março 30, 2015

Três-anos-três!

E foi assim que, enredados entre filhos e mudanças, passaram três anos desde que chegámos ao Luxemburgo. Três anos de alguma luta e sofrimento, de muitas saudades mas também de muita realização (pessoal e profissional), de melhoria de vida, de sensação de justiça. Todas as coisas de que não gosto no Luxemburgo parecem mesquinhas quando comparadas com as coisas boas que este país nos ofereceu.

Temos tantos exemplos da paz de espírito que é viver aqui: sermos justamente remunerados pelo nosso trabalho; todos os serviços públicos a que já recorremos funcionam impecavelmente e quase sem filas; os cuidados de saúde são comparticipados quase na sua totalidade; existem não só deveres mas direitos que são garantidos aos contribuintes; existe ainda uma dimensão humana com que podemos contar nos organismos públicos, bem como excepções às regras em nosso benefício, caso devidamente justificadas; os serviços que temos contratado até agora fazem-se pagar mas são excepcionalmente pontuais e eficazes, sem deixar espaço a equívocos; a escola pública é gratuita; as crianças crescem poliglotas, o que (espero) pode aumentar as suas hipóteses de vencerem no futuro; podemos escolher (de entre quatro) em que país mais compensa comprar qualquer produto e fazê-lo num espaço de menos de meia hora; a população é, no geral, bastante receptiva aos estrangeiros (mesmo que não quisessem, há mais de 150 nacionalidades a partilhar este espaço minúsculo); a rede de assistência a mães e crianças é exaustiva e gratuita; a localização é maravilhosa para quem gosta de estar em permanente contacto com a natureza; estamos suficientemente perto de outros países para viajar de carro e também se preferirmos o avião; existem ajudas efectivas a casais com filhos. De certeza existem muitos mais mas estes são os que me ocorrem agora mesmo.

Podem contra-argumentar com muitíssimas coisas que deixámos para trás em Portugal (família e tempo não contam...) mas vejo, especialmente agora que olho para trás, que estávamos cansados de viver num país onde nos são impostos deveres e onde todos os dias perdíamos direitos; onde, com o passar do tempo, se foi tornando evidente que cumprir não compensa; onde os ordenados são patéticos e insultuosos e onde se espera que se beije o chão da entidade patronal só porque temos a "sorte" de ter um emprego; onde os incentivos à natalidade são de tal maneira nulos que as famílias são obrigadas a fazer contas para saberem se podem ter mais filhos; onde se incentiva e promove a precariedade, sem que estes trabalhadores possam reclamar os seus direitos. Esta discussão já a tivemos muitas vezes, com muitas pessoas e não creio que haja quem tenha mais razão do que os outros: foi uma decisão pessoal, assim como é pessoal a decisão de ficar e remar contra a corrente. Não somos melhores nem mais espertos do que os outros - apenas fizemos o que servia para nós, com os resultados conhecidos. Não seria capaz de aconselhar alguém a emigrar ou a ficar em Portugal porque conheço bem os particulares duma decisão dessas. Mas nós estamos há três anos aqui e, tirando a dor de estar longe da família e o desconforto de viver quase sempre abaixo das temperaturas decentes, é muito bom e já nos levou a sítios (reais ou metafóricos) com os quais apenas poderíamos sonhar em Portugal.

Não sei, honestamente, quantos mais anos nos restam aqui: seguramente mais dois, o período de tempo em que somos obrigados a habitar esta casa por questões fiscais. Mais cinco? Outros dez? Vamos vendo e avaliando, conforme vamos vivendo. Para já, parece-me que isto não são só uns curtes - é uma relação séria, dure ela o que durar.

Zombie

O problema é simples: eu torno-me numa pessoa horrível quando não durmo. Há pessoas que vivem bem com poucas horas de sono diárias e bem, mesmo eu não preciso de mais de cinco ou seis para poder ser um adulto funcional. O que se passa é que ando muito longe desse número de horas dormido por noite. Eu não me importo de acordar para amamentar (facilmente volto a dormir) mas ter que ficar horas acordada a consolar um ser pequenino com (o que parecem ser) terríveis dores de barriga mexe comigo.

