Passam hoje sete anos desde o nascimento desta força da natureza que se chama de Vicente e com quem me transformei numa Mãe. Digo força da natureza porque vive tudo com o coração na boca, sempre num equilíbrio ténue entre o tudo e o nada, sempre capaz de irradiar a maior felicidade e desfazer-se na maior tristeza. Ainda esta semana, me diziam lá nos tempos livres "Só duas coisas, mãe: lê impecavelmente mas é preciso que deixe de chorar por tudo e por nada!". Eu, porque sei a quem é que ele sai, faço o mea culpa e explico-lhe que já não é tempo de tudo ser motivo para lágrimas.
O meu Vicente, que hoje me parece mais perto de um homenzinho do que dum miúdo, nasceu há sete anos. Era um dia ainda quente, eu não conseguia ajudá-lo a nascer por causa da epidural, tinha uma vista bonita sobre a Expo e foi o único parto a que o pai pôde assistir. Ali chegava o Vicente, gordinho e rosado, cheio de vernix, assustador com as suas pequenas mãos sobre as têmporas, como se tivesse chegado e já começado a pensar. O Vicente que sempre chorou muito, que deu noitadas que me parecem hoje infinitas mas incrivelmente longe, que cresceu sempre como devia, chegava há sete anos e o meu mundo dava uma cambalhota da qual ainda hoje não recuperei.
Hoje deixei-o na escola para ajudá-lo com o bolo de aniversário e ele estava contrariado: quer ir para a escola sozinho. O menino que viveu com os os pais durante mais de quatro anos como uma ilha, sempre os três para todo o lado, tudo para ele, agora quer ser livre. Não extremamente livre, que ainda se pendura nos nossos pescoços a pedir mimo, ainda nos quer mostrar os pontapés de bicicleta que sonha fazer bem, ainda nos pinta desenhos sem ser em ocasiões especiais, ainda nos quer. Mas já começou o caminho que há-de fazer sozinho e isso comove-me, deixa-me entusiasmada mas também triste, o meu primeiro bebé há muito que deixou de o ser.
Anda há três dias com duas folhas na mala que devia ler todos os dias (até hoje, quando vão ler na sala de aula) e praticava nos tempos livres e depois comigo, em casa. E de cada vez que o ouvi a ler aquelas palavras em Alemão, com o à-vontade de alguém que nasceu aqui mas que, na verdade, só começou a aprender há duas semanas, vieram-me as lágrimas aos olhos. Por perceber do que ele é capaz, por ver como se interessa pela escola (mesmo que às vezes esteja cansado), por desejar que assim seja sempre. E quanto mais penso nisso, menos me parece que tenha alguma coisa a ver conosco: ele quer saber, aprender, fazer bem. E só isso é coisa para me fazer chorar porque é meio caminho andado.
Andava há que tempos a contar os dias para o seu aniversário, com aquele febre de quem sabe que o dia é especial. Levantámo-nos cedo e cantámos-lhe os parabéns a cinco (na verdade a dois, porque um ainda não sabe o que se passa e a outra estava a tentar perceber porque é que ele recebe presentes e ela não). O nosso menino faz sete anos hoje e tem dado muito trabalho mas aquele brilho nos olhos vale todo o trabalho do mundo!