agosto 31, 2010

Reality check

Isto estava tudo muito bem até ontem. Andei a ver uns vídeos online, já consumi toda a literatura sobre o tema que consigo absorver mas ontem visitámos o bloco de partos e a unidade de cuidados ao recém nascido e bum!, caiu-me a realidade em cima: eu vou experimentar as agonias do parto! É um lugar comum falar da desconfortável luz branca do bloco de partos e das perneiras que nos supõem deitadas durante horas e da maquinaria meio assustadora para os bebés que precisam de ajuda - eu não fujo à regra. E é óbvio que já ouvi as cinquenta mil histórias de partos da praxe, cuja maior parte descai para umas dezasseis horas de sofrimento, anestesias que não pegaram, cesarianas de urgência e outros detalhes igualmente sórdidos para quem vai ser mãe. Mesmo assim, tenho esperança porque ainda ouvi quem demorasse um par de horas na marquesa, quem dispensasse calmamente a anestesia e quem tivesse a sorte de ter o trabalho de parto ideal.

Até ontem, a minha ideia do parto estava ao mesmo nível duma curta metragem: eu era uma actriz a tentar absorver as experiências de mães verdadeiras, acumulando informação e conhecimento e métodos naturais de alívio da dor para melhor desempenhar um papel. Aquela sala de partos é que quebrou este feitiço e agora, de repente, vou ser a estrela disto e sei lá se estou preparada. O meu maior medo é desistir a meio, exausta ou impotente para ajudar o Vicente a chegar. Só a inevitabilidade do parto é que me descansa mais: ele vai ter que sair, one way or the other. Até lá, vou ficando atenta e se virem por aí uma moça aflita sem saber se o que sente são os primeiros sinais de parto, abanem-me - devo ser eu!

agosto 27, 2010

Relaxar a Norte para "encostar" finalmente a Sul


O pai do Vicente foi, desta vez, também o etnógrafo de serviço!

A nossa viagem está definitivamente a chegar ao fim, ao contrário de muitas em que o fim surge sem se fazer anunciar. Para a semana, quando completar trinta e cinco semanas de Vicente na barriga, começa uma vertiginosa contagem descendente e inicia-se oficialmente o nono mês de gravidez. Há, portanto, motivos para celebrar, teorizar, tentar adivinhar e temer.

Antes de encerrar as visitas por aí, mas já a custo, passámos uns dias perto de Ponte de Lima, tentando descansar, absorver alguma da vibração local e ainda ver coisas novas. Foi assim que passeámos por Caminha e por Valença e que descobrimos, espantados, a grandeza da serra d'Arga. Infelizmente, mas como já vem sendo da praxe, há muitos hectares de floresta ardida ladeando as estradas, tornando o silêncio em algo avassalador no cimo da serra. Foram dias de regresso para muitos emigrantes e ainda tivemos a sorte de assistir e quase participar nas festas da aldeia em honra de quatro ou cinco santos.

A viagem está a acabar, comecei eu por escrever. Regressei à minha cidade pela última vez antes de ser mãe, numa espécie de despedida de barriga: quando voltar, trarei o Vicente para o apresentar ao sítio que viu a mãe nascer. É uma distância auto-imposta e agridoce: por um lado, preciso de descansar e as dores nas ancas e em quase todas as articulações já não me deixam encontrar nenhuma posição confortável; por outro, custa-me ficar longe da minha família nesta recta final. Trinta e nove dias para pensar tudo o que ainda ficou por pensar, para a aceitação final de que nada será como antes, para preparar o meu coração para a chegada do nosso filho - não vai ser fácil mas a sério, mal podemos esperar.

agosto 22, 2010

Querido Vicente,

trouxemos-te para Norte, muito para Norte para que possas respirar um pouco deste ar puro e saber o que é o silêncio. Esta é a vista da janela do nosso quarto e, apesar de inevitavelmente já haver alguma área ardida por aqui, a paisagem continua a ser deslumbrante. A ribeira corre ainda ali em baixo, serpenteando entre as árvores, acalmando perto da ponte onde rapazes e raparigas se juntam para mergulhar. Somos acordados com alvoradas festivas, morteiros e música popular aqui desta zona do Lima escolhida pelos senhores da cabine da rádio mais abaixo. Há uma piscina onde já tomaste banho e que dividimos com uma gigante família espanhola, que trouxe consigo bebezinhos, avós e moças em topless. É bom estar aqui com amigos e não ter absolutamente nada para fazer. Esperamos por ti!

