Um esquilo entre árvores e os miúdos de uniforme a correrem no intervalo. O esquilo a passar sem que ninguém o ouvisse e os miúdos a distribuírem pontapés nos outros e no ar. Quando é que aprendemos a ser tão violentos, é a pergunta que se repete na minha cabeça enquanto os sigo do alto dum oitavo andar em Twickenham.
Gosto de apanhar o autocarro para o aeroporto de manhã. O som da mala a arrastar-se pelo passeio ecoa pelas ruas vazias do bairro. Espreito os quintais bem arranjados enquanto não chego à paragem do autocarro, com aquela inveja inofensiva de quem não tem tempo (nem jeito) para ter um quintal assim. Se o dia estiver bom, ouço o pequenino a brincar no jardim da creche, digo-lhe adeus baixinho como se ele me pudesse ouvir. De há uns anos para cá, custam-me sempre a despedidas. Não passa um dia sem ouvirmos histórias de quem saiu e nunca mais regressou. Nestes dias, penso sempre que posso ser a próxima.
Meia hora de autocarro, atravessando a cidade. O entra e sai de gente normal: os senhores de gravata que saem nas instituições europeias, as senhoras da limpeza que já vão no segundo ou terceiro cliente do dia, os fumadores inveterados que apagam o cigarro quase já dentro do autocarro, os outros viajantes que tentam enfiar as malas onde incomodem o menor número de pessoas, mães que eu imagino em licença de maternidade tentando regressar à vida normal com o bebé pendurado no marsúpio.
No aeroporto, chego a tempo de entregar a mala, comprar uma revista e passar tranquilamente pelo controlo de segurança. É o aeroporto mais pequeno de onde já viajei e é fácil calcular chegar perto da hora de partida. Como uma sandes de queijo com tomate que fiz à pressa em casa. É a minha nova cena, sandes de queijo com tomate. Faltava a alface mas em casa ninguém quer comer alface. Sento-me e momentos depois sou rodeada por um grupos de pessoas que parece ir em turismo para Londres. Aparentemente são franceses e falam muito alto. Estão excitados com a viagem, dá para sentir.
Escolhi a fila número quatro, um lugar à janela. Sou uma pessoa ansiosa e quero sair depressa do avião. Um lugar vago entre mim e o outro passageiro, um daqueles golpes de sorte.Ele não tenta meter conversa (felizmente, é que sou péssima a fazer conversa de circunstância e às tantas fico demasiado auto-consciente e sem saber o que dizer). Uma hora e poucos minutos de voo e aterramos em Heathrow. Pego nas minhas coisas e saio em direcção à recolha de bagagens. Preciso levantar dinheiro e páro num multibanco antes de chegar à passadeira onde as malas do voo do Luxemburgo ainda não começaram a desfilar. Espero uns dez minutos e dirijo-me à saída, onde alguém me espera com um cartaz com o meu nome. É a segunda vez que me acontece e não posso evitar sentir-me uma pessoa importante, mesmo sabendo que não é o caso e que o motorista não tem outra maneira de saber quem eu sou.
Todos os motoristas que me conduziram em Londres nestes últimos tempos eram indianos ou, pelo menos, originários das ex-colónias do Reino Unido. Dois não me dirigiram palavra (além de confirmarem a morada de destino), um mal sabia falar Inglês mas ainda ensaiou umas perguntas sobre o Luxemburgo, a única mulher falou o caminho todo entre o escritório e o aeroporto. TODO o caminho. Contou-me sobre a escola dos filhos, sobre como é ser mãe solteira, como está cansada mas precisa de trabalhar para ir ver a mãe à India. Parece que vai adormecer a qualquer momento e está claramente deprimida. Penso como deve ser difícil viver aqui, correr para todo o lado, as filas de trânsito que nunca mais acabam e parecem avançar a conta gotas, contas para pagar, um mercado imobiliário à espera de colapsar.
Nos tempos livres do trabalho (hora de almoço e depois das seis) passeio por Twickenham. Descubro o rio ali mesmo ao lado, barcos cheios de alunos em escolas de remos, uma turista iraniana que me toma por espanhola assim do nada, céus azuis e temperaturas que habitualmente não associamos com o Reino Unido. Um hamburger num pub conhecido pelos adeptos do rugby, um jantar num italiano, sozinha à luz de uma pequenina vela, um almoço no Nandos a matar saudades do frango assado, uma bento box num japonês discreto, o meu fascínio parolo pelos supermercados dos outros países.
Gosto do silêncio das viagens de trabalho. Gosto de observar as pessoas no seu ritmo diário, correndo da estação de comboio para o trabalho, fazendo Facetime pela rua fora, de chinelos e gabardine, de todos os cantos do mundo. Gosto do silêncio do quarto do hotel, mesmo que ligue a televisão por uns minutos até sentir os olhos pesados e vá mudando de canal até me cansar. Adoro as pestes lá de casa mas é relaxante poder sentar-me para jantar sem dois deles berrarem como loucos e o terceiro continuar a provocá-los com parvoíces. Sinto saudades mas não há nada como aquele duche cedinho mas poder aproveitar o pequeno-almoço de hotel tranquilamente. Parece que trabalho mais quando mudo de escritório porque não há rotinas a cumprir depois ou antes do trabalho. Na próxima, se calhar apanho um comboio para o centro de Londres para matar saudades. E depois volto para Twickenham, onde apesar de ter anotecido, a vida parece nunca abrandar.