novembro 26, 2014

Seis meses de Amália: um balanço

Há já seis meses que ando a carregar com esta miúda para todo o lado. Parece-me incrível e parece-me que ainda foi ontem que as náuseas me faziam sentir como se estivesse num pesadelo. Bem comportadas, elas desapareceram assim que terminou o primeiro trimestre, o que eu e até o meu trabalho agradecemos muito.

A segunda gravidez é mais ou menos como a ouvi descrita: já passou um pouco daquele entusiasmo, daquela sensação de magia e sobra o desejo que, tal como da primeira vez, aí venha um bebé saudável e é tudo. É especialmente mais difícil concentrar-me tanto nela porque desta vez já há um pequeno cavalinho de quatro anos que não me larga um minuto, que quer deitar-se em cima da barriga, que fala para a irmã e diz muitas vezes que ela está a chorar ou a mexer-se quando não sinto absolutamente nada. Claro que continuo a ter os meus momentos privados com ela e muitas vezes me divirto com os malabarismos que ela vai fazendo sem respeitar as minhas horas de sono ou de descanso mas, ao contrário da primeira vez, preciso dividir pensamentos e amor com alguém que já cá está há mais tempo.

Diferente da primeira gravidez é também o meu estado geral. Sinto-me muito mais pesada e muito mais lenta desde mais cedo, sofro um bom bocado com dores nos ossos e nos rins (na primeira vez, isso apenas aconteceu quando o parto se aproximava, maldita relaxina antes do tempo), tenho já vontade de parar. Felizmente, por aqui a licença de maternidade começa dois meses antes da data prevista para o parto e isso vai ajudar-me a descansar um bocadinho. Mas passar o dia todo sentada em frente ao computador não tem ajudado muito a terminar os dias em forma. Depois disto, não me parece que queira sequer considerar a hipótese de um terceiro filho: se as gravidezes vão piorando a minha condição física, o melhor é mesmo, mesmo ficar por aqui.

Finalmente comprei umas roupinhas para a miúda, que está a crescer bem e já ultrapassou os oitocentos gramas de peso. Primeiro, não sabia o sexo do bebé e não me apetecia arriscar nem comprar roupas neutras. Depois de saber o sexo, mergulhei numa espécie de preguiça mas também no sentimento que já não faço ideia do que nos faz falta. Parece que a primeira gravidez foi há séculos atrás e que tenho que recuperar coisas que não sei em que parte da minha memória enfiei. Se por um lado parti para esta gravidez com a tranquilidade de quem já passou por isto, por outro sinto-me como se tivesse que aprender tudo de novo. Acho que vai ser muito interessante quando ela finalmente chegar cá fora e estou ansiosa por ser mãe de uma menina!

novembro 21, 2014

E quando emigrar não corre bem? *

Quando saímos de Portugal, decidimos que não íamos vender a nossa casa em Lisboa. Por razões sentimentais, é certo, mas principalmente porque não fazíamos ideia do que nos esperava lá fora. Eram dois adultos a sair e apenas um deles com um contrato de trabalho - as coisas podiam correr bastante mal, a meu ver, embora não tivesse partido pessimista.

Emigrar, toda a gente está farta de o saber, pode ser uma mudança extremamente violenta: depende do país para onde se emigra, da vontade que realmente se tem de emigrar, da força de vontade e preserverança para vencer todos os obstáculos que se vão apresentando no nosso caminho. Deixa-se uma vida inteira para trás, arrumada em caixas e sacos gigantes que alguém faz o favor de nos guardar (porque não sabemos se voltamos ou quando voltamos), despedimo-nos da gente que nos vai fazer falta (um até já indefinido, em que disfarçamos a tristeza com a ideia que nos vemos em breve). Chegamos e (provavelmente) damos de caras com outro clima, demoramos uma eternidade a construir uma rotina e a descobrir todas as manobras burocráticas que nos vão permitir viver sem preocupações, tentamos encontrar um trabalho em que não interesse a nossa origem (ou talvez ela seja mesmo uma vantagem), mergulhamos noutra(s) língua(s) e às tantas já não sabemos em que língua nos exprimimos melhor, talvez no caos da sua simultaneidade. Damos graças pela tecnologia que nos deixa ver quem deixámos para trás, sem que nunca possamos sentir o seu cheiro ou aproveitar o seu abraço, tornamo-nos simultaneamente mais e menos Portugueses neste processo de habituação. Com o tempo suficiente, já nunca somos só de uma só nacionalidade.

Mas e se de repente percebemos que isto correu mal? Se acordarmos com a sensação de que o nosso lugar não é numa cidade estranha, num emprego estranho, numa casa que não é a nossa cara? Então e se a sensação de que não pertencemos a este sítio se for apoderando de nós sem darmos conta, até chegarmos ao momento em que voltar atrás passa a ser uma inevitabilidade?

Eu sei que isto não significa falhar. Eu imagino que seja difícil aceitar (bem cá no fundo) que a solução é voltar à estaca zero mas este recomeço não apaga nunca a coragem que foi necessária para chegar até ali. Eu tenho a certeza que, não importa a duração desta ausência, as pessoas desenvolvem um apurado sentido de resistência e até, em muitos casos, de sobrevivência que nunca esquecerão. As pessoas passam a lidar melhor com quem as olha de lado, com quem não conseguem compreender, com culturas tão fundamentalmente diferentes, com quem não compreende que se deixe um país, uma casa, uma família à procura de uma oportunidade mais justa. Emigrar, para mim, carrega em si um conceito que só consigo traduzir em Inglês: restlessness. Eu acredito que as pessoas que emigram são inquietas, na sua mente e no seu coração, e isso não se perde mesmo quando voltam a casa. Está lá e continuará empurrando essas vidas para a frente, permitindo menos espaço para a resignação. Falhar é ficar em casa a pensar E se?... Falhar é forçar a permanência de alguma coisa que nos deixa extremamente infelizes. Falhar é não responder à nossa voz interior. Só temos que a ouvir, seja para partir ou para ficar. Fingir que ela não existe é que não.

* uma reflexão para alguns corajosos emigrantes.

novembro 11, 2014

Ser banana: uma definição

Eu sou uma pessoa-banana, é a conclusão a que cheguei hoje depois de levar na cabeça de marido e colegas de trabalho. Pelo menos profissionalmente falando, tenho sido uma banana, especialmente nestes últimos meses/anos, em que resolvi (inconscientemente, diga-se a meu favor) não reclamar os direitos que são meus.

Eu sou daquelas pessoas que vai a um restaurante, encontra um cabelo no prato mas não reclama porque não quer chatear o empregado e muito menos o cozinheiro e afinal é só por o cabelo de lado. Sou daquelas pessoas que se irrita no trânsito com a cambada de chicos espertos que se veêm por aí mas não saco da buzinadela quando é preciso e fico a remoê-la o resto da tarde. Da mesma maneira, não sou capaz de reclamar se não me aplicaram uma promoção a que tinha direito numa compra ou falta-me muitas vezes a resposta necessária em situações em que me estão a pisar. Eu sou assim e muitas vezes por uma razão um bocado parva: não dou valor suficiente às coisas materiais, na maioria dos casos. Não me apetece chatear-me por pagar dez euros a mais, nem me vou aborrecer se a comida não era aquilo que esperava. Não consigo ser como aquela minha colega que assim que chega ao hotel começa a reclamar para que a pessoa que a atende lhe faça logo um upgrade ao quarto, não dá. Atenção que eu entendo que isto é estúpido e promove a continuação de serviços/produtos/relações medíocres. Mas eu consigo lá parar com isto?

