novembro 06, 2019

Este blog despede-se da plataforma do Blogger e vai renascer noutro sítio.

Aqui deixo o meu legado de quinze anos, na forma dos arquivos, esperando que um dia os consiga reunir em papel.

Muito obrigada por terem estado comigo e, se quiserem continuar a acompanhar-me, podem fazê-lo aqui!

abril 24, 2019

Música para os meus ouvidos #2



Vinte anos. Em 1999, eu estava no segundo ano da faculdade, saída de uma relação absurdamente tóxica e a experimentar finalmente o que era gostar e ser gostada a sério. Há vinte anos atrás, este disco fazia a ponte entre estas duas pessoas em extremos tão longínquos: uma insistindo em manipular-me e afogar-me nas suas mentiras, não deixando mais do que dor e uma espécie de ódio; outra mostrando-me o que era a liberdade de gostar, ensinando-me a poesia e restaurando o meu amor próprio. Há vinte anos atrás, ouvi no meu voicemail alguns versos duma música deste álbum, numa tentativa desesperada de resgatar um amor que já não existia. Mas também me deitei de sorriso na boca, sentindo que talvez não merecesse um coração tão acelerado enquanto compreendia finalmente o que era isso de amar alguém. Duas décadas, ainda me custa a dizer e a pensar nisso, duas vezes dez anos a dançar pela vida fora como no tal video da Instant Street, a tentar (pelo menos) sentir realmente tudo o que faço, à procura da verdade, recebendo e aceitando prazer e dor em quantidades generosas, sem escolher. Tanto mudou desde esse ano, eu aprendi e mudei tanto, arranjei alguém com quem dançar de olhos fechados mas este álbum, estas dez canções carregam para sempre o peso dessas recordações: uma viagem de comboio a ouvir um conjunto de insultos gratuitos no meu voicemail, a súbita ideia de que talvez eu merecesse qualquer coisa diferente, o meu primeiro festival de Verão, as canções que cantei primeiro feliz e com as quais me isolei depois.

Of all of the fuckups that I do
I've saved up the best one for you
Heaven and moonshine, you gotta be kidding
You wanted to give it a try and I didn't

fevereiro 26, 2019

Quatro anos de Malinha (como ela goste que eu lhe chame)

A nossa filha faz quatro anos hoje. A esta hora, há quatro anos atrás, já a tinha há muito nos braços e estava entretida a estudar-lhe aquela carinha inchada que parecia já vir zangada com o mundo. Não imaginava quão agitada seria a nossa vida nos anos que se seguiriam mas também não imaginava como iria gostar desta miúda, mesmo nos dias em que a sua missão é apenas uma: tirar-nos do sério. E olhem que são muitos os dias assim...

Hoje, Amália celebra o seu quarto ano de vida. É valente e, apesar de falar com algum receio de fantasmas e monstros, a verdade é que não tem medo de nada. Corre para todos os cães e gatos que vê na rua, perde tempo a estudar formigas e outros insectos que tal, admira os animais mais selvagens. Salta, trepa, atira-se como se o mundo fosse todo dela e, se por um lado sei que é porque ela não tem ainda noção do perigo, por outro sei que é a natureza dela. Ela é aventureira, audaz, ela quer experimentar tudo, parece querer engolir o Mundo duma só vez. O mérito não é nosso: é claro que a encorajamos a ser destemida e independente mas só ela sabe arriscar como se não houvesse amanhã.

É a filha do meio e isso vê-se bem, todos os dias. Tão depressa quer ser uma menina crescida como quer ainda ser uma bebé. Admira tanto o irmão mais velho e inveja um bocadinho do irmão mais novo, não se sabe para que lado se inclinará hoje. É irascível e doce: tão depressa me elogia (Mãe, és tão bonita!), como me proscreve do seu círculo próximo (Já não sou tua amiga!) apenas em alguns segundos. Diz muitas vezes que quer dar maminha aos seus filhos e, se a deixasse, ainda procuraria as minhas para se confortar. Parece que tem uma vontade gigante de crescer (Mãe, quando é que vou ser uma senhora?) mas logo se comporta como a menina de quatro anos que ainda é.

Aprende as coisas à velocidade e vontade dela. Sabe contar até doze em Luxemburguês mas emperra no sete em Português. Aplica-se em tudo o que faz e é capaz de se concentrar. Infelizmente, isto significa que também se pode concentrar nas birras que faz, o que origina às vezes mais de uma hora de choro e às vezes de gritos até chegarmos ao ponto de já não sabermos porque tudo começou. Quer mandar e impôr-se na escola e por isso talvez não seja muito popular. Se por um lado isto me parte o coração, por outro alivia-me saber que tem esta personalidade forte e só me resta esperar que a utilize para o bem. 

