novembro 13, 2017

#metoo

Este é um post que queria não escrever mas não posso ficar indiferente àquilo que se tem passado nos últimos tempos. Refiro-me, claro, às acusações de assédio sexual, violência ou puro comportamento misógino de muitas figuras públicas que têm vindo a público depois de muitas mulheres ganharem a coragem de (finalmente) falar.

Para mim, a questão fundamental é que este tipo de comportamento não se verifica apenas em posições de poder: está, literalmente, por todo o lado e às vezes vem mesmo de pessoas que estimamos e que julgamos imunes. Não me choca mais saber que o Harvey Weinstein, por exemplo, usou o seu poder para abusar de mulheres à procura de um lugar na indústria cinematográfica do que me choca saber que as mulheres estão sujeitas a este tipo de abuso todos os dias, na rua, nos seus locais de trabalho, nos sítios onde se vão divertir. Não me interessam apenas os nomes sonantes que se vêem agora envolvidos nestes escândalos, mas também os abusadores anónimos que provalmente nunca serão denunciados e, pior ainda, nunca compreenderão o efeito que têm sobre uma mulher.

Eu sofri na pele este comportamento misógino durante tantos anos da minha vida. Talvez até ganhar o poder sobre quem me pode magoar e deixar de prestar atenção a este tipo de abusos. Desde ser gozada por ter uma voz grave e, logo, pouco feminina; não encaixar nos padrões de beleza das miúdas de 12 ou 13 anos e ser gozada por isso; quase ser agredida por um rapaz numa festa (cheguei mesmo a ter a minha cabeça debaixo do braço dele e fui salva de um murro por um grande amigo, que infelizmente ganhou um olho negro) só porque não estava interessada nele e queria apenas dançar; terminar uma relação cheia de abusos e traições e nos dias seguintes ter o voicemail cheio de mensagens de ódio gravadas pelo ex-namorado, melhores amigos dele (incluindo uma mulher), confirmando a necessidade da minha decisão; apanhar um táxi para voltar a casa à noite e ter um taxista a perguntar-me repetidamente E se eu agora a levasse para um sítio escuro, sem ninguém ver?, como se isso fosse uma brincadeira; clientes que me perguntaram se não havia um homem para os atender porque não se sentiam confortáveis com o meu nível de experiência - muitos mais exemplos teria para dar, como creio que outras mulheres, anónimas e muitas vezes impotentes, devem também ter.

Em parte, sinto que cheguei a um ponto da minha vida em que este tipo de agressões (quase todas apenas verbais, felizmente) deixou de ter importância para mim e consigo simplesmente continuar a minha vida. A minha auto-estima deixou de se construir pela validação que buscava nos outros e passou a ser totalmente dependente apenas de mim. Aceito os meus defeitos e vivo especialmente bem com os defeitos físicos porque não são eles que me definem. Mas a verdade é que elas condicionaram a mulher que eu era e ainda continuam a ferir muitas mulheres por aí. Este tipo de comportamento não é exclusivo de um país, uma faixa etária, nível de escolaridade - está disseminado e, mesmo que muitas vezes abafado pelo silêncio das vítimas, bem vivo. E o único defeito desta movimentação toda, destes relatos (muitas vezes já antigos) é que vem tarde.

Mas ponhamos de parte tudo aquilo que se passou conosco e façamos a pergunta que se impõe de seguida: é este o Mundo que queremos deixar para os nossos filhos? Eu espero que a minha filha nunca tenha que passar pelo mesmo, que nunca veja a sua auto-estima destruída por um homem abusador, que saiba sempre de onde vem realmente o seu valor. E gostava que os meus filhos nunca fossem responsáveis por abusos deste tipo (de nenhum tipo, claro), que respeitem todos os seres humanos e lhes reconheçam o valor e apreciem as suas diferenças. É um legado muito difícil de atingir mas é o único pelo qual vale a pena lutar: fazer deste Mundo um sítio mais justo, com as mesmas oportunidades para todos, onde as diferenças se celebram e não servem os propósitos da discriminação, onde a simples biologia não constitui nenhuma fraqueza. É muito provável que eu não viva para ver estas mudanças mas que possamos, pelo menos, ajudar a desbravar caminho.

2 comentários:

м disse...

Tão, mas tão bom, este post. É isto.

Dalma disse...

Marisa, qd eu andava na Faculdade, (certo que já lá vão 50 anos!) só me lembra de ouvir piropos... mas tb não gostava!