Estou há uns três dias a arrumar a minha secretária. Já deitei os manuais e a papelada fora, já recuperei todas as variedades de chá que ficam para o Inverno, já devolvi todo o economato que não me fez falta e já deitei as guloseimas fora. Só me resta amanhã arrumar a mascote no saco e sair.
Amanhã a esta hora eu serei apenas mais uma desempregada, um fim que já se tinha anunciado há um ano mas no qual nunca quis acreditar até há uns meses atrás. Saio desta empresa de cabeça erguida, consciente de que fiz sempre o meu melhor, mesmo nos momentos mais difíceis e em todas as alturas que escolheram para me desiludir um pouco mais. Saio mais experiente mas também mais cínica e deixo para trás, quem sabe arrumada nalguma gaveta do side desk, parte da ingenuidade com que entrei aqui em 2006. Acumulei conhecimento sem preço, empinei formações em gestão, aprendi a contar com a inevitabilidade das pessoas mas nunca, nunca deixei de me surpreender. Viajei em negócios algumas vezes, vi-me obrigada a mentir e a ser mais transparente, avaliei e fui avaliada, subi a pulso numa cadeia hierárquica predominantemente horizontal. Nos últimos anos, passei indiscutivelmente mais horas com esta equipa do que com a minha família e amigos e por isso aprendi a conhecê-los e a diferenciar o trato entre eles: apanhei-lhes as manhas, adivinhava-lhe as tristezas mas nunca consegui que falassem de tudo e foi essa a minha grande derrota.
Daqui a umas horas, estarei livre mas desempregada e isso assusta-me, embora tenha passado os últimos meses a convencer-me que não. Sei que estou ansiosa porque ultimamente custa-me a respirar cada vez que atravesso a fronteira imaginária que separa este escritório do desemprego e já nem o ar condicionado me vale. No fundo, sei que, se só puder contar comigo neste futuro incerto, não estarei mal apoiada. Sei que arregaço as mangas para o que for preciso, sei que não páro de investir em mim e que, livre de toda esta pressão, serei uma mãe mais presente para o Vicente que está quase aí. Mas é duro na mesma e é, acima de tudo, muito frustrante saber que tudo o que fiz até agora não me segurou lugar nenhum. Mas se calhar não é bem desemprego, são férias. E se calhar não serão tempos mortos, que as dissertações não se escrevem sozinhas. Só que custa muito fechar esta porta e ando à procura duma maneira de não hesitar amanhã. Quando ouvir a porta bater, terei na mão uma liberdade infinita e não sei o que hei-de fazer com ela.
4 comentários:
Não sabes até que ponto me revi em algumas das frases que aqui escreveste. E por isso apenas te posso mandar um enorme voto de força positiva. Que a porta se feche, que venha a liberdade infinita, que sejas inundada de amor pelo teu significant other e pelo pequenino Vicente. Tudo o resto se resolverá, digo eu!
Saudações, querida vizinha! ;)
Espero que encontre rapidamente o que fazer com a sua liberdade infinita. Sei que assim que o Vicente chegar vai sentir-se mais presa do que nunca. Presa a ele, ao amor, à paixão, às descobertas que vão ser diárias e ao deslumbramento que é ser mãe.
Chamem-me ingénua, mas sou das que acredita que o bom profissional, íntegro, competente e honesto, acaba sempre por ser recompensado, pode demorar mais ou menos tempo, mas o reconhecimento há-de chegar.
Desejo-lhe as maiores felicidades e que o caminho que escolher traçar não tenha muitos obstáculos, ou se os tiver, que os ultrapasse em segurança.
Bom fim de semana
Beijinhos
a palavra de verificação é "calming"...
...isto tem de significar qualquer coisa (boa), certo?
Boa sorte.
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