Neste fim de semana que passou morreu um colega aqui do escritório. Teve um ataque cardíaco e, aos quarenta e dois anos, não resistiu. Quarenta e poucos anos e nem sequer teve a hipótese de apanhar um susto. Há duas noites, outro colega acabou no hospital com duas artérias entupidas e a precisar de um cateterismo. Ao primeiro não lhe conhecia hábitos alimentares, de exercício ou de sono mas estou certa que o segundo não trata assim tão mal de si, não fumando, fazendo exercício e comendo sempre comida caseira, com uma dieta rica em peixe e carnes brancas. Na verdade, nada foi suficiente para evitar uma morte e um grande susto.
Muitas vezes ouvimos histórias de pessoas que não cuidam de si, que vivem lado a lado com os excessos, o que muitas vezes se confunde com apreciar o melhor que a vida nos pode dar. Outras tantas vezes chegam-nos aos ouvidos relatos da injustiça que é ver partir pessoas que cuidavam de si, que se preocupavam com a sua saúde e bem estar, que pensavam estar assim a proteger-se e prolongar a vida. É claro que existem factores como a hereditariedade, que muitas vezes se desconhecem e na maioria dos casos não são visíveis. Só que, bottom line, no final não importa.
Sempre que eu entro num avião, encho-me de nervos por pensar que me estou a colocar em perigo voluntariamente. Que podia estar melhor com os pés bem assentes no chão, que preferiria andar de carro, mesmo sabendo que as estatísticas dizem que os aviões são bastante mais seguros. E o único pensamento nesse momento, para além da ideia de morrer, claro , é só um: o meu filho ficava sem mãe se me acontecesse alguma coisa. Mas agora penso em tudo o resto, toda a gordura que me pode estar a entupir as veias, todo o exercício que podia estar a fazer, todo o stress que já não consegui evitar e sinto-me desconsolada por me lembrar do óbvio: não a podemos controlar. Ela chegará quando tiver de ser, da maneira que esperámos ou apanhando todo o mundo desprevenido, sem qualquer consideração pelos que cá ficam. E eis que eu, chegada quase aos trinta e cinco anos, me vejo ainda na posição de me ver confrontada com a minha mortalidade e achar que a) afinal ainda sou imortal e b) não quero mesmo morrer.
Custa-me pensar na morte, especialmente na minha morte ou na do miúdo. Muitas vezes imagino que vamos ser assim para sempre: eu vou ter sempre trinta e tal, ele vai sempre ter três e fazer birras. Só que um dia ele vai ser maior do que eu e vai apresentar -me namoradas. E eu perderei mobilidade e serei ainda mais chata e terei o cabelo completamente branco, embora já não falte muito. Pensava que era mais fácil envelhecer mas não é. Ver o corpo a mudar, perder paciência para umas coisas, ganhar para outras, perder agilidade, ganhar dores em articulações que não conhecíamos antes, resmungar muito mais. Eu pensava que ia passar por isso na boa, só que não é bem assim porque olhar para os nossos filhos é ver a nossa própria finitude e isso é cruel.
Por isso, esta manhã ia saindo de casa com um aperto no coração. Pela primeira vez desde que se despede intencionalmente, o meu filho não queria despedir-se de mim. Simplesmente ficou a olhar para mim enquanto eu lhe perguntava várias vezes se não me queria dar um beijinho. E só quando eu já estava quase a trancar a porta correu para ela a chorar, muito arrependido por me ter ignorado. Eu não quero sair de casa todos os dias a pensar se fiz tudo o que queria fazer e se me tinha despedido convenientemente. Mas penso muitas vezes nisso, especialmente nos dias em que saio de casa ainda no escuro, sem ter sequer escutado ou visto o miúdo a dormir. Enfim, tudo isto é resultado do ambiente que se vive no escritório nos últimos dias, é um facto. Já perdi tempo e tempo a pensar no que seria do meu filho se eu não existisse porque mesmo que tenha um grande pai, não pode por isso dispensar a sua mãezinha. E por isso gosto de o beijar e ser beijada, dar aquele abracinho logo de manhã. O meu plano é apenas não deixar nada por fazer.