Não quero ser uma velha de setenta anos já aos vinte e nove mas isto consome-me. É o que dá passar umas boas três horas num centro de saúde, à espera de uma migalha de caridade da classe médica. Incapaz de me levantar para ir trabalhar, foi com esforço que me arrastei até ao dito posto médico, para onde há dois anos quis transferir o meu processo clínico. Decisão muito pouco acertada, sei-o agora, visto que há dois anos que espero por um médico de família. Ou seja, mesmo morando numa freguesia posh de Lisboa, sou obrigada a esperar que alguém morra para lhe ocupar o lugar nas consultas programadas da Lapa.
Foram, portanto, três horas sentindo-me quase apátrida, indigente porque tive a infelicidade de não ter marcado uma consulta e de não ter médico de família. E porque a senhora da recepção fez questão de frisar que teve sorte de conseguir um tempinho com a senhora doutora, especialmente se se lembrar que paga só dois euros e vinte cêntimos. Talvez seja esta fortuna que impeça os médicos de tratarem as pessoas como pessoas e os faça atender chamadas pessoais ou discutir culinária com uma auxiliar exactamente no meio de uma consulta. É por estas que às vezes, quando me lembro do meu seguro de saúde, me sinto afortunada e aliviada por caminhar a passos largos para uma vida burguesa em vez de depender desta miséria a que chamam serviço nacional de saúde. Que eu até sou uma pessoa com sorte e alguma saúde, isso reconