março 19, 2017

(não está fácil...)

Acima de tudo, quero escrever este post para poder lê-lo mais tarde e rir-me do tempo em que achava que não ia aguentar. Já sei que não há outro remédio: aguentamos e pronto.

O pequeno Augusto comemora hoje dois meses de vida. Simultaneamente, penso como o tempo passou incrivelmente depressa e como estes dois meses me parecem uma eternidade. É difícil tratar de um recém-nascido mas para mim foi ainda mais difícil tratar deste que chegou antes do tempo. Nas primeiras semanas, já se sabe, a rotina era basicamente mamar e dormir, sem grande períodos desperto. Depois, começou a manter os olhinhos abertos mais ums minutos e eu e o pai tivemos mesmo direito a um sorrisinho cada (que resolveu aquela pressão de saber se já tinha dobrado o riso). Mas com o passar do tempo, o pequeno Augusto foi sofrendo mais e mais de cólicas (ou da incapacidade de deixar sair todo o gás que tem dentro) e tudo culminou na noite de ontem: cinco horas a pé, das duas às sete da manhã, a tentar aliviá-lo, quase sempre sem sucesso. Dorme aos bocadinhos, às vezes nem tem os olhos bem fechados, contorce-se com dores, está aflito. E aflita estou eu, que ao terceiro filho continuo sem ter a solução mágica para este mal e sem perceber os outros bebés a quem os intestinos nunca afligiram. Sinto um alívio gigantesco quando vejo começar o dia e tenho assistido muitas vezes ao nascer do Sol. Na minha cabeça, o mantra é This too shall pass mas, mesmo sabendo que estas dores não duram para sempre e que já dois dos meus filhos lhes sobreviveram, está difícil desligar disto e não passar os dias apenas a tentar sobreviver.

A pequena Amália também não está a ajudar, certamente por ter perdido o estatuto de bebé da família. É carinhosa com o bebé mas nunca sabe quando parar, precisamos estar constantemente a lembrá-la de que deve deixar a cabeça do irmão. Como se não bastasse um bebé a precisar de muito colo e atenção, ela resolveu elevar as suas birras a um nível completamente irracional e só muita cabeça fria (ora minha, ora do pai) nos tem impedido de enlouquecer de vez. Chegamos o fim do dia exaustos só de nos certificarmos que não faz só asneiras. Para compensar, disse o nome do irmão bebé pela primeira vez esta semana, o que me faz pensar que (lentamente) está a aceitar a ideia de que ele veio para ficar. Alterna estes momentos de loucura total (uma birra na semana passada, enquanto tinha cá os tios, consumiu-lhe todas as forças e fê-la soluçar profundamente mesmo quando dormia...) com a doçura daqueles olhos, com as perguntas que dispara a toda a velocidade, com as ocasiões em que se calça e improvisa uma mala e diz XAU, enquanto finge que vai sair.

Safa-se o mais velho e mesmo assim à rasca. É o que menos reclama tempo de antena mas sei que às vezes lhe faz falta. Vale-lhe ter passado sozinho conosco os quatro primeiros anos da sua vida e ter sido alvo único da nossa atenção durante esse tempo. Vai ajudando como pode, mesmo que seja um grande cabeça no ar. Sonha com futebol, vive para o futebol. Conta-me todos os lances em que participou quando não vou aos treinos. Imagina os golos que vai marcar antes de cada jogo de Sábado. Mas continua a ser capaz de se sentar no sofá em silêncio com um ou dois livros. Ou de fazer um puzzle a meias com o pai. Ou de ver as notícias encostadinho a mim.

Eu sei que tudo vai melhorar. Eu sei que as noites hão-de estabilizar e as dores de barriga darão lugar às dores de dentes e estas a outras dores de crescimento. Mas por agora preciso de me lembrar frequentemente que vou ser capaz. Preciso de não me comparar com aquelas pessoas que sigo nas redes sociais e que parecem ter tudo controlado. Preciso de lembrar-me que a culpa não é do meu leite. Mas também me fazia falta chorar com alguém de fora, alguém que não saiba quão longos e difíceis têm sido os nossos dias aqui. E por isso choro aqui, metaforicamente falando. Para que daqui a um ano o Facebook me lembre deste post e eu sorria, tranquilamente ou dê uma gargalhada sonora por me lembrar do difícil que era. Por agora, isto não está fácil e não há quantidade nenhuma de café que me valha.

março 04, 2017

E quando os nossos filhos não são os melhores?

Como vos contei neste post, o senhor Vicente agora é federado e representa este clube de futebol. Significa isto que o acompanhamos duas vezes por semana aos treinos e que ele vai participar este Sábado pela primeira vez num jogo a sério. Para mim, é muito emocionante ver como ele se interessa por uma actividade por iniciativa própria; para ele, é a loucura total aprender a jogar futebol e participar num campeonato verdadeiro. Nunca nos preocupámos muito em inscrevê-lo em actividades extra-curriculares, especialmente porque achamos que a escola aqui já proporciona actividades interessantes (saídas para a floresta/natação/trampolim/desporto/ateliers de pintura, construção e faz de conta). Em casa, normalmente, apenas estimulamos a leitura e o jogo livre mas o futebol é bem vindo porque chegou naturalmente e na hora certa.

Mas esta semana fiquei meio horrorizada com a atitude de dois pais que acompanhavam também o treino. Ambos estavam desapontados com a prestação dos miúdos, que pareciam não estar à altura das suas expectativas. Um deles gritava "És um zero à esquerda! Estás a fazer de propósito? Chutaste sete vezes à figura do guarda-redes! O que é que esperas alcançar com isso? Vou filmar-te a falhar para que possas depois ver o que estás a fazer!". O miúdo não terá mais de sete anos, como o Vicente.