Tomo a minha dose de vitaminas diárias, eliminei o leite e derivados da alimentação (a ver se o problema dela é esse, era grande sorte!), tento comer mais alimentos frescos e beber quantidades industriais de chá de funcho. Não é a falta de leite que me preocupa mas sim a qualidade ou o que ele está a fazer ao sistema digestivo da pequena. Depois, acresce aos factos que ela também não dorme grandes sestas durante o dia (exactamente pelas mesmas razões), o que não me deixa exactamente descansar. Isto é a repetição do que passei na primeira vez, se bem que ela chora muito menos mas com a agravante de agora já ter outro filho ao meu cuidado. Espero que ele um dia possa perceber como é difícil dar-lhe toda a atenção do mundo e fazer o mesmo à irmã. Simultaneamente. E sendo que ela ultimamente tem tendência a ganhar porque está fisicamente debilitada.

Há momentos, durante a noite ou quando começa a nascer o dia, em que sinto que vou simplesmente cair para o lado e em que sinto o cansaço na totalidade do meu corpo, como se tivesse corrido meia maratona no dia anterior. Às vezes estou a andar no quarto com ela nos braços, madrugada dentro, a tentar que ela não acorde o resto da casa, e sinto-me a pessoa mais falhada, cansada e só do mundo. Felizmente que existe a cura para estes momentos: quando começo a levantar as persianas e percebo que sobrevivi a mais um dia e uma noite em claro. Na minha cabeça, muitas vezes já estou em Julho, está todo o calor a que posso aspirar aqui no Luxemburgo, a miúda já tem cinco meses e tudo já estabilizou. É, como a porcaria de Primavera que chegou, Sol de pouca dura e volto rapidamente à realidade dos dias mais frios do que o Inverno que passou e do pequenino ser que me tem como refém. Dias melhores virão, com toda a certeza, mas até lá resta-me sentir-me miserável por mais uns longos meses.

março 18, 2015

Desse buraco escuro e profundo chamado pós-parto

Quase três semanas depois do nascimento da miúda e aqui me encontro, nesta montanha russa de emoções que já conhecia e já esperava mas para a qual afinal não estava assim tão preparada como imaginava. Começo a chorar com as coisas mais idiotas: hoje de manhã, apenas porque me lembrei que ainda não me ajeito a montar o carrinho da miúda e hei-de precisar dele muitas vezes para sairmos. Ainda bem que não temos televisão - sempre me poupo às imagens das desgraças que vão pelo mundo e que de certeza me iriam criar um nó do tamanho do Mundo na garganta.

As minhas capacidades de concentração estão a voltar mas muito, muito lentamente. Tenho um livro parado a meio porque não consigo absorver aquela quantidade de informação. Sou, no entanto, capaz de ler sobre viagens e hoteis e spas e por isso a Condé Nast Traveller tem sido a minha melhor amiga nos (poucos) tempos que tenho tido livres. Consegui dormir três sestas até agora e isso não me tem ajudado muito, especialmente se tivermos em conta que grande parte das noites também é passada em claro. A miúda chora muito pouco se a comparar com o irmão mas tem um sistema digestivo que não a deixa descansar (falta muito até isto tudo regularizar? Alguém que me diga que sim porque eu começo a desanimar...). De resto, é uma velhinha desdentada, a olhar-nos muito séria com uns olhos que podem vir a ser como os do irmão, às vezes cheia de lua e de gargalhadas que me assustam. Eu pensava que ela é que ia ser difícil mas como me enganei: o irmão é que tem dado pano para mangas. Com a pequena, ele é amoroso e quer beijá-la e pegar-lhe a toda a hora, embora esteja um pouco decepcionado com o facto de não poderem ainda brincar os dois. Mas connosco... O verdadeiro problema está aí. As birras aumentaram exponencialmente de dimensão, a agressividade também aumentou, embora no final ele perceba o que fez e volte ao estado amoroso primordial. O que me deixa triste é que o cansaço às vezes não nos deixa ser muito tolerantes com ele e acabamos frustrados muito antes do que seria recomendável. Esforçamo-nos para que assim não seja mas é muito difícil argumentar calmamente com um miúdo de quatro anos que esperneia e grita com toda a raiva que consegue.

Estes últimos dez dias tivemos a companhia e a ajuda dos nossos pais, que praticamente vieram acabar de nos montar a casa. Sem eles, muitas coisas iriam ficar esquecidas tempo demais mas eles fizeram questão de não deixar nada por fazer. Tomaram conta do neto mais velho, conheceram e encantaram-se com a mais pequena. Não foi fácil, a convivência dos sete na mesma casa durante este tempo: cada um tem as suas maneiras de fazer e de pensar, todos temos muitas opiniões. Mas ontem, enquanto me despedia deles, bateu-me a tristeza de me aperceber que os miúdos voltam a estar longe deles por tempo indeterminado e que ter companhia, especialmente neste período, é muito bom. E então o peso das nossas escolhas atinge-me outra vez em cheio - é que, com o tempo, vamo-nos esquecendo do que significa ter escolhido estar aqui e às vezes é assim que nos lembramos. E então só me resta esperar que o Sol continue a aparecer todas as manhãs, que a Primavera substitua, mesmo que lentamente, o escuro do Inverno, que eu possa ter tempo para parar e pensar que sobrevivi uma vez. Esta vai ser só mais outra.

março 05, 2015

A doçura dos primeiros dias (e o pesadelo das primeiras noites...)

Ah, as maravilhas de ser mãe pela segunda vez! Estar pronta para mais um parto, saber exactamente a que corresponde cada tipo de choro, compreender o sono do bebé e dominar a amamentação, aproveitar bem os períodos de descanso.

Não, na verdade quase nada disto se aplica à criança que nos nasceu faz hoje uma semana. Estava pronta para o parto, sim, mas acho que no fundo nunca esperei que não envolvesse uma anestesia. Eu tinha dito à parteira quando fomos preparar o plano de parto que gostava que fosse o mais natural possível mas queria anestesia assim que estivesse a sofrer muito. O que se revelou impossível mas a natureza sabe perfeitamente o que faz e eu devia ter encarado mais naturalmente a própria ideia do parto natural. Vejo aqueles videos de mulheres que têm os filhos em casa e da paz e serenidade com que aceitam as contracções e penso: elas são animais domésticos, eu sou um bicho do mato porque não conseguia respirar fundo e aceitar - só gritar e dizer que não.

Tenho um bom primeiro exemplo no nosso filho: uma criança muito doce e sossegada nos primeiros dias e depois um desastre para dormir quase até aos três anos! A amamentação custou-me horrores durante tempo demais mas finalmente acabou por estabilizar. Ele dormia muito pouco e eu pouco podia aproveitar para dormir. Andava completamente exausta e sem saber como voltar a trazer a cabeça à tona.

Resolvi que não faria comparações, a não ser para me preparar o melhor que pudesse para a Amália. Decidi que não vou catalogá-la de calma ou agitada, que não vou dissecar as coisas se ela dormir bem ou mal, que não vale a pena perguntar porquê. Ela é outra pessoa, provavelmente mais ou menos agitada que o irmão, chorando mais ou um bocadinho menos - cabe-me aceitá-la exactamente como nos chegou ao mundo. Com o Vicente, tentei racionalizar muito as coisas e tentar entender porquê acontecia o que acontecia com ele, esquecendo-me do principal: ele era uma pessoa nova, com o seu jeito de ser, largado num mundo que não conhecia, tentando adaptar-se o melhor que podia. Com ela, já o sei e consigo aproveitar melhor os períodos de calma durante o dia para tudo o que consigo encaixar lá (mini sestas incluídas). 

Ainda é demasiado cedo para avaliar-me como mãe, agora de um segundo bebé, mas sei com toda a certeza que sou uma mãe muito mais competente e armada para abraçar a dureza que são os primeiros meses. Com um amor gigante pelos meus dois filhos e um sentimento de culpa para com o Vicente que inevitavelmente cresce sempre que me sobem as hormonas à cabeça. Esforçamo-nos para que entenda que nestes primeiros tempos precisamos de um bocadinho de tempo para tratar da irmã, envolvendo-o nas coisas também mas fico sempre com a sensação de que se sente triste e à parte. Ela veio, afinal de contas, roubar-lhe o lugar mas nunca precisarão de o disputar porque são tudo o que nós amamos com mais força. E agora, com licença, que a roupa não se estende sozinha. Tomara ter tido este ânimo quando ele nasceu, uma ponta de vitalidade para continuar a viver o dia a dia como antes mas não é tarde agora!