novembro 17, 2007



Foi hoje à noite. Não sei exactamente quando ou onde mas dei com esta música. E dar com esta música significou desenterrar uma série de fantasmas que eu resolvi esconder/recalcar/esquecer. Quer dizer, eu nem sequer decidi: eles foram empurrados para partes do meu cérebro às quais não quero ter acesso. Já passaram dez anos, nove anos, oito anos, tantos anos que passaram sobre esta pessoa que era Eu. De repente, vi-me à porta do Alcântara Mar com dezassete anos, sem um pinga de álcool no sangue, a tentar entrar com desconto de estudante. Era tudo tão novo para mim e para os outros, éramos nós na cidade grande, era termos liberdade e não ter ideia do que fazer com ela. Foram as noites que passei a destruir a vida que me tinha trazido até aqui para construir qualquer coisa nova, aprendendo a respeitar-me e a ser independente e a pensar pela minha cabeça.

Eu tinha uma ideia muito precisa sobre o meu futuro quando tinha dezassete anos. Eu pensava que tinha tudo resolvido e entendia tudo, entendia a vida e as desilusões, aceitava-as estoicamente, como se estivesse destinada a sofrer. Não fazia ideia de que havia vida fora, não conhecia o significado de conceitos tão simples como Amor ou Liberdade. A minha vida, o meu futuro passava por um casamento - não imaginava nada de outra maneira. Era feita de uma estúpida massa de ingenuidade e inocência, não era cínica porque acreditava numa espécie de Destino. E quando cheguei aqui, quando me mostraram o Mundo (que não era feito de discotecas nem de promiscuidade ou noitadas mas de poesia e saudades e uma sensação esquisita na barriga), eu passei a ser outra pessoa, não melhor nem pior mas apenas outra. E o perigo reside aí mesmo, no momento em que deixamos de precisar de alguém para pensar.

Há muitas coisas das quais sinto saudades ainda hoje. Sinto falta especialmente da sensação de possibilidade com que acordava todos os dias, naqueles dias. Sentir que eu é que estava ao comando foi muito mais importante do que qualquer recomendação, qualquer conversa, qualquer conselho. Mas também sinto saudades de ter aquelas certezas todas, de sentir que a minha vida estava previamente planeada, que eu estava apenas a seguir as linhas mestras com que tinham cosido a minha vidinha banal. Hoje, sou livre e sou independente mas nem sequer faço a menor ideia de qual é a minha verdadeira direcção. Se estiverem indecisos acerca do meu presente de Natal, estou bastante receptiva a um GPS emocional. Porque sinto que estou num campo de minas, prestes a pisar qualquer coisa que vai rebentar debaixo de mim. E, francamente, dava-me jeito alguém/alguma coisa que me pudesse estender uma mão. É por aqui. É só isso que preciso que me digam.

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