Se antes dormia muito mal e quase me levava ao esgotamento com a privação do sono, hoje é normalmente a primeira a adormecer e não são raros os dias em que volto a entrar no quarto depois de os deitar e ela já ressona mesmo. Largou fraldas e chupetas no ano que passou, as primeiras naturalmente, as segunda fruto da falta de chupetas em boas condições em casa. Em ambas as vezes, ela provou que eu estava errada quando pensava que ia ser difícil ou que ela ia resistir: à parte de um choradinho a querer usar fralda e uma noite a choramingar pela chupeta, ela surpreendeu-me com o seu poder de encaixe e com a sua força.

Ela nasceu sem me dar a hipótese de pensar ou mesmo de uma anestesia. Ela vinha determinada, pequenina mas cheia de vida e assim continuou pelos seus primeiros quatro anos de vida. Apesar de muitas vezes eu não conseguir apreciá-la como ela merece no meio dos seus gritos e exigências, amo-a com todas as minhas forças e apenas espero estar à altura da minha missão: mostrar-lhe o caminho atribulado duma mulher nos dias que correm e fazer com que ela não se demova com nenhum obstáculo. E a continuar assim, o céu é o seu limite.

fevereiro 14, 2019

Luxemburgo - Porto - Luxemburgo, pt. I


Aeroporto do Luxemburgo, dia um, nove da manhã

Às nove da manhã estava sentada frente a um café e a um sumo de laranja, a fazer tempo para a abertura da porta de embarque. Atrás de mim, dois homens falam numa língua incompreensível para mim, talvez sejam de qualquer parte dos Balcãs. Vão olhando para os monitores sem parar de falar ao telefone, cada um com seu interlocutor. No meio do discurso percebo que vão para Munique mas não compreendo mais nenhuma palavra.

Uma mulher pede para sentar-se na mesa onde outra espera o seu marido. Esta aceita com delicadeza e simpatia. O poder destes pequenos gestos tem ecos gigantes em mim e não posso evitar sorrir por uns momentos.

Deve ter aterrado um avião porque passam por nós pequenos grupos de homens de gravata e sobretudo. Trazem apenas o computador às costas, parecem vir só passar o dia. Às vezes parece-me absurdo mas há mesmo quem vá e venha todos os dias de Londres. Imagino que muitos devem estar a desbravar caminho para a mudança de Londres para o Luxemburgo.

É estranha a sensação de ir a Portugal e não ver os meus pais nem ir a Lisboa mas o tempo é curto e a viagem é de trabalho. Gostava de lhes dar um abraço e confortá-los um pouco. Não têm sido tempos fáceis: esta semana morreu-lhes um amigo, na semana passada uma tia. E eu aqui tão longe, a entristecer quando penso na distância. Para as coisas boas e para as coisas más, para as celebrações em vida e para as exéquias no fim.

Um hamburguer de alheira ao almoço, um polvo à lagareiro ao jantar. Se mais razões não houvesse, a comida far-me-ia sempre voltar.

Um escritório no décimo quarto andar, com vista sobre a foz do Douro. Poder trabalhar assim, em dias como estes em que não há uma única nuvem à vista, a luz sobre as secretárias, o Porto lá em baixo cheio de vida, é um autêntico luxo. Não vai haver tempo para visitas, nenhum turismo, a não ser durante o jantar. Mas nestas viagens acabo sempre a trabalhar muito mais ou pelo menos até bem mais tarde (porque não tenho ninguém à minha espera como em casa) e o dia termina sempre mais para o lado da exaustão.

Acabamos a primeira noite num Uber, sem muita vontade de falar. O carro cheira tão bem e está tão limpo e o motorista não diz uma palavra. Cada um entra no seu quarto de hotel, eu fecho as cortinas para poder dormir à vontade. E, hoje que posso dormir à vontade, rebolo na cama vezes em conta, com a sensação que pairo sobre o sono e que não estou propriamente a dormir. Já são horas de acordar?

janeiro 30, 2019

Aquela relação amor-ódio

Odeio-a. Tudo bem, não vou negar que fico sensibilizada enquanto vou a caminho do trabalho e os campos estão brancos até perder de vista e há assim um véu místico a pairar sobre a floresta que ainda fica longe da estrada. E sim, é estranhamente satisfatório ouvir aquele crunch que os nossos pés fazem sob neve acabada de cair.

