Dormir sozinha na
nossa casa de Lisboa é estranho e extremamente evocativo de memórias não tão
longínquas assim.
Esta casa cheira
exactamente como no dia em que aqui entrei pela primeira vez, orgulhosa da
minha maturidade mas extremamente intimidada pelo grande acontecimento do dia:
ter passado um cheque de cento e vinte mil euros pela primeira (e julgo que
última) vez da minha vida. Lembro-me que antes disso, e apenas durante o tempo
estritamente necessário, ainda pude ver esse mesmo montante na minha conta
bancária. Lembro-me que fiz un screenshot para nunca mais me esqueci mas acabei
por me esquecer onde guardei o screenshot. Dos cento e vinte mil euros ainda
restam memórias.
Vivi muito tempo
sozinha, outro período com a minha irmã, depois com o namorado que se
transformaria (à pressa) em marido e ainda com um filho até ele completar um
ano e meio. Muita gente passou pela minha vida desde o dia um de Novembro de
2006, em que pisei pela primeira vez um imóvel meu. E estar aqui sozinha agora,
longe de tudo e de todos, faz desfilar na minha cabeça a quantidade incrível de
momentos que vivi neste primeiro andar inicialmente contruído em 1876. É o que
diz sobre a porta da rua, pelo menos.
Os ruídos
continuam os mesmos: os aviões quase a rasar a basílica da Estrela, os cães
miniatura que a nossa vizinha de baixo sempre gostou de ter, a televisão que os
vizinhos do lado insistem em ouvir em altos berros, o som dos meus passos no
corredor e nas divisões vazias – o silêncio que, a espaços, me faz esquecer que
esta é uma casa de Lisboa. Lembro-me dos momentos de terror que vivi aqui
sozinha quando percebi que andavam ratos ou ratazanas sobre o tecto falso e
ligava aos meus pais, imóvel com o medo, esperando que um bicho me aterrasse no
colo a qualquer momento. Lembro-me da desgraça que ia acontecendo quando
tentavam fazer entrar o frigorífico pela janela da frente, da dificuldade que
foi fazer entrar o sofá pelas escadas impossíveis, da noite em que fiz o
primeiro teste de gravidez e em que parece que tudo mudou.
É difícil explicar e ainda mais difícil compreender, imagino, mas mesmo
estando feliz no Luxemburgo e não olhando muito para trás, esta é que é a minha
casa, a nossa casa. É o sítio para onde podemos fugir se a vida nos correr mal,
é o sítio onde vi o nosso filho andar pela primeira vez, foi palco de planos,
desamores e desilusões, foi o sítio em que estar sozinha era uma benção, foi a
minha primeira grande conquista adulta. Não preciso de mais razões para
explicar porque não nos desfizemos dela ou porque me custa tanto pensar nela
alugada. É a minha casa, é a nossa casa. Hoje vou dormir na minha casa e, por muito que me custe pensar que é temporário,
a verdade é que é também muito bom.
2 comentários:
Falta o sol, para que tivesse sido recebida como merece.
Uma boa estadia.
Querida, esse 1º andar é realmente TEU e só em último caso te deves desfazer desse buraquinho na Lisboa que tanto amas!
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