junho 10, 2016

Quand il veut, il peut!


Acho que é público, uma história velha: eu sempre fui desejando que as fases do crescimento do Vicente passassem depressa. Primeiro, quis que ele pudesse dormir e que me deixasse dormir também. Depois, quis que os dentes saíssem todos o mais depressa possível para evitar ainda mais noites mal dormidas e o sofrimento que era evidente e que dificilmente podia ser evitado. A seguir, rezei para que ele não fosse tão susceptível a bronquiolites e outras ites que tal, já que fazer aerossóis a este bichinho era coisa para esgotar as forças ao pai e à mãe. Quis que a fase dos dois, três anos passasse a voar porque não havia um dia que o fosse buscar à creche que não me fizessem uma descrição pormenorizada da quantidade de asneiras que ele tinha feito durante o dia, mesmo com o maior dos carinhos que sentiam por ele. 

Muita gente me dizia (e ainda diz) que as fases nunca vão acabar e há ainda quem me lembre que a sabedoria popular é a mais fiável e certeira, atirando o provérbio Filhos criados, trabalhos dobrados. Pessoas, eu rendo-me. Eu aceito finalmente que vai sempre existir qualquer coisa que queremos ver atrás das costas, sobretudo coisas que não podemos (nem devíamos) controlar. Eu reconheço que não mais teremos descanso e que os desafios mudam apenas na sua natureza: se começamos com os desafios biológicos (a amamentação que é difícil, o cocó que não sai, o sono que tão pouco chega), logo começam os desafios comportamentais que se afiguram muito mais difíceis de superar. Reparem que não os qualifiquei como insuperáveis - mas compreendo agora como é mais duro transmitir valores e educar do que acertar com a pega da mama. E são desafios especialmente trabalhosos porque exigem que sejamos nós o modelo do comportamento que queremos ver nos nossos filhos e isso também dá muito trabalho. 

Nos últimos tempos, as professoras do Vicente usaram várias vezes esta expressão. Quando il veut, il peut, asseguram-me elas e eu sei bem como isso é verdade. O comportamento dele oscila bastante, entre o miúdo super bem comportado, que só quer estar sentado imerso num livro ou num puzzle qualquer, e o pequeno diabo, que ignora todas as ordens, responde torto a todos os pedidos e provoca os colegas. Se eu não o visse mimoso em casa, enchendo-me de beijos e dizendo que sou a sua mãe preferida (sic); se não soubesse que ele nos ajuda em tudo (podes ir buscar um pacote de fraldas/pôr este prato a lavar/abrir as persianas); se não o visse deitado a brincar com o seu interminável parque de automóveis, alternando entre as três línguas que fala; se eu não o ouvisse a tentar ler o que pode e, de vez em quando, a acertar numa palavra; se eu não visse como ele gosta de nós, mesmo quando está de castigo e diz que ninguém no mundo gosta dele (sic) - eu estaria verdadeiramente preocupada! Às vezes as professoras queixam-se, dizendo que ele é muito activo e é difícil mantê-lo calmo e eu não sei se são diferenças culturais mas parece-me saudável que uma criança de cinco anos queira sair da sala e correr até aos baloiços, que queira jogar às lutas com os outros miúdos, que muitas vezes queira estar a mexer-se. Não acho que seja motivo de orgulho que ele seja uma criança activa versus os miúdos que não gostam de se mexer mas também não vejo nisso o defeito que elas parecem querer apontar. 

Quando ele quer, ele pode - ficou-me o ditado na cabeça. Conversamos muitos sobre o que se passa na escola e eu aproveito para lhe expremer toda a informação possível. Conta-me sobre os momentos em que os miúdos se riram de um outro rapaz que regressou à escola careca, depois de uma operação a um tumor e como ele não se riu. Conta-me como queria dar cinco (high five!) a um amigo e acabou por falhar a mão e dar-lhe uma chapada. Conta-me como tem jogado à bola, sem conseguir marcar golos e muitas vezes sem ser logo escolhido para as equipas. Custaram-me muito os anos em que dormiu mal mas custam-me muito mais as vezes em que me diz que ninguém quer brincar com ele (o que a professora, felizmente, desmentiu...). Tem uma necessidade de validação e uma vontade de agarrar o mundo que (possivelmente) lhe vão trazer alguns dissabores. Põe intensidade em tudo o que faz e nunca consegue empenhar-se só a meio termo, seja em fichas da escola ou escolha de amigos. E vai crescendo depressa, um homenzinho em potência que ainda ontem nem sabia andar. Quem me dera poder cristalizar a sua ingenuidade e a curiosidade com que analisa o mundo à sua volta. E quem me dera que continue pateta e divertido, como nestas fotos que o pai lhe tirou. São elas que me vão lembrar, um dia, desta força da natureza quase à porta dos seis anos.

3 comentários:

Dalma disse...

Depois do que li chego à conclusão que o Vicente é uma criança feliz! Esquece as professoras e digo-te isto, não por dizer mas porque o que relatas já aconteceu com os meus netos!
Bjis

Helena Barreta disse...

Parece-me que o comportamento do Vicente é perfeitamente saudável e normal. Se aceitamos que um adulto faça pausas no trabalho, por uns minutos que seja, como não aceitar ou compreender que uma criança precisa e muito de dar largas à sua energia e vontade de correr?

O Vicente não ter rido do colega careca, isso sim, é de louvar e elogiar.

Bom fim-de-semana

ana cila disse...

Custaram-me muito os anos em que dormiu mal mas custam-me muito mais as vezes em que me diz que ninguém quer brincar com ele.

ui ui ui
como custa!