Mas depois há que equipar os miúdos a rigor: tudo cheio de fatos da neve, cachecol, as luvas de lã porque nos esquecemos mais um ano de lhes comprarmos umas luvas a sério, as botas para manterem os pés secos. Há que limpar, por lei, a entrada de casa edifício e todo o passeio à sua frente para evitar que alguém escorregue e tenha um acidente num pedaço da nossa propriedade. É pegar na pá gigante e no saco de sal, trabalhar no duro mesmo antes de irmos trabalhar a sério, raspar a neve do passeio e atirá-la para onde ninguém se possa magoar e finalmente espalhar o sal por todo o lado para garantir que não sobra uma réstia de gelo. Acaba-se a limpeza suando em bica, guarda-se o material até à próxima manhã mas depois é ainda preciso limpar o carro se queremos conduzir. É preciso calçado adequado e resistente e também é preciso que nos descalcemos antes de entrar em casa, sob pena de espalhar a água e o sal por todo o lado. 

Dias de neve são dias de pegadas em todas as divisões da casa. São dias em que muitas pessoas desistem mesmo de sair de casa, embora eu nunca tenha visto nevar mais do que uns centímetros. São dias em que os engarrafamentos são intermináveis, em que se demoram horas para fazer meia dúzia de quilómetros, em que talvez tivesse mesmo sido boa ideia não sair da cama. Eu invejo o sentido prático das pessoas que vivem no Norte da Suécia ou na Finlândia ou na Sibéria: a vida tem de continuar e todas essas pessoas conseguem viver e trabalhar mesmo com temperaturas dezenas de graus abaixo de zero e nevões que realmente impactam a vida normal. Aqui, caem três centímetros de neve durante a noite e as pessoas subitamente transformam-se, como se fosse a primeira vez que conduzem com neve na vida.

É preciso dizer que, a par da paisagem silenciosa e branca, há apenas outra coisa que faz a neve valer a pena: os gritinhos de alegria dos miúdos no recreio da escola, enquanto a campaínha não se faz ouvir. A excitação era evidente e também na nossa casa se perguntou logo se não podíamos ir fazer um boneco de neve - óbvio! De resto, acordem-me quando já estivermos na Primavera.

janeiro 29, 2019

Eu e a música

Não me lembro de crescer numa casa onde se ouvisse muita música. Ainda restam alguns vinis lá em casa que provam que algumas canções se ouviram naquele gira-discos que sempre me pareceu gigante mas eu não me lembro de quais eram os cantores preferidos dos meus pais, por exemplo. Tudo o que sei sobre isso chegou mais tarde, talvez quando a música se tornou mais importante para mim e casualmente num tema de conversa lá em casa. Mas eu fazia os meus próprios concertos no quarto, usando o desodorizante (Vasenol, quem se lembra do formato?) como microfone.

Tenho talento zero para a música. Desafino quando canto, não tenho grande coordenação motora e não sei tocar nenhum instrumento. Fascinam-me as pessoas que compõem canções porque não consigo imaginar o que é inventar música e como se poder ter dentro de nós tantas canções diferentes. Não acho que haja um estilo melhor ou pior do que outro: só consigo explicar a minha adoração através da quantidade de emoções que uma certa música/banda me podem fazer sentir.

O poder que tem uma canção é incrível e tão mais imediato que um livro e tão mais disponível que um filme. Ouve-se uma canção de três minutos e parece que se abrem as comportas da nossas tristeza. Repete-se a mesma canção durante dias a fio: antes, era a cassete que se rebobinava vezes sem conta; hoje, o loop está à distância de um repeat 1 - click e já está. Há canções eternamente ligadas a períodos específicos da minha vida. Há canções para cada desgosto amoroso e cada momento de superação. As pessoas de quem gostei têm a sua música, a pessoa que escolhi como marido tem várias. Aos meus filhos associo as músicas que ouvi quando descobri que eles estavam por nascer: não significa que fossem músicas escolhidas por mim, podia ser só aquele hit que estava a dar na rádio à saída da ginecologista. Os meus pais também têm as suas e a melhor cena é o meu pai ter como toque da minha mãe a I was born to love you dos Queen! A minha irmã vai ser para sempre as músicas que cantávamos em dueto em casa.

