agosto 29, 2013

Le fin du jour

Um dos meus momentos do dia preferidos é o final da minha jornada de trabalho. Consoante o horário da semana, posso terminar à quatro ou cinco da tarde, o que até me parece um luxo.

Com um pouco de sorte (o trânsito a meu favor, principalmente) chego a casa dez minutos depois. Dez minutos para fazer os dez quilómetros que ligam o trabalho no campo com a vida no subúrbio, um subúrbio às portas da capital, calmo e limpo como nenhum subúrbio que já conheci até agora, largo, sem cafés nem esplanadas mas relativamente perto de áreas comerciais, onde os parques infantis se multiplicam e onde há muitos portugueses e italianos. Basta olhar para as caixas postais para compreender esta distribuição geográfica ou ouvir os gritos em anos de competição futebolística.

Só há uma mercearia italiana e uma loja de flores aqui neste bairro. Aliás, nem sei se lhe devo chamar bairro ou apenas urbanização. Os prédios, de três andares no máximo, estão em desvantagem para as vivendas que se encarreiram até se encostarem ao bosque e à torre de água lá em cima. Num lado, a poucos metros, a placa que assinala o começo da cidade do Luxemburgo; do outro, o acesso à auto-estrada que nos leva à França, Bélgica ou Alemanha numa questão de minutos. O estacionamento é regulado (quase todos têm garagem ou uma vinheta da comuna que permite o estacionamento na via pública), as ruas estão limpas e os quintais (na sua maioria) bem tratados. Também é fácil descobrir portugueses aqui pelo número de churrascos que fazem ou pelas antenas da companhias de cabo/satélite portuguesas que pululam por aqui. Acho que é impossível visitar qualquer localidade que seja onde não se encontre a bela da antena que denuncia a nossa nacionalidade.

Então chego a casa e o silêncio é reconfortante. O meu trabalho implica que passe o dia a falar com gente (os clientes, o chefe, os colegas do lado e dos outros departamentos) - é por isso que eu valorizo tanto o silêncio do final do dia. Abro uma excepção para a música e é tudo. A televisão permanece desligada e eu até me posso deitar no sofá a não fazer nada mas é assim que eu gosto de estar - calada. Também porque preciso de uns momentos para reiniciar o cérebro e voltar simplesmente ao português: apesar de ter um colega português, os dias são passados maioritariamente com o inglês e o espanhol falado, a que ainda junto o francês e o alemão ouvido e às tantas já o meu cérebro não sabe em que língua deve iniciar uma frase.

Preparo qualquer coisa para comer, ponho o meu correio em dia, ajeito um pouco a desarrumação que é ter um filho de quase três anos (OMG!) em casa, a espalhar autocolantes por onde passa, a esconder carros e motas por todo o lado, a sacudir as migalhas do lanche desenfreadamente entre a sala e a cozinha. Leio os blogs que acompanho regularmente, ponho-me em dia com o resto do mundo. Às vezes leio mas normalmente deixo a leitura para aqueles primeiros momento em que o miúdo se deita (obrigada fim do Verão por já ser noite antes das nove porque senão a birra "Ainda é dia!!!" ainda nos ofereceria alguma resistência) e em que a casa volta a estar imersa em silêncio. Ultimamente tenho sentido uma ânsia de criar que ainda não percebi como se vai manifestar (muito provavelmente pela escrita, que eu sou naba nos trabalhos manuais) mas que se deve cumprir nesta altura. Ando a lutar com a forma como as coisas me hão-de deixar a cabeça mas preciso do silêncio das cinco e pouco às seis e meia para materializar seja o que for.

E então busco a minha inspiração, as outras histórias de vida nas varandas com roupa estendida e na avó que se senta com a neta depois da escola sempre na mesma janela com os posters do Bieber atrás e na vizinha louca que passa tardes inteiras a gritar coisas ininteligíveis em luxemburguês para depois aparecer na rua como uma pessoa (mais ou menos) normal. Absorvo os finais do dia, espreito as nuvens da janela do quarto, tentando adivinhar que surpresa trará a meteorologia amanhã e espero por aquele momento do dia em que a campainha soa e me acontece a grande alegria do dia: um filho que, ao fundo das escadas, está sempre radiante por me ver.

1 comentário:

Dalma disse...

Marisa já te esqueceste de como se lê o tempo nas nuvens? Claro que sim e não é para admirar, já lá vão tantos anos que a professora que eu era tentou que os seus alunos adquirissem um pouco a capacidade de "adivinhos" do dia de amanhã...
Às vezes bate-me a saudade desses tempos!
Bjis