Mas agora, e pelo menos numa situação particular, decidi que chega disto. Não é o resultado em si que me interessa mais, é a atitude para comigo. É deixar que os outros pensem que eu papo grupos e que podem fazer gato-sapato da minha pessoa só porque sou demasiado preguiçosa ou ingénua para lutar por aquilo a que tenho direito. Não quero comprar nenhuma guerra e talvez esse seja também o meu problema: para não incomodar ou não desafiar os poderes instituídos, tenho optado por manter a bola baixa e dizer que sim a tudo. Mas não me apetece mais, pelo menos não agora. Não estou para aceitar tudo o que me apresentam se sequer pensar no que estou a fazer. Não vou desistir de reclamar os meus direitos com receio de represálias (especialmente quando não existe razão para as mesmas existirem). Estou um bocado farta e agora, com a barriga já deste tamanho, estou ainda pior. Sinto-me enfartada com as pessoas que pensam que os outros, os que estão supostamente abaixo, têm a obrigação de comer e calar porque elas dizem, só por isso. Sem justificações, só porque sim, acompanhando com um encolher de ombros. Acho que não mereço, honestamente, e acima de tudo não o esperava. Mas já devia saber, surpresas temos todos os dias, especialmente de onde menos esperamos. Quero deixar de ser banana e há que começar por algum lado.

novembro 05, 2014

Por outro lado...

(porque felizmente não existe apenas uma perspectiva das coisas)


Ontem foi a primeira reunião a sério lá na escola do Vicente. A lei obriga a que se façam estas reuniões individuais com os pais para melhor acompanhar e orientar o desenvolvimento de cada criança. É a primeira vez que vejo algo tão bem organizado e documentado, desde que o miúdo entrou para uma creche aos cinco meses. A culpa será certamente nossa que, por distracção, necessidade ou desconhecimento não tínhamos encontrado até agora um projecto educativo tão bem pensado e, acima de tudo, executado.

Entrar para esta escola (aqui chamada de Précoce, o que equivale sensivelmente à pré-primária em Portugal) foi um alívio por diversas razões, mais ou menos importantes. Primeiro, a ideia de que sendo o ensino oficial, o projecto educativo seria mais sólido e mais adequado à integração do Vicente. Em segundo lugar, o facto do ensino ser gratuito, à excepção das refeições, que têm também um preço simbólico. Finalmente, o facto da escolha da escola ser baseada na nossa morada e por isso tê-lo mais perto, sem precisarmos de conduzir quilómetros e perder horas no trânsito sempre que tínhamos que o ir levar/buscar. Para mim, havia apenas um senão no meio disto tudo: é que para além do Francês, que já tinha começado na creche privada, o Vicente ia começar a aprender o Luxemburguês, língua em que eu ou o pai não nos conseguimos expressar nem mesmo compreender. Mas mesmo isto tem o seu aspecto positivo, porque é preferível que ele possa começar a aprendizagem com quatro anos - não irá demorar a apanhar-lhe o jeito.

A escola nova em Setembro foi mais ou menos tudo o que tinha idealizado: um edifício de um só piso, com o seu próprio parque infantil (na verdade um exterior e outro interior), com materiais pedagógicos totalmente novos, pronta a receber alunos de todas as nacionalidades. Devido às nossas óbvias limitações, falamos Francês com as educadoras e penso que nos conseguimos entender bem. Na sala dele, falaram Francês durante as primeiras duas semanas para que as crianças se pudessem ambientar e introduziram o Luxemburguês progressivamente. Hoje, falam inteiramente em Luxemburguês. Não faço ideia se o Vicente compreende tudo mas a verdade é que já se sai com algumas frases em Luxemburguês lá em casa. Há miúdos de todas as origens na sala dele e há pais que nem Francês falam e não foi por isso que deixaram de se entender com as educadoras. (Quero acreditar que as notícias que se ouviram nos últimos dias são casos extremos e isolados e  não a regra.)

Há uma manhã destinada ao exercício físico e outra dedicada aos passeios pelo bosque, independentemente da meteorologia que se fizer sentir. O Vicente tem os seus dias, já se sabe. O balanço que fizeram foi até bem melhor do que eu esperava: gosta de mandar, o pequeno tirano, e faz questão de se expressar quando está de acordo e quando não está. É muito aplicado e exacto nas suas actividades e tanto gosta de fazê-las sozinho como em grupo. Precisa de melhorar o seu comportamento em grupo porque gosta de ser o centro das atenções e já se imaginam as consequências quando não é esse o caso. Ele não é daqueles miúdos doces e calmos, capazes de partilhar desde muito pequeninos. É o meu pequeno furacão que dá que fazer a quem toma conta dele, sendo que é a nós, pais, que faz a vida mais negra. É natural, já aprendi.