Já uma vez pensei que dificilmente ia ouvir mais música nova. Quando não tinha filhos, podia passar horas a pesquisar sobre novas bandas, novas canções, outros estilos. Comprei muito cds, gravaram-me outros tantos, fiz mix tapes que dei a pessoas de quem gostava muito, compus as minhas próprias cassetes de melancolia, recebi mix tapes pelo correio de pessoas que mal conhecia. Usei o Napster, o eMule, o Soulseek. Acumulei música em formato digital em quantidades industriais mas que conservo com aquele carinho de quem pensa que algum dia vai voltar a ouvir. Há anos que uso o Spotify e não consigo imaginar uma invenção maior do que ter toda a música disponível quando eu quiser. E agora, que os filhos me deixam muito lentamente voltar a ser um bocadinho da pessoa que era antes, começo a arriscar algumas coisas novas. O rádio liga-se quando se entra em casa e desliga-se quando os miúdos vão dormir. E agora que os miúdos se tornaram menos dependentes de mim, começo a nem hesitar quando anunciam os concertos aqui - é bilhete certo.

Posso não ser uma expert num determinado estilo de música ou não saber o nome de todos os membros dum banda de que até gosto muito. Mas há música para todas as ocasiões na minha vida, para todas as pessoas, para muitos dos meus sítios. Por isso, se se cruzarem comigo numa rua qualquer e eu estiver a sorrir melancolicamente, se calhar é porque uma música me apanhou de surpresa e de repente sou eu num videoclip qualquer.

janeiro 24, 2019

Música para os meus ouvidos #1

(Umas das coisas que mais tenho tido vontade de fazer é escrever sobre a música que tenho escutado ou sobre o que tenho visto ou lido. Não com a intenção de evangelizar alguém ou convencer da qualidade das minhas escolhas mas simplesmente para escrever sobre o que estas coisas me fazem sentir, pensar, imaginar. E por isso começo hoje aqui, com o álbum que mais tenho ouvido nestes últimos dois meses.)

 

Ouvir estas canções é dar comigo num carro, vidros escancarados, uma estrada interminável a meio de um estado americano, a paisagem a alternar entre os campos cultivados e aquelas formações rochosas dos filmes. Eu talvez fuja de qualquer coisa, talvez procure a cura para o coração que acabam de me partir, sem saber sequer para onde vou. O único plano é ouvir as canções delas até ao infinito. Eu sentada à janela num diner de beira de estrada, sem saber como acabar um prato de ovos mexidos sem que as lágrimas forcem a sua saída. Eu a atestar o depósito e a sentir-me mais sozinha do que nunca. Eu a trocar olhares com um estranho que acaba de deixar o motel onde hoje vou dormir. Eu a achar que sei tudo sobre a solidão. Eu a decidir que hei-de conduzir até chegar ao mar. Pequena cidade atrás de pequena cidade, manadas de vacas, cavalos selvagens, a imagem gasta do último cowboy, a imagem gasta do romance que já ninguém quer, que já ninguém procura. Talvez tenha visto demasiados filmes, talvez tenha escutado demasiada música triste, talvez, apesar de tudo, às vezes ainda viva demasiado virada para dentro. Mas depois elas cantam assim, depois elas aparecem com estas músicas que eu gostava de ter escrito e sabem tocar e parecem mais sábias do que eu. E às tantas eu só já quero prolongar a viagem e conduzir de olhos fechados.

                               We had a great day                                       I had a fever
                               Even though we forgot to eat                       Until I met you
                               And you had a bad dream                            Now you make me cool
                               Then we got no sleep                                   But sometimes I still do
                               'Cause we were kissing                                Something embarassing


(um link se quiserem também sonhar e outro link se quiserem saber mais)



janeiro 23, 2019

Viver com privação do sono

Normalmente são seis ou sete vezes. Com alguma sorte apenas duas ou três. Um que quer ir à casa de banho. Outra que quer que a tapem. Outro que nunca conseguiu dormir uma noite inteira. E quando acordo, especialmente durante o horário de Inverno, como ter energia para fazer desporto ou mesmo apenas para tomar banho?

