março 30, 2004

Às vezes dou grandes concertos, sozinha em casa. Pego no meu desodorizante Vasenol (passo a publicidade, mas experimentem e verão como se parece com um microfone!), calço uns sapatos (porque é impossível "concertar" descalça) e ponho o som bem alto. Uns dias canto um cd do princípio ao fim; outros, faço a minha própria playlist (e preencho os momentos em que estou a mudar o cd para interagir com a multidão que ali acorreu só para me ver).
É difícil encontrar um cd em que saiba cantar todas as músicas ( a voz rouca não me ajuda nada) mas lá vou conseguindo uns plenos. Aquelas partes que não sei cantar dedico-as mais uma vez ao público - peço para me acompanharem e fica tudo resolvido. Escolho a parte da sala ou do quarto que mais se adequa: é preciso ficar virada para a zona da divisão que mais pessoas pode albergar. Nada é feito ao acaso.
Às vezes fico mesmo suada. Salto e pulo como se estivesse mesmo em palco. E se bem que não consigo sentir realmente as músicas (porque não fui eu que as criei), entusiasmo-me como se tivesse nascido para aquilo. Eu sei que parece desesperado mas é mesmo bom fingir que milhares de pessoas estão ali só para me ver. Sou uma música e cantora frustrada, pois.
Uma vez descobri que não sou só eu que dou estes concertos. Apaixonei-me por um tipo que teve a coragem de me contar que fazia o mesmo. Perdeu a vergonha e disse que "concertar" o fazia descontrair - derreti-me na hora porque pensava que era só mais um segredo infantil que ninguém ia perceber. E depois ele continuou com as confissões e eu descobri quase um espelho de mim. Mas isso foi há algum tempo e agora, mais do que lembrá-lo, eu estou ocupada em não pensar sequer nele, em fingir que ele não existe e em inventar razões para o odiar. Mas imagino que a agenda de concertos dele esteja sempre cheia. Pode ser isso o que o afasta de mim.

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