julho 21, 2011

Crónica de uma morte anunciada

Hoje, os 195 trabalhadores que ainda restavam na minha antiga empresa foram despedidos. Foram todos despedidos, num processo que já se arrastava há muito. Primeiro acabaram com o departamento onde eu trabalhava, depois as coisas foram sendo desmanteladas aos poucos, a empresa vendida a um grupo indiano e toda a gente a imaginar qual seria o seu destino. É verdade que muitos já sabiam que seria este o destino - arriscava a dizer que todos os sabiam, apenas faltando saber quando. Foram obrigados a passar por um ano de extrema dificuldade, a verem as suas tarefas a serem progressivamente transferidas para outro lugares, a serem constantemente monitorizados, a serem asfixiados pelos recém-chegados que iam tomando conta da empresa. E, ao mesmo tempo que se iludiam as pessoas com falsas esperanças de melhoria, de maior eficiência dos processos, havia já alguém a arquitectar este final.

Talvez noutra dimensão e noutra conjuntura, eu passei pelo mesmo. E por isso, quando hoje recebi a notícia, foi como se estivesse a atravessar aquele período todo outra vez. Conhecia grande parte daquelas 195 caras, ainda que muitas apenas de nos cruzarmos no elevador mas afinal ainda foram quatro anos a convivermos naquele prédio que daqui a uns tempos estará vazio. Esta foi a primeira imagem que me veio à cabeça: aquele prédio vazio, os open spaces mergulhados no mais profundo silêncio, apenas contendo as memórias do que um dia já foi. E pensei nas pessoas, nos casais que ali trabalham e agora se vêem a braços com dois desempregos duma assentada, nas pessoas que em Julho passado deixei para trás e fiquei triste. Também eu me fiz à vida e tenho a certeza que haverá quem desde logo arregace as mangas e se faça à vida mas não vai ser fácil para todos. São 195 pessoas à procura de um lugar num dos períodos mais difíceis que vivemos, é a verdade.

E depois dói esta consequência da modernidade: todos somos substituíveis, todos. Acabou aquela ideia de que alguém pode ser a pessoa ideal para uma posição: saem uns, entram outros - no big deal. Não há efectividade que nos valha porque quando tem que ser vão efectivos e temporários todos para o olho da rua - só variam as regalias de uns e outros. As empresas há muito que deixaram de procurar equipas sólidas, com pessoal dedicado e especializado no que faz para passarem a procurar apenas os recursos mais baratos que aliviem as suas estruturas de custos. É apenas e só isso que conta: poupar todos os cêntimos possíveis. E eu não gostava de ter o mesmo emprego para toda a vida mas gostava que nos tratassem como pessoas e que pudessem apostar na formação e especialização e que tentassem recompensar o esforço e a dedicação. Mas parece que isso hoje está fora de moda e eu, como todos os outros, devo aceitar que a vida é assim.

Por todas as razões e mais algumas, os meus pensamentos estão hoje com estas 195 pessoas. Por ter sentido na pele a frieza dos números (sobre uma gravidez de sete meses na altura), gostava de poder ajudar todos os que quiserem uma mãozinha. Hoje, agradeço ter saído já há um ano: a porta que me fecharam ajudou-me a ter tempo para o meu filho e a refazer a minha vida. Vou esperar que o destino seja tão benevolente com eles como foi comigo. (Força!)

5 comentários:

Tati disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tati disse...

obrigada, Marisa. Do fundo do coração.

"It's the final countdown
We're leaving together
The final countdown
We'll all miss her so"

Isabel Cachinho disse...

Neste momento, a incerteza do futuro confunde-se com o alivio de ver um sofrimento já demasiado prologado finalmente chegar ao fim...
Sentimentos contraditórios que não me deixam soltar as lágrimas nem abrir o sorriso, mas que me provam a força de que sou feita e que não me deixará desistir!
Sim, hoje também eu sinto essas Borboletas na Barriga... mas são as mesmas Borboletas que sempre me fizeram sonhar, e que me farão voar mais alto ainda! ; )

Love you my Friend!

Vera Isabel disse...

Lembro-me de ler os teus posts naquela altura.
Espero que todos os teus colegas encontrem uma situação onde possam respirar de alívio de novo.

Helena Barreta disse...

É triste esta forma de tratar as pessoas. É triste ver que as mais-valias das pessoas com anos e anos na mesma empresa não são reconhecidas nem sequer valorizadas.

Um abraço a todos. Coragem.

Um beijinho