava mais atrás.
Mas há uma pergunta que se impõe. Então ainda tens pedalada para estes festivais, Marisa? E eu respondo que não, já não tenho. No primeiro dia chegámos a casa às três e meia da manhã, as duas com viagens de avião no lombo, sem sequer tempo para parar a pensar. Na segunda noite, chegámos às três e já tínhamos dificuldade em manter os olhos abertos no restaurante mexicano onde procurámos a ceia. Na última noite, chegámos perto da uma e já éramos mais zombies que outra coisa. O corpo já reclama por mais descanso e, pelo menos no meu caso, ter filhos que não dormem bem há anos traduz-se em ritmos de sono completamente estraçalhados. Mas sobrevivemos e até já pensámos onde mais gostaríamos de ir para o ano! Só não me dêem campismo, cerveja que parece água, pessoas a gritar, pó em vez de relva, tanta escolha no cartaz que é impossível não nos sentirmos culpados por não vermos tudo o que queremos. Quero ser aquela quarentona enxuta que ainda consegue papar um ou outro festival sem parecer totalmente deslocada!
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