fevereiro 19, 2014

Entre a Lapa e Campo de Ourique



Dormir sozinha na nossa casa de Lisboa é estranho e extremamente evocativo de memórias não tão longínquas assim.

Esta casa cheira exactamente como no dia em que aqui entrei pela primeira vez, orgulhosa da minha maturidade mas extremamente intimidada pelo grande acontecimento do dia: ter passado um cheque de cento e vinte mil euros pela primeira (e julgo que última) vez da minha vida. Lembro-me que antes disso, e apenas durante o tempo estritamente necessário, ainda pude ver esse mesmo montante na minha conta bancária. Lembro-me que fiz un screenshot para nunca mais me esqueci mas acabei por me esquecer onde guardei o screenshot. Dos cento e vinte mil euros ainda restam memórias.

Vivi muito tempo sozinha, outro período com a minha irmã, depois com o namorado que se transformaria (à pressa) em marido e ainda com um filho até ele completar um ano e meio. Muita gente passou pela minha vida desde o dia um de Novembro de 2006, em que pisei pela primeira vez um imóvel meu. E estar aqui sozinha agora, longe de tudo e de todos, faz desfilar na minha cabeça a quantidade incrível de momentos que vivi neste primeiro andar inicialmente contruído em 1876. É o que diz sobre a porta da rua, pelo menos.

Os ruídos continuam os mesmos: os aviões quase a rasar a basílica da Estrela, os cães miniatura que a nossa vizinha de baixo sempre gostou de ter, a televisão que os vizinhos do lado insistem em ouvir em altos berros, o som dos meus passos no corredor e nas divisões vazias – o silêncio que, a espaços, me faz esquecer que esta é uma casa de Lisboa. Lembro-me dos momentos de terror que vivi aqui sozinha quando percebi que andavam ratos ou ratazanas sobre o tecto falso e ligava aos meus pais, imóvel com o medo, esperando que um bicho me aterrasse no colo a qualquer momento. Lembro-me da desgraça que ia acontecendo quando tentavam fazer entrar o frigorífico pela janela da frente, da dificuldade que foi fazer entrar o sofá pelas escadas impossíveis, da noite em que fiz o primeiro teste de gravidez e em que parece que tudo mudou.

É difícil explicar e ainda mais difícil compreender, imagino, mas mesmo estando feliz no Luxemburgo e não olhando muito para trás, esta é que é a minha casa, a nossa casa. É o sítio para onde podemos fugir se a vida nos correr mal, é o sítio onde vi o nosso filho andar pela primeira vez, foi palco de planos, desamores e desilusões, foi o sítio em que estar sozinha era uma benção, foi a minha primeira grande conquista adulta. Não preciso de mais razões para explicar porque não nos desfizemos dela ou porque me custa tanto pensar nela alugada. É a minha casa, é a nossa casa. Hoje vou dormir na minha casa e, por muito que me custe pensar que é temporário, a verdade é que é também muito bom.

2 comentários:

Helena Barreta disse...

Falta o sol, para que tivesse sido recebida como merece.

Uma boa estadia.

Dalma disse...

Querida, esse 1º andar é realmente TEU e só em último caso te deves desfazer desse buraquinho na Lisboa que tanto amas!