janeiro 17, 2011

Crescer no campo

Eu não cresci no campo, pelo menos não no sentido literal da palavra. Nem os meus pais nem os meus avós herdaram nenhum pedaço de terra e não temos propriedades em lado nenhum mas eu ainda pude saber como era a vida numa horta. Os meus avós quase sempre trabalharam no campo, ajudando outras pessoas ou para seu próprio proveito e eu tive a sorte de os acompanhar de vez em quando. Sei bem o que é descansar debaixo duma figueira, ouvindo o som dum gerador, da água dum poço e dos grilos em tardes de Verão e sei o que é molhar mãos e pés em tanques cheios de lodo, enquanto os alfaiates iam deslizando sobre a água turva. Sei como se cavavam regos para conduzir a água pela horta e acho que ainda sei distinguir o sacho da sachola e da enchada.

Ontem, no caminho para casa, vi uma cena que me deixou algumas saudades: o que parecia ser uma avó depenando uma galinha e uma neta de uns cinco anos que se divertia com as plantas à volta. O que me ocorreu é que o Vicente já não vai ter oportunidade de correr assim debaixo de oliveiras e figueiras, nem vai poder fazer as suas próprias canas de pesca para pescar os alfaiates nos tanques, nem vai poder comer figos directamente apanhados da figueira. Dificilmente poderá andar a passear entre cabras ou pequenos rebanhos de ovelhas para as tentar apanhar e fugir atrás delas e não saberá como é dar leitinho a um cabrito acabado de nascer. Eu não sou uma pessoa do campo, apesar de também não ter nascido numa grande metrópole, mas gostava que o Vicente pudesse experimentar os dois lados da coisa para que não crescesse sem saber a que se assemelha um frango. Mas enfim, sempre tenho esperança que possa passar parte das férias da escola com os avós que o hão-de levar aos pombos e às piscinas no campo e partilhar com ele uma parte da tradição que ainda resta. E posso não gostar da actividade em si mas adorava que ele ainda pudesse ir aos ninhos.

7 comentários:

Çapo disse...

pra isso tudo o vicente ha-de ter sempre a maravilhosa quinta da broa. pode ir la roubar figos tal como a mae fazia :)

Joana Real disse...

fogo...vinha aqui eu mandar o meu bitaique dos figos e tu já te tinhas antecipado :);)

locusapien disse...

epá... eu também

Helena Barreta disse...

De certeza que os avós do Vicente tudo farão para lhe proporcionar umas férias com experiências que só a liberdade da "terra dos avós" consegue dar.

Tive o privilégio de privar com os avós paternos na aldeia, lá no Alentejo e fico muito satisfeita por o meu filho e os meus sobrinhos terem tido a oportunidade de passarem, pelo menos, um mês de férias na terra do avô e onde puderam conviver com bacorinhos acabados de nascer, embrenharem-se no meio do rebanho que todos os dias passava na alvorada e no recolher ao entardecer, tomar banho no rio Sever e das mangueiradas, comer fruta directamente das árvores, recusarem-se a comer o coelho que tão pouco tempo antes o tinham tido ao colo e ver as estrelas e conseguir detectar as constelações, as histórias dos gambuzinos. Mais feliz ainda fico por saber que todos eles guardam tantas e tão boas histórias do tempo em que cresceram a ouvir e a passear de mão dada com o avô. Hoje, a nossa casa de família é lugar de culto, de liberdade, de estada "obrigatória", da apanha das castanhas e nozes e de memórias, por vezes, ia jurar que oiço o assobio do meu pai e o riso dele quando os cachopos esfolam os joelhos a trepar às árvores.

Beijinhos

M. disse...

Era exactamente dessas memórias que falava, Helena. Tudo coisas simples que eu gostava que ele experimentasse :)

Vera Isabel disse...

Não tenho 'terra'. Com isto quero dizer que os meus pais se estabeleceram na cidade e os elos com as localidades de origem esbateram-se (quase) inteiramente. Parece-me que toda a gente que conheço tem um lugar onde regressar e família para os acolher. Eu só tenho o lugar onde sempre vivi e confesso -- isso quase me causa um complexo de inferioridade!
Espero que o Vicente tenha a oportunidade de desfrutar de todas essas especialidades. :D

F. disse...

Mas vocês vivem numa linda cidade e num sítio muito castiço (Lapa, Estrela...)!
Acho que deviam começar a fazer planos para comprar uma casa na aldeia (por exemplo, na Lousã há muitas casas "baratas"). Assim o Vicente pode crescer com o melhor da cidade e do campo.
Um abraço F.