março 21, 2007

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Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
A noite está fria e tiritam, azuis, os astros à distância
Gira o vento da noite pelo céu e canta
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quis e por vezes ela também me quis
Em noites como esta, apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito
Ela quis-me e às vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos ?
Posso escrever os versos mais lindos esta noite
Pensar que não a tenho
Sentir que já a perdi
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela
E cai o verso na alma como orvalho no trigo
Que importa se não pode o meu amor guardá-la ?
A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo
À distância alguém canta. A distância
Minha alma se exaspera por tê-la perdido
Para tê-la mais perto meu olhar a procura
Meu coração procura-a, ela não está comigo
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido
Já não a quero, é certo
Porém quanto a queria !
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido
De outro. será de outro
Como antes de meus beijos
A sua voz, o seu corpo claro, os seus olhos infinitos
Já não a quero, é certo,
Porém talvez a queira
Ah ! é tão curto o amor, tão demorado o esquecimento
Porque em noites como esta
Eu a apertei em meus braços,
Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
E estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.
(Pablo Neruda)

(Escreveram-me isto uma vez em jeito de prólogo, na primeira página dum livro de poesia, à mão. Sempre achei que era um poema de despedida mas agora, à distância, parece-me apenas um poema de amor. Nessa altura, este adeus doeu-me mais do que qualquer outra despedida da minha vida. Hoje, estes são apenas versos doces, de um passado ainda mais doce, escritos por um homem que tinha a mais delicada forma de amar as mulheres e que é figura central no meu filme preferido de todos os tempos. Não é só porque hoje é dia mundial da Poesia. É porque hoje arrasto-me mais do que me tenho de pé: há demasiadas coisas a acontecerem na minha vida e, na verdade, não há nada a acontecer. E assim afogo um bocadinho a minha raiva e a minha desorientação - embebedo-me com versos apaixonados.)

5 comentários:

Anónimo disse...

beijo

Anónimo disse...

"há demasiadas coisas a acontecerem na minha vida e, na verdade, não há nada a acontecer"

Subscrevo. Nao bastavam já todas as chatices, casa, mudo, nao mudo, emprego, despeco-me, nao me despeco, outras porcarias, faco, nao faco, agora também tinham de cancelar o concerto de Arcade Fire. Ia acontecendo. Nao aconteceu. Bolas para isto.

Anónimo disse...

ah, e a tour europeia foi cancelada. Calculo que também nao vao a Portugal em Julho... e eu que estava a pensar ir para os ver "outra vez". Ah ah.

Anónimo disse...

update: eles vao a Portugal. cheia de sorte.
(desculpa lá os 3 comentários seguidos...)

M. disse...

(não tens nada que pedir desculpa)

Não tenho decisões dessas para tomar, é certo. Mas se calhar é esse exactamente o problema: não tenho que tomar nenhuma decisão. Eu, que sou péssima a decidir, estou a queixar-me disso.

Bah.

(e nem sabia disso dos Arcade Fire. Ufa, foi por uma unha negra! Sempre podes vir ;))