janeiro 29, 2008

Perfeito.

Visto aqui.

(de repente, já não és tu. sentas-te numa paragem de autocarro vazia e ficas atenta ao trânsito das seis da tarde. ainda anoitece às seis da tarde e tu tens saudades dos dias compridos. não retiras nenhum prazer de tentar adivinhar quem conduz cada carro nem de fingir que estás a caminho de um sítio realmente importante. o céu está escuro sobre a cidade mas mais escuro sobre ti, como se a tua tristeza se tivesse condensado numa nuvem sobre a tua cabeça. ninguém vê a nuvem por cima da tua cabeça. dois homens numa carrinha de mudanças são travados pelo engarrafamento e sorriem-te atrás do vidro fechado. falam um com o outro, acotovelam-se na cabine apertada e fazem-te sinais. rodas a cabeça lentamente na direcção do princípio da avenida, não te apetecem palhaçadas. sentas-te num banco de autocarro vazio. escolhes um banco solitário para não confundires a tua tristeza com a de outra pessoa qualquer. concentras-te. quanto mais música ouves, mais a tua tristeza se depura, até sobrarem apenas o cristais puros que hão-de cair-te dos olhos. precisas de chegar a casa. caminhas devagar, a mala no ombro e a música a fazer-te serpentear entre os carros estacionados no passeio, o teu vizinho à porta do café, as chaves que nunca encontras na mala, o correio que nunca recebes e o som da tua tristeza a espalhar-se pela tua casa vazia.

escolhes um disco a custo. ele entra-te em casa, com o boné a desafiar a tua vontade de evitar um sorriso. não te diz que está tudo bem porque ele sabe que não está. mas canta de mansinho sobre amores pequeninos. faz de conta que a dor amaina. e amanhã há mais.)

2 comentários:

disse...

achei absolutamente fantástico!e já agora peço desculpa pela invasão =)

M. disse...

Não tem nada que pedir desculpa... Fico contente quando há alguém novo à porta :)

E obrigada pelas tuas palavras ;)