Ouvi-lo a interagir com os outros em Francês ou Luxemburguês para mim é tudo: um orgulho e a promessa de que se integrará melhor do que eu. Não é por me opor à punição daqueles que falam Português nas escolas que quero que o(s) meu(s) filho(s) desrespeite(m) o país onde escolhemos viver. Mas no meio desta misturada de línguas e aprendizagens, quero que ele nunca se esqueça de onde vem, o meu alfacinha que não nasceu alentejano para meu desgosto. Se a escola for sempre assim (organizada, inclusiva, consciente das particularidades de cada criança) estamos bem. Que pena existirem esses sinais de segregação por aí mas também nos cabe a nós, pais, ensinar que há tempo para tudo. Mesmo para se portarem um bocadinho mal :)

novembro 03, 2014

A nossa pátria é a nossa língua?

(a propósito desta notícia)

O nosso filho é Português e Português é também a língua que falamos com ele em casa. Às vezes fazemos excepções para ver como vai o Francês e agora somos surpreendidos com as suas tiradas no Luxemburguês rudimentar que já traz da escola mas, no essencial, queremos expressar-nos com ele na língua do nosso país. A não ser que ele possa entrar de futuro na Escola Europeia, não vejo outra maneira de ele poder continuar a falar a sua língua (nem falemos de aprendê-la verdadeiramente).

Leio alguns comentários à notícia e fico incomodada. Aparentemente, aos pais que emigram não é permitido continuar a desejar que os filhos guardem alguma da sua herança cultural - apenas podemos postrar-nos agradecidos por este país ter sido tão generoso em acolher-nos e mandar Portugal às urtigas. Eu cá tenho uma ideia um bocadinho diferente: quero que o meu filho se possa integrar totalmente no país onde escolhemos viver, o que significa que talvez vá ter que dominar o Luxemburguês, o Francês e o Alemão; mas também quero que o meu filho não se esqueça nunca do sítio onde nasceu, com as suas virtudes e defeitos e, quem sabe, possa ainda conhecer a sua história, geografia, tradições. Ter vindo para aqui não implica que cortámos definitivamente relações com o sítio onde nascemos nem ter que assumir uma posição submissa face à comunidade onde nos inserimos agora. Podemos continuar a pensar por nós, parece-me.

A situação que se vive aqui no Luxemburgo é, de facto, complicada, com o Português a ser a segunda língua mais falada nas escolas, à frente de duas das línguas oficiais do país. É o resultado da emigração em massa, talvez um pouco assustadora mas mesmo assim necessária: o Luxemburgo precisava, pelo menos até há uns anos atrás, da mão de obra que este emigrantes portugueses puderam trazer. Vivermos fechados numa comunidade artificial, baseada no simples facto de que somos Portugueses, parece-me absurdo. Mas também me parece absurdo que tenhamos que renunciar às nossas origens, à nossa língua, aos nossos costumes só porque decidimos construir uma vida noutro país. É preciso equilíbrio. É preciso entender que existem momentos para tudo e que não é punindo as crianças que se vão conseguir melhores resultados na sua integração. Muitas delas vieram de Portugal já com oito, nove anos, o que dificulta ainda mais a aprendizagem do Luxemburguês.

Se por um lado nunca me senti verdadeiramente mal tratada aqui, também é verdade que há sempre um véu de suspeição e de algum desapontamento que se levanta quando mencionamos que somos Portugueses. Às vezes nem o Francês é suficiente, apesar de ser também língua oficial, e fica claro que falar Luxembuguês é uma marca distintiva para quem nasceu aqui. Eu consigo compreender que os Luxemburgueses queiram defender aquilo que é seu - afinal, é uma tarefa hercúlea se pensarmos na percentagem de estrangeiros face à de nativos - mas não me parece que castigar crianças que falem outra língua seja o caminho a seguir. Que o miúdo saiba sempre quando é tempo de falar o quê, é o que desejo.