Eu compreendo que todos queiramos que os nosso filhos tenham sucesso e sejam os melhores naquilo que fazem. Mas sujeitar uma criança a estes níveis de exigência, a esta pressão, especialmente em público, não é para mim. Acredito em deixar as crianças serem crianças e aceito se os meus filhos não forem excelentes em tudo o que querem fazer. Mas quero que eles possam escolher as suas actividades, fazer exercício físico, compreender os conceitos de disciplina, equipa e preserverança sem nunca se sentirem um falhanço. Especialmente quando esse falhanço é apenas o resultado de expectativas demasiado altas  não deles mesmos, mas dos pais. Aquilo que assisti esta semana deixou-me incomodada. Não quero julgar as aspirações daquele pai mas de certeza que não quero aquilo para o meu filho, que é, neste momento, um novato nas coisas do futebol e já tem dificuldades em escutar as instruções do treinador, quanto mais em controlar a bola ou acertar um passe.

Não há mal nenhum estimular as crianças a serem as melhores, é apenas natural. É evidente que eu não parto para qualquer actividade contente se os meus filhos forem medíocres. Mas faço o esforço de separar a realidade dos meus desejos. E acredito que devidamente estimulados, esse desejo de serem os melhores tornar-se-á natural, inseparável da sua maneira de encararem os desafios, saudável forma de se tornarem pessoas melhores. Mesmo que no começo sejam zeros à esquerda, especialmente nesse caso.



março 03, 2017

Um primeiro mês agitado

A razão da minha ausência é muito simples: tenho-me concentrado num recém nascido que começou por apenas mamar e dormir e passou depois a incluir também cólicas ou dores de barriga.

Em parte, e como já suspeitava, a transição de dois para três filhos não é nada drástica. Já praticávamos uma ginástica de distribuição de tarefas e de bom aproveitamento do (pouco) tempo que temos e continuamos com a maioria das rotinas que tínhamos antes. A diferença é que o bebé ainda exige que me concentre exclusivamente nele (principalmente quando são horas da amamentação que, apesar de correr muito bem, é sempre uma pequena luta entre nós os dois) e isso causa algum desequilíbrio se o pai não está. Sei que é uma situação passageira e que assim que passarmos o quarto trimestre (este período em que o bebé ainda devia estar no conforto da barriga da mãe) provavelmente as coisas vão melhorar. Por enquanto, levo as coisas na base da reacção e tento apagar os fogos o melhor que posso (acudir à pequena a meio da noite com o bebé na mama, por exemplo, implica uma certa ginástica...).

A amamentação, já o disse, vai bastante bem mas deu pano para mangas. Sendo ele um bebé prematuro, estava sujeito a horários rígidos de alimentação enquanto estava na unidade de neonatologia - de quatro em quatro horas em ponto, uma quantidad3e de leite pré-estabelecida. Quando pôde ir para casa, as instruções eram basicamente as mesmas, apenas com o conselho de deixar o biberon e passar apenas à amamentação directa. Na primeira consulta de seguimento com a parteira, ficou claro que o peso do Augusto não tinha aumentado muito mas que devia continuar a evitar o biberon. Depois, seguiu-se uma consulta com a pediatra que foi um balde de água fria: a médica achava-o desidratado, ainda com icterícia e com um ganho de peso muito fraco. Eu sabia que ele não tinha aumentado muito mas achava que estaria longe de desidratado mas se a médica o dizia, quem era eu para discordar? Saí da consulta desolada, sem perceber se estava a fazer a coisa certa e muito desmoralizada por, aparentemente, não estar a ler bem os sinais do meu bebé. 

Mas nesse mesmo dia, umas horas mais tarde, tive a segunda consulta com a parteira, a quem contei o que se passara e a quem expliquei as minhas dúvidas. Sentia-me ridícula: afinal, ao terceiro filho, esta mãe não percebia nada do assunto de manter um bebé vivo e em boas condições de saúde? Depois de examinar o bebé e de o ver a mamar, a parteira achou que a pediatra talvez tivesse exagerado e que, principalmente, não existiam sinais de subnutrição. Depois de muitos conselhos, deixou-me a frase que me manteve à tona nos dias seguintes: confie em si mesma e confie no seu bebé, ambos sabem o que é melhor. E foi isso que eu fiz porque o meu instinto maternal assim o ditava. E o resultado foi que, no espaço de uma semana, o bebé aumentou quatrocentos gramas, muito acima dos normais cento e vinte, cento e cinquenta. Às vezes a nossa intuição está certa mas precisamos de um empurrão do exterior para poder validá-la e é muito importante encontrar este apoio, quer na família ou nos profissionais, como foi o caso. Fiquei impressionada com a quantidade e diversidade de ajuda que existe para as mães que desejem amamentar: desde consultantes de aleitamento ainda no hospital, ao seguimento porterior pelas parteiras, à facilidade em alugar uma bomba para extrair o leite nos primeiros tempos. O que me deixou um pouco desorientada (verti mesmo umas lágrimas, confesso...) foram as opiniões profissionais tão diferentes (equipa de neonatologia vs. pediatra vs. parteira). Valeu ouvir aquela voz interior e optar por segui-la sem medos.

É natural que os meus dias agora se resumam à interação com cada um dos nossos filhos (embora consiga incluir neles as mil tarefas domésticas e algum tempo de lazer Há noites em que consigo mesmo ler um par de páginas!). Aguentem os cavalos, a emissão volta ao normal dentro de momentos.