Dezanove pessoas em palco. Cavaquinhos, pandeiretas e cuíca. Um homem muito magro entra em palco, ainda tem o casaco vestido e dirige-se de imediato ao público. Na sala, há quem saiba todas as letras de cor. A medo, as pessoas obedecem ao ritmo e levantam-se das cadeiras para deixar o samba tomar conta dos movimentos. Temos todos samba dentro de nós, diz ele. Ontem Seu Jorge fez a festa acontecer.
Cantou-se ali sobre a exclusão social no Brasil, sobre o amor que se desfez porque a ponte estava congestionada e sobre a colonização portuguesa. Cantaram-se as inevitáveis versões de Bowie e outras baladas apenas acompanhadas por uma guitarra acústica, obrigando o público a suster a respiração em momentos de delicada fragilidade, nos instantes em que Seu Jorge parecia oferecer ao público um olhar breve sobre o seu íntimo. Mas se a dor e a pobreza foram cantadas e se houve mesmo um momento profundamente político, em que o artista (porque ele não é apenas um cantor) falou das aflições das crianças brasileiras e da inexistência da sua infância, também a alegria contagiou a sala. E é em noites como esta que nós sabemos que há uma chama dentro de cada brasileiro que o faz encontrar uma espécia de força nas adversidades: a festa corre-lhes no sangue. Por isso, não foi de estranhar quando todo o público foi convidado a sambar no palco, juntamente com Seu Jorge e toda a banda. E também não foi de admirar que se tenha formado um comboio gigante de pessoas que, com o artista à cabeceira, dançaram sala fora. Foram quase três horas de brasileirices, batucada, de português com açúcar. Este furacão não provocou vítimas nem estragos - talvez apenas o suor bom de quem tenta sambar e sente a felicidade que se tira de todas as coisas simples.
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