Isto estava tudo muito bem até ontem. Andei a ver uns vídeos online, já consumi toda a literatura sobre o tema que consigo absorver mas ontem visitámos o bloco de partos e a unidade de cuidados ao recém nascido e bum!, caiu-me a realidade em cima: eu vou experimentar as agonias do parto! É um lugar comum falar da desconfortável luz branca do bloco de partos e das perneiras que nos supõem deitadas durante horas e da maquinaria meio assustadora para os bebés que precisam de ajuda - eu não fujo à regra. E é óbvio que já ouvi as cinquenta mil histórias de partos da praxe, cuja maior parte descai para umas dezasseis horas de sofrimento, anestesias que não pegaram, cesarianas de urgência e outros detalhes igualmente sórdidos para quem vai ser mãe. Mesmo assim, tenho esperança porque ainda ouvi quem demorasse um par de horas na marquesa, quem dispensasse calmamente a anestesia e quem tivesse a sorte de ter o trabalho de parto ideal.
Até ontem, a minha ideia do parto estava ao mesmo nível duma curta metragem: eu era uma actriz a tentar absorver as experiências de mães verdadeiras, acumulando informação e conhecimento e métodos naturais de alívio da dor para melhor desempenhar um papel. Aquela sala de partos é que quebrou este feitiço e agora, de repente, vou ser a estrela disto e sei lá se estou preparada. O meu maior medo é desistir a meio, exausta ou impotente para ajudar o Vicente a chegar. Só a inevitabilidade do parto é que me descansa mais: ele vai ter que sair, one way or the other. Até lá, vou ficando atenta e se virem por aí uma moça aflita sem saber se o que sente são os primeiros sinais de parto, abanem-me - devo ser eu!