Hoje, os 195 trabalhadores que ainda restavam na minha antiga empresa foram despedidos. Foram todos despedidos, num processo que já se arrastava há muito. Primeiro acabaram com o departamento onde eu trabalhava, depois as coisas foram sendo desmanteladas aos poucos, a empresa vendida a um grupo indiano e toda a gente a imaginar qual seria o seu destino. É verdade que muitos já sabiam que seria este o destino - arriscava a dizer que todos os sabiam, apenas faltando saber quando. Foram obrigados a passar por um ano de extrema dificuldade, a verem as suas tarefas a serem progressivamente transferidas para outro lugares, a serem constantemente monitorizados, a serem asfixiados pelos recém-chegados que iam tomando conta da empresa. E, ao mesmo tempo que se iludiam as pessoas com falsas esperanças de melhoria, de maior eficiência dos processos, havia já alguém a arquitectar este final.
Talvez noutra dimensão e noutra conjuntura, eu passei pelo mesmo. E por isso, quando hoje recebi a notícia, foi como se estivesse a atravessar aquele período todo outra vez. Conhecia grande parte daquelas 195 caras, ainda que muitas apenas de nos cruzarmos no elevador mas afinal ainda foram quatro anos a convivermos naquele prédio que daqui a uns tempos estará vazio. Esta foi a primeira imagem que me veio à cabeça: aquele prédio vazio, os open spaces mergulhados no mais profundo silêncio, apenas contendo as memórias do que um dia já foi. E pensei nas pessoas, nos casais que ali trabalham e agora se vêem a braços com dois desempregos duma assentada, nas pessoas que em Julho passado deixei para trás e fiquei triste. Também eu me fiz à vida e tenho a certeza que haverá quem desde logo arregace as mangas e se faça à vida mas não vai ser fácil para todos. São 195 pessoas à procura de um lugar num dos períodos mais difíceis que vivemos, é a verdade.
E depois dói esta consequência da modernidade: todos somos substituíveis, todos. Acabou aquela ideia de que alguém pode ser a pessoa ideal para uma posição: saem uns, entram outros - no big deal. Não há efectividade que nos valha porque quando tem que ser vão efectivos e temporários todos para o olho da rua - só variam as regalias de uns e outros. As empresas há muito que deixaram de procurar equipas sólidas, com pessoal dedicado e especializado no que faz para passarem a procurar apenas os recursos mais baratos que aliviem as suas estruturas de custos. É apenas e só isso que conta: poupar todos os cêntimos possíveis. E eu não gostava de ter o mesmo emprego para toda a vida mas gostava que nos tratassem como pessoas e que pudessem apostar na formação e especialização e que tentassem recompensar o esforço e a dedicação. Mas parece que isso hoje está fora de moda e eu, como todos os outros, devo aceitar que a vida é assim.
Por todas as razões e mais algumas, os meus pensamentos estão hoje com estas 195 pessoas. Por ter sentido na pele a frieza dos números (sobre uma gravidez de sete meses na altura), gostava de poder ajudar todos os que quiserem uma mãozinha. Hoje, agradeço ter saído já há um ano: a porta que me fecharam ajudou-me a ter tempo para o meu filho e a refazer a minha vida. Vou esperar que o destino seja tão benevolente com eles como foi comigo. (Força!)
5 comentários:
obrigada, Marisa. Do fundo do coração.
"It's the final countdown
We're leaving together
The final countdown
We'll all miss her so"
Neste momento, a incerteza do futuro confunde-se com o alivio de ver um sofrimento já demasiado prologado finalmente chegar ao fim...
Sentimentos contraditórios que não me deixam soltar as lágrimas nem abrir o sorriso, mas que me provam a força de que sou feita e que não me deixará desistir!
Sim, hoje também eu sinto essas Borboletas na Barriga... mas são as mesmas Borboletas que sempre me fizeram sonhar, e que me farão voar mais alto ainda! ; )
Love you my Friend!
Lembro-me de ler os teus posts naquela altura.
Espero que todos os teus colegas encontrem uma situação onde possam respirar de alívio de novo.
É triste esta forma de tratar as pessoas. É triste ver que as mais-valias das pessoas com anos e anos na mesma empresa não são reconhecidas nem sequer valorizadas.
Um abraço a todos. Coragem.
Um beijinho
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