Há oito anos que deixei de dormir como uma pessoa normal. Era rapariga para dormir até ao meio dia na minha existência pré-filhos e apreciava bem uma sesta a meio da tarde. Ainda hoje aprecio, só não consigo é dormir. Há oito anos nasceu o nosso primeiro filho, o primeiro a não saber nem gostar de dormir. Só o pai é que o conseguia deitar quando era apenas um bebé, enquanto eu chorava de desespero por não conseguir acalmá-lo, por um lado, nem conseguir dormir pelo outro. Li tudo o que havia para ler sobre o sono dos bebés, especialmente aqueles fórums de mães onde se encontram muitas soluções estapafúrdias mas também muita compreensão sobre o que é viver sem dormir. Nada funcionou com o nosso primeiro filho mas um dia foi ele a pedir-nos para ir dormir. Com quase três anos, e depois de muito sofrer com este hábito, acabámos com o leite durante a noite e ele acabou por começar a dormir bem. Mas nessa altura em que as noites começavam a ser mais calmas, nasceu ela.

Ela dormia muito pouco de dia e fazia-me desesperar porque eu nem podia tratar de coisas em casa nem podia dormir: tinha que tratar dela o tempo T-O-D-O. À noite, a coisa também não ia melhor mas o leite lá a ia acalmando. E acalmou até que a antiga pediatra me fez sentir como uma mãe quase negligente e ordenou que a menina não bebesse mais leite à noite. Foram precisas algumas noites de muito choro, de muitos gritos, da dor que é sentir que um filho está a sentir-se como se o tivessemos abandonado mas o milagre deu-se e ela começou a dormir. Só que exactamente nessa altura, pouco antes de ela comemorar os dois anos, nasceu o terceiro filho e aquele que pior noites dá.

Aos dois, ainda sou culpada de lhe dar leite durante a noite. Quem, como eu, vive com a privação do sono sabe que se faz o que for preciso para podermos voltar a dormir. A única coisa que evito é trazê-lo para a nossa cama - guardamos essas ocasiões para quando estão doentes. E portanto, aos dois anos de idade acabados de fazer, este menino ainda acorda de duas em duas ou de três em três horas. Agora somem-lhe outros dois filhos com as suas necessidades e façam as contas a quantas horas eu durmo por noite. Há oito anos, até me custa pensar.

Há dias em que me sento em frente ao computador, no trabalho, e nem sei o que estou a fazer. O despertador toca muitas vezes alguns minutos depois de ter conseguido voltar a adormecer, o que é claramente a pior sensação do mundo. Esqueço-me muitas vezes do que ia fazer a seguir, de preparar lanches nos dias de escola ou de fazer os sacos para a natação. Suporto dias inteiros de reuniões a baldes de café e a um esforço hercúleo para não cabeçear uma vez sequer. Estou sempre mas sempre cansada, não tenho vontade de sair de casa. Quero ler muito, ver muitas séries, tricotar até mais não mas acabo muitas vezes enfiada na cama logo depois do jantar, à espera do primeiro que irá acordar. Sinto muitas vezes, como na semana que passou, que mais dia, menos dia eu vou sucumbir a esta deficiência de descanso. Sinto que o meu corpo vai entrar em shutdown a qualquer momento. Tenho medo do que a falta de sono está a fazer à minha saúde em geral. Sonho as coisas mais bizarras quando finalmente consigo adormecer. E, sobretudo, entristece-me não ser capaz de estar mais presente ou de ter mais paciência quando estou com os meus carrascos do sono.

Às vezes, nos dias bons, consigo levantar a cabeça e imaginar que um dia os três vão dormir bem e que já nem deve faltar muito para que isso aconteça. Mas depois pergunto-me se alguma vez mais vou conseguir dormir como antes (e temo saber a resposta...). Nos dias normais, arrasto-me para o carro, multiplico-me em esforços para que o trabalho saia bem feito, às vezes consigo ver um episódio ou ler duas páginas depois do jantar. Já há muito tempo que desisti de tentar entender porque não dormem/dormiam eles mas juro que quando forem adolescentes sentirão o amargo gosto da vingança.

(muitas vezes tenho vontade de escrever qualquer coisa por aqui. Às vezes são ideias minhas, outras o resultado de pessoas inspiradoras, a vontade de regressar à ficção sem deixar de escrever as crónicas sobre o que conheço. E a verdade é que não é só a falta de sono que me impede mas o facto  do meu tempo livre ser ocupado a tentar dormir ou a tentar fazer alguém dormir também ajuda. Este blog comemorará quinze anos em breve! Quinze anos é demasiado tempo para que eu simplesmente feche a porta sem olhar para trás. E é precisamente por de vez em quando eu espreitar este sítio onde a minha vida se fez palavras que não posso simplesmente dizer adeus. Estou a fazer figas para poder ouvi-los ressonar em uníssono e conseguir finalmente voltar a viver um bocadinho.)