novembro 21, 2014

E quando emigrar não corre bem? *

Quando saímos de Portugal, decidimos que não íamos vender a nossa casa em Lisboa. Por razões sentimentais, é certo, mas principalmente porque não fazíamos ideia do que nos esperava lá fora. Eram dois adultos a sair e apenas um deles com um contrato de trabalho - as coisas podiam correr bastante mal, a meu ver, embora não tivesse partido pessimista.

Emigrar, toda a gente está farta de o saber, pode ser uma mudança extremamente violenta: depende do país para onde se emigra, da vontade que realmente se tem de emigrar, da força de vontade e preserverança para vencer todos os obstáculos que se vão apresentando no nosso caminho. Deixa-se uma vida inteira para trás, arrumada em caixas e sacos gigantes que alguém faz o favor de nos guardar (porque não sabemos se voltamos ou quando voltamos), despedimo-nos da gente que nos vai fazer falta (um até já indefinido, em que disfarçamos a tristeza com a ideia que nos vemos em breve). Chegamos e (provavelmente) damos de caras com outro clima, demoramos uma eternidade a construir uma rotina e a descobrir todas as manobras burocráticas que nos vão permitir viver sem preocupações, tentamos encontrar um trabalho em que não interesse a nossa origem (ou talvez ela seja mesmo uma vantagem), mergulhamos noutra(s) língua(s) e às tantas já não sabemos em que língua nos exprimimos melhor, talvez no caos da sua simultaneidade. Damos graças pela tecnologia que nos deixa ver quem deixámos para trás, sem que nunca possamos sentir o seu cheiro ou aproveitar o seu abraço, tornamo-nos simultaneamente mais e menos Portugueses neste processo de habituação. Com o tempo suficiente, já nunca somos só de uma só nacionalidade.

Mas e se de repente percebemos que isto correu mal? Se acordarmos com a sensação de que o nosso lugar não é numa cidade estranha, num emprego estranho, numa casa que não é a nossa cara? Então e se a sensação de que não pertencemos a este sítio se for apoderando de nós sem darmos conta, até chegarmos ao momento em que voltar atrás passa a ser uma inevitabilidade?

Eu sei que isto não significa falhar. Eu imagino que seja difícil aceitar (bem cá no fundo) que a solução é voltar à estaca zero mas este recomeço não apaga nunca a coragem que foi necessária para chegar até ali. Eu tenho a certeza que, não importa a duração desta ausência, as pessoas desenvolvem um apurado sentido de resistência e até, em muitos casos, de sobrevivência que nunca esquecerão. As pessoas passam a lidar melhor com quem as olha de lado, com quem não conseguem compreender, com culturas tão fundamentalmente diferentes, com quem não compreende que se deixe um país, uma casa, uma família à procura de uma oportunidade mais justa. Emigrar, para mim, carrega em si um conceito que só consigo traduzir em Inglês: restlessness. Eu acredito que as pessoas que emigram são inquietas, na sua mente e no seu coração, e isso não se perde mesmo quando voltam a casa. Está lá e continuará empurrando essas vidas para a frente, permitindo menos espaço para a resignação. Falhar é ficar em casa a pensar E se?... Falhar é forçar a permanência de alguma coisa que nos deixa extremamente infelizes. Falhar é não responder à nossa voz interior. Só temos que a ouvir, seja para partir ou para ficar. Fingir que ela não existe é que não.

* uma reflexão para alguns corajosos emigrantes.

3 comentários:

Dalma disse...

Marisa, é a tua veia filosófica a falar, não será? Espero que não seja desânimo e que seja apenas a falta de Sol a falar!
Bjis

Vera disse...

Restlessness descreve perfeitamente o estado em que estou desde que emigrei. Nao necessariamente um sentimento negativo mas definitivamente uma daquelas coisas que nos faz questionar as escolhas que fazemos quase todos os dias ("sera que e aqui que estou bem?", "nao seria melhor voltar?").

M. disse...

@Professora Dalma, não é, definitivamente, um texto sobre nós mas é uma reflexão sobre pessoas que conheço :)

Vera, tu, se me permites, és o meu exemplo de emigração audaz e de sucesso. Tens uma história inspiradora e uma coragem que muita, muita gente deve invejar ;) Mas as perguntas realmente não desaparecem da nossa cabeça, o que é bom - fazem-na funcionar melhor ;)