Os dias estão cada vez mais curtos. Saímos os três de casa ainda é noite e entramos quando já não se vê um palmo à frente. De manhã, aquele vento frio que quase corta, o vizinho que sai com a primeira roupa que lhe apareceu à frente para ir buscar o jornal à caixa do correio, Moien, saluda ele, para depois seguir o diálogo em Luxemburguês com o mais velho. Já viu o frio?, arrisca ele para mim em Francês e lá nos começamos a lamentar daquilo que não é nenhuma surpresa aqui: caminhamos a passos largos para o Inverno e faz frio. À tarde, os corvos que começam a escolher em que telhado vão pernoitar, vultos negros que se confundem com o céu da mesma cor, a pequena agitada, virando a cabeça para tentar acompanhá-los, dizendo adeus, até amanhã passarinhos.
Noites há em que somos apenas o três até ao jantar. Birras, fomes, vontades de brincar, sopas de abóbora e tartes de atum por fazer, a roupa que ficou por passar no fim de semana - tudo compete pela minha atenção. Ganham sempre eles e eu permito-me respirar quando os enfio aos dois na banheira, ela voluntariamente, ele quase sempre à força, que agora tudo é razão para fazer valer a sua vontade. Dias em que a minha capacidade de negociação é brilhante, a minha organização impecável, a paciência infinita. Dias em que choram os dois assim que entram em casa, o banho também é passado a chorar, querem comer mas não querem comer, há molho por todo o lado. Comum apenas o momento em que se deitam e em que, com sorte, me posso sentar em silêncio. Com o pai é quase o mesmo mas há mais dois braços para dar aquele colo que faz falta.
Móveis, paredes, caixilhos das portas, sofás - a nossa casa é a tela dela. Tudo o que ele não pintou nesta idade, ela está a fazer o favor de pintar. Bolas, balões, chuteiras, aquele gesto que o Ronaldo faz quando marca um golo - é aquilo que o interessa ultimamente. Não que não consiga sentar-se a ler um livro, sozinho, em silêncio, por sua iniciativa. Mas normalmente isso apenas acontece quando lhe pedimos, pela enésima vez, para não jogar à bola em casa. Ele, a querer colocar a louça na máquina, a querer cozinhar e lavar a louça, a pedir apenas para ajudar. Ela a dançar enquanto descasco a abóbora para a sopa, desafiando-me, Jamie XX a encher a cozinha e ela a mexer as ancas como o pato Donald.
Nos dias bons, ela adormece cedo e ele sobe comigo. Os dois no sofá, partilhando uma manta, ele nos momentos mimosos, Mãe quero estar ao pé de ti para sempre, falamos das profissões dos membros da família, do Gordo e da guerra, de agradecer pelo que temos e às vezes sobre a morte. Chora quando pensa que eu vou morrer e ele vai deixar de ter mãe. Eu explico que ele nunca deixará de ter mãe mas luto para não chorar quando penso que um dia os vou deixar sozinhos. Ele lendo as legendas, aprendendo a juntar as letras em voz alta, enquanto tenta deitar-se sobre as minhas pernas. Com sorte, ela dorme profundamente quando o levo para o quarto e não dá pela nossa entrada. Ele pede-me que o acorde de manhã, mesmo sabendo que vamos brigar como fazemos todos os dias.
Ao pé da nossa vida, todas as coisas parecem perder o significado. Faço um esforço por ter a cabeça no momento e saborear a sério estes dias em que eles crescem sem se ver. Tento esquecer que me canso durante o dia e que me começa a doer a bacia e que já não encontro posição garantidamente boa para dormir e pergunto-lhe como correu o dia e abraço-a quando a vejo exausta. Sei que muitas vezes podia fazer melhor mas o meu compromisso é com o aqui e o agora, um fim de tarde de cada vez, enquanto somos apenas três.