agosto 18, 2010

Sobre dias que podiam ter sido perfeitos

É claro que, de todos os dias que podia ter escolhido para fazer praia um bocadinho mais longe de Lisboa, tinha logo que escolher o primeiro em que o céu estava pouco cooperativo. Tantos dias de Sol já se desperdiçaram aqui pela Lapa, entre a ventoinha, o sofá e a televisão, e ontem, decididos a gozar a calma das praias mais a Sul, apanhámos o ferry em Setúbal e descemos a península de Tróia. Na Comporta, estava tudo muito sossegadinho, o mar muito calmo e a temperatura da água tão melhor que nas praias mais a norte mas as nuvens, sim, as nuvens que não deixavam secar os fatos de banho ajudavam a criar a sensação de frio. Arrumámos a trouxa e seguimos viagem pela costa Azul em direcção a casa.

Assim em jeito de compensação, fomos ao Bairro Alto reconfortar o estômago com uns belos nacos do lombo na pedra (que me fazem salivar só de pensar neles!) e nectarina grelhada com mascarpone e coulis de maracujá. Já não ia para aqueles lados há uns meses valentes e enfim, cheguei à triste mas não menos verdadeira conclusão que voltarei a abanar o capacete no espaço exíguo do Incógnito quando o Vicente for para a universidade! Já falta pouco, se pensar que daqui a uns quarenta e oito dias ele está cá fora...

agosto 14, 2010

Águas de Agosto

O silêncio apenas interrompido pelo vento a agitar pinheiros mansos e plátanos. A serra e a planície totalmente secas, amarelo a perder de vista debaixo do impiedoso calor. Ser a primeira e (algumas vezes) a única pessoa dentro de água. Saborear a leveza de nadar com o meu filho na barriga. A minha mãe ao meu lado, apanhando os seus primeiros raios de Sol do ano. Perder-me na sucessão dos dias sem conseguir criar novamente uma rotina. As saudades serenas de quem sabe exactamente (e agradece) aquilo que tem.

agosto 13, 2010

Entre Portugal e Espanha, 40º

A verdade é que sempre que, sempre que penso em Campo Maior, penso num território mais ou menos de ninguém, onde as pessoas se devem considerar mais ibéricas do que propriamente portuguesas ou espanholas. Como noutras localidades da raia, as influências de ambos os países convivem pacificamente e é assim que a rua de Portalegre pode ser paralela à rua de Badajoz ou que a arquitectura da vila permite que as tradicionais casas caiadas sejam interrompidas pelas portadas em madeira e pátios espanhóis. Aqui, já não se fala exactamente o português mas também não se adoptou o castelhano como língua oficial mas antes uma mistura muito rica que é confundida por muitos com uma espécie de cantiga. A televisão espanhola (como ainda na minha infância) vê-se melhor do que os formigueiros instáveis das emissoras portuguesas e por isso não admira que as influências da Extremadura se façam notar.

Há perspectivas antagónicas sobre a importância do Rui Nabeiro na vila: os que se opõem à sua influência dominadora e os que agradecem as constantes oportunidades de emprego que cria com as suas iniciativas. Eu sou daquelas que acha que oportunidades destas se devem agradecer e quem vê a vila à chegada, depois de rectas intermináveis ladeadas pelo feno tão seco, os rebanhos tão pachorrentos e charcas que resistem ao calor, pode admirar a forma como, ao contrário de tantas vilas e aldeias do concelho, se tem expandido pela planície partilhada com Espanha. Para o ano há promessa do regresso das festas e, para mim, a promessa de aprender a arte das flores em papel. Mas espero que esta onda de calor esteja mais branda e o ar seja um pouco mais respirável para que estar sentada numa esplanada não seja confundido com uma tortura e os termómetros de rua não avariem de vez.

agosto 10, 2010

Este país não é para honestos

Bem, então vamos lá escrever isto mais uma vez para ver se me entra finalmente na cabeça:

trabalho quatro anos na mesma empresa, sempre com boas avaliações de desempenho e com progressão vertical; a mesma empresa decide fechar um departamento inteiro para reduzir a estrutura de custos e eu descubro, de repente, que vou ficar sem emprego; são-me prometidas variadas hipóteses de reintegração na empresa, especialmente atendendo à minha corrente situação de gravidez; a empresa avança com o despedimento colectivo no final, sem apelo nem agravo; eu volto a casa com a minha consciência de contribuinte e utente de um sistema de segurança social absolutamente tranquila porque sempre cumpri com os meus deveres; esse mesmo sistema de segurança social indefere o meu pedido de prestações de desemprego porque não me encontro numa situação de desemprego involuntário. Hã?

Eu detesto aquela atitude xenófoba que mete imigrantes, ciganos e idosos todos no mesmo saco: o dos que não querem trabalhar e ainda assim têm direito a prestações sociais. Mas hoje, no dia em que recebo a carta que me nega uma forma de subsistência a mim e ao meu filho depois de obedecer, descontar e acreditar num sistema de apoio social, só me resta dizer: este país não presta. Não posso sentir-me em casa num país onde não tenho médico de família, onde o atendimento no serviço de saúde pública é mais do que deficiente, onde tudo o que já descontei não me garante qualquer tipo de apoio social. Preferia, sem qualquer tipo de pudor, lavar escadas num país qualquer do Norte da Europa mas manter os meus direitos. É nestes momentos que nem o Sol, nem a luz e as praias, nem a calma chegam: este país não nos merece.

agosto 08, 2010

Dar de comer ao cachopo

Ainda hoje se falava aqui em casa dos quilos que se ganham durante a gravidez (alguém com mais vinte aos quatro meses, OMG!) e bem, eu realmente vim desiludida comigo mesma na última consulta. Mas a verdade é que a gravidez é uma óptima altura para deixar de fazer grandes sacrifícios, sem (é óbvio) que isso signifique enfardar tudo o que nos aparece à frente e em quantidades industriais. Portanto, aqui por casa tentamos manter uma dieta equilibrada mas com espaço para ceder a estas tentações de final de tarde. É verdade que não vejo a hora de poder (ou conseguir) fazer algum exercício físico mas, até lá, vou dando ao Vicente algumas amostras das coisas que fazem salivar a mãe (não exactamente no mesmo dia nem pela mesma ordem).

agosto 05, 2010

O banho (possível)

Acho que é bem possível que já sejamos vistos como os maluquinhos lá do curso por gostarmos de arriscar, adivinhar, participar. Se vos falarem de alguém que enfiava o bebé de cabeça para baixo na banheira, era eu. Mas foi intencional, apetecia-me só brincar.

agosto 04, 2010

Mudar!

Andámos (andamos?) em mudança. Aproveitaram-se os primeiros dias da tal liberdade para, com ajuda dos avós do Vicente, preparar a casa para melhor o podermos receber. É verdade que a minha condição já não me deixa ajudar como gostaria mas a verdade é que foram dias de algum cansaço e bastantes dores no final do dia, como se fosse uma velhinha com as articulações gastas pela experiência. Mas, ajudando como posso, sinto-me orgulhosa do espaço que temos vindo a tornar cada vez mais dos três, prontos para acolher o pequenino que aí vem. É verdade que algumas questões de logística ainda não nos deixaram terminar o espacinho do Vicente mas temos já as ideias formadas na cabeça, algum material comprado e, agora que vamos estar ambos de férias, é deitar mãos à obra. Dizem que esta é a altura ideal para estas actividades, bem como para a organização da mala para a maternidade, coisa de que também já tratei.  Começa a andar tudo demasiado depressa e é como se ele pudesse chegar a qualquer hora... Afinal de contas, estamos a falar de apenas 62 dias (numa data ideal) até termos nos braços o nosso bebé!