Eu não cresci no campo, pelo menos não no sentido literal da palavra. Nem os meus pais nem os meus avós herdaram nenhum pedaço de terra e não temos propriedades em lado nenhum mas eu ainda pude saber como era a vida numa horta. Os meus avós quase sempre trabalharam no campo, ajudando outras pessoas ou para seu próprio proveito e eu tive a sorte de os acompanhar de vez em quando. Sei bem o que é descansar debaixo duma figueira, ouvindo o som dum gerador, da água dum poço e dos grilos em tardes de Verão e sei o que é molhar mãos e pés em tanques cheios de lodo, enquanto os alfaiates iam deslizando sobre a água turva. Sei como se cavavam regos para conduzir a água pela horta e acho que ainda sei distinguir o sacho da sachola e da enchada.
Ontem, no caminho para casa, vi uma cena que me deixou algumas saudades: o que parecia ser uma avó depenando uma galinha e uma neta de uns cinco anos que se divertia com as plantas à volta. O que me ocorreu é que o Vicente já não vai ter oportunidade de correr assim debaixo de oliveiras e figueiras, nem vai poder fazer as suas próprias canas de pesca para pescar os alfaiates nos tanques, nem vai poder comer figos directamente apanhados da figueira. Dificilmente poderá andar a passear entre cabras ou pequenos rebanhos de ovelhas para as tentar apanhar e fugir atrás delas e não saberá como é dar leitinho a um cabrito acabado de nascer. Eu não sou uma pessoa do campo, apesar de também não ter nascido numa grande metrópole, mas gostava que o Vicente pudesse experimentar os dois lados da coisa para que não crescesse sem saber a que se assemelha um frango. Mas enfim, sempre tenho esperança que possa passar parte das férias da escola com os avós que o hão-de levar aos pombos e às piscinas no campo e partilhar com ele uma parte da tradição que ainda resta. E posso não gostar da actividade em si mas adorava que ele ainda pudesse ir aos ninhos.
7 comentários:
pra isso tudo o vicente ha-de ter sempre a maravilhosa quinta da broa. pode ir la roubar figos tal como a mae fazia :)
fogo...vinha aqui eu mandar o meu bitaique dos figos e tu já te tinhas antecipado :);)
epá... eu também
De certeza que os avós do Vicente tudo farão para lhe proporcionar umas férias com experiências que só a liberdade da "terra dos avós" consegue dar.
Tive o privilégio de privar com os avós paternos na aldeia, lá no Alentejo e fico muito satisfeita por o meu filho e os meus sobrinhos terem tido a oportunidade de passarem, pelo menos, um mês de férias na terra do avô e onde puderam conviver com bacorinhos acabados de nascer, embrenharem-se no meio do rebanho que todos os dias passava na alvorada e no recolher ao entardecer, tomar banho no rio Sever e das mangueiradas, comer fruta directamente das árvores, recusarem-se a comer o coelho que tão pouco tempo antes o tinham tido ao colo e ver as estrelas e conseguir detectar as constelações, as histórias dos gambuzinos. Mais feliz ainda fico por saber que todos eles guardam tantas e tão boas histórias do tempo em que cresceram a ouvir e a passear de mão dada com o avô. Hoje, a nossa casa de família é lugar de culto, de liberdade, de estada "obrigatória", da apanha das castanhas e nozes e de memórias, por vezes, ia jurar que oiço o assobio do meu pai e o riso dele quando os cachopos esfolam os joelhos a trepar às árvores.
Beijinhos
Era exactamente dessas memórias que falava, Helena. Tudo coisas simples que eu gostava que ele experimentasse :)
Não tenho 'terra'. Com isto quero dizer que os meus pais se estabeleceram na cidade e os elos com as localidades de origem esbateram-se (quase) inteiramente. Parece-me que toda a gente que conheço tem um lugar onde regressar e família para os acolher. Eu só tenho o lugar onde sempre vivi e confesso -- isso quase me causa um complexo de inferioridade!
Espero que o Vicente tenha a oportunidade de desfrutar de todas essas especialidades. :D
Mas vocês vivem numa linda cidade e num sítio muito castiço (Lapa, Estrela...)!
Acho que deviam começar a fazer planos para comprar uma casa na aldeia (por exemplo, na Lousã há muitas casas "baratas"). Assim o Vicente pode crescer com o melhor da cidade e do campo.
Um abraço F.
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