Há muito, muito tempo atrás, trocava cartas com um professor de Inglês de Aveiro que tinha nascido e vivido em Antuérpia alguns anos. Escrevíamos cartas sem saber exactamente quem era aquela pessoa que estava do outro lado, sem saber se as nossas linhas eram esperadas com a ânsia que havia no nosso lado. E trocávamos cassetes com as músicas que ouvíamos quando os dias eram menos felizes. Ele dizia-me Tens que o ouvir! e gravou-me o que tinha numa cassete, que rapidamente se tornou na única que ouvia. Lembro-me do dia em que peguei no CD, ainda na Carbono em plena Almirante Reis e pensei que dois contos não era muito dinheiro. Ouvi tudo e soube imediamente que ele tinha razão, que eu tinha que o ouvir.
Conheço cada inflexão da voz deste CD. Sei as letras, vi os vídeos que pude. Comprei uma VHS para conseguir vê-lo a actuar ao vivo. Imagino ainda hoje todas as mulheres para quem ele escreveu estas canções de amor, invento romances impossíveis numa cidade chuvosa, ele de guitarra às costas, perdido entre as pautas e os amantes delas. Deu-me horas e horas de conforto, amparou-me as lágrimas, atenuou-me a dor. Mas, de todas as vezes que me resgatava, mais eu pensava como era injusto eu ter chegado à música dele tão tarde.
Continua tudo a fazer sentido para mim. Gosto dele como no primeiro dia, como na primeira cassete que rebobinava só para ouvir partes tão específicas da música. Gosto dele como se um dia tivesse sido sua amante e o tivesse visto partir, fechar uma porta sem nunca virar as costas, sabendo que era isso que o fazia continuar. Gosto dele como no primeiro momento em que olhei a capa do álbum e ele me parecia piroso, em que me perguntava a mim mesma porque o tinha levado para casa. Gosto dele porque, sempre que o ouço, me lembro das manhãs que passei debaixo daqueles cobertores, a ouvir os autocarros subir a minha rua, a ouvir o candeeiro da mesa de cabeceira tremer com essa vibração e a pensar que tinha a vida toda na minha mão. E gosto de pensar que sobrevivi aos dias em que me afundava a uma velocidade supersónica na dor e que ele foi um dos que me estendeu a mão. Um morto, é a ironia disto. E o professor não mais tornei a ver. Roubou-me um beijo na Gare do Oriente sob o pretexto dum glorioso pôr do sol e enfiou-se no comboio. Quis procurar a cassete mas nunca soube onde. Na minha vida, parece-me que é uma constante: nunca chego à hora certa.
* brach mir das Herz.
Conheço cada inflexão da voz deste CD. Sei as letras, vi os vídeos que pude. Comprei uma VHS para conseguir vê-lo a actuar ao vivo. Imagino ainda hoje todas as mulheres para quem ele escreveu estas canções de amor, invento romances impossíveis numa cidade chuvosa, ele de guitarra às costas, perdido entre as pautas e os amantes delas. Deu-me horas e horas de conforto, amparou-me as lágrimas, atenuou-me a dor. Mas, de todas as vezes que me resgatava, mais eu pensava como era injusto eu ter chegado à música dele tão tarde.
Continua tudo a fazer sentido para mim. Gosto dele como no primeiro dia, como na primeira cassete que rebobinava só para ouvir partes tão específicas da música. Gosto dele como se um dia tivesse sido sua amante e o tivesse visto partir, fechar uma porta sem nunca virar as costas, sabendo que era isso que o fazia continuar. Gosto dele como no primeiro momento em que olhei a capa do álbum e ele me parecia piroso, em que me perguntava a mim mesma porque o tinha levado para casa. Gosto dele porque, sempre que o ouço, me lembro das manhãs que passei debaixo daqueles cobertores, a ouvir os autocarros subir a minha rua, a ouvir o candeeiro da mesa de cabeceira tremer com essa vibração e a pensar que tinha a vida toda na minha mão. E gosto de pensar que sobrevivi aos dias em que me afundava a uma velocidade supersónica na dor e que ele foi um dos que me estendeu a mão. Um morto, é a ironia disto. E o professor não mais tornei a ver. Roubou-me um beijo na Gare do Oriente sob o pretexto dum glorioso pôr do sol e enfiou-se no comboio. Quis procurar a cassete mas nunca soube onde. Na minha vida, parece-me que é uma constante: nunca chego à hora certa.
* brach mir das Herz.
7 comentários:
tantas vezes me vejo aqui retratada. gosto, e volto sempre, apesar do silêncio.em relação ao cd nunca o ouvi, mas parece que vou ter que o comprar.
Desde que entrei pela primeira vez, também eu tenho regressado muitas vezes ao teu blogue e saio sempre impressionado com a transparência das tuas palavras.
Pena que da vez em que te felicitei pessoalmente pela tua coragem, tivesses prestado muito pouca atenção.
É muito belo o que dizes, Marisa, como bela é a musica de que falas.
Quanto ao Grace, só aqui para nós que ninguém nos ouve, é daqueles segredos perdidos que não convém muito divulgar. Continuo a pensar que só merece ser conhecido por quem recebe a graça de o descobrir.
Sempre renovado, mágico, mítico e intemporal, celebrando em si a verdade que se perdeu na correnteza profunda do Mississipi.
essa cassete ainda rodou por mim. o que me faz pensar que se calhar fui eu que a perdi..
Pois a primeira vez que eu ouvi Jeff Buckley, foi com essa cassete, na piscina da ribeira de nisa. Espectáculo!
É também um dos álbuns da minha vida.
"I lost myself in a cool damp night..."
Aquece e arrefece ca' por dentro ao mesmo tempo...
@ duas meninas que só agora quebraram o silêncio: olá e apareçam mais vezes. Com ou sem silêncio :D
@Pedro: eu prestei atenção, como te disse, mas surgiu aquela visão do meu passado ali... Não soube desdobrar-me em duas, lamento se fui desagradável.
Concordo com isso do segredo mas às vezes a tentação de partilhar a beleza é demais :)
@|b|: pronto, a cassete desapareceu contigo... Se a encontrares, guarda-a :P É uma relíquia das grandes!
Lembro-me de ouvir pela primeira vez Jeff Buckley, estava em casa de um colega, enquanto aguardavamos um grupo para jantar, e disse-me que iria por um cd a tocar, e ou muito se enganava ou eu iria adorar.
No dia a seguir comprei o cd, aqueles gritos melodicamente sentidos, da "Grace" uma das minha música preferidas!
Sei que neste post o tema é o Jeff (que adoro e cujo conhecimento devo ao Sr. Alvaro Costa... tal como a maior parte das minhas referências musicais), mas não posso deixar de registar com um sorriso de satisfação a escolha das músicas no "ultimamente".. Viva os Silverchair e viva o Frogstomp!!
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