E foi assim que, enredados entre filhos e mudanças, passaram três anos desde que chegámos ao Luxemburgo. Três anos de alguma luta e sofrimento, de muitas saudades mas também de muita realização (pessoal e profissional), de melhoria de vida, de sensação de justiça. Todas as coisas de que não gosto no Luxemburgo parecem mesquinhas quando comparadas com as coisas boas que este país nos ofereceu.
Temos tantos exemplos da paz de espírito que é viver aqui: sermos justamente remunerados pelo nosso trabalho; todos os serviços públicos a que já recorremos funcionam impecavelmente e quase sem filas; os cuidados de saúde são comparticipados quase na sua totalidade; existem não só deveres mas direitos que são garantidos aos contribuintes; existe ainda uma dimensão humana com que podemos contar nos organismos públicos, bem como excepções às regras em nosso benefício, caso devidamente justificadas; os serviços que temos contratado até agora fazem-se pagar mas são excepcionalmente pontuais e eficazes, sem deixar espaço a equívocos; a escola pública é gratuita; as crianças crescem poliglotas, o que (espero) pode aumentar as suas hipóteses de vencerem no futuro; podemos escolher (de entre quatro) em que país mais compensa comprar qualquer produto e fazê-lo num espaço de menos de meia hora; a população é, no geral, bastante receptiva aos estrangeiros (mesmo que não quisessem, há mais de 150 nacionalidades a partilhar este espaço minúsculo); a rede de assistência a mães e crianças é exaustiva e gratuita; a localização é maravilhosa para quem gosta de estar em permanente contacto com a natureza; estamos suficientemente perto de outros países para viajar de carro e também se preferirmos o avião; existem ajudas efectivas a casais com filhos. De certeza existem muitos mais mas estes são os que me ocorrem agora mesmo.
Podem contra-argumentar com muitíssimas coisas que deixámos para trás em Portugal (família e tempo não contam...) mas vejo, especialmente agora que olho para trás, que estávamos cansados de viver num país onde nos são impostos deveres e onde todos os dias perdíamos direitos; onde, com o passar do tempo, se foi tornando evidente que cumprir não compensa; onde os ordenados são patéticos e insultuosos e onde se espera que se beije o chão da entidade patronal só porque temos a "sorte" de ter um emprego; onde os incentivos à natalidade são de tal maneira nulos que as famílias são obrigadas a fazer contas para saberem se podem ter mais filhos; onde se incentiva e promove a precariedade, sem que estes trabalhadores possam reclamar os seus direitos. Esta discussão já a tivemos muitas vezes, com muitas pessoas e não creio que haja quem tenha mais razão do que os outros: foi uma decisão pessoal, assim como é pessoal a decisão de ficar e remar contra a corrente. Não somos melhores nem mais espertos do que os outros - apenas fizemos o que servia para nós, com os resultados conhecidos. Não seria capaz de aconselhar alguém a emigrar ou a ficar em Portugal porque conheço bem os particulares duma decisão dessas. Mas nós estamos há três anos aqui e, tirando a dor de estar longe da família e o desconforto de viver quase sempre abaixo das temperaturas decentes, é muito bom e já nos levou a sítios (reais ou metafóricos) com os quais apenas poderíamos sonhar em Portugal.
Não sei, honestamente, quantos mais anos nos restam aqui: seguramente mais dois, o período de tempo em que somos obrigados a habitar esta casa por questões fiscais. Mais cinco? Outros dez? Vamos vendo e avaliando, conforme vamos vivendo. Para já, parece-me que isto não são só uns curtes - é uma relação séria, dure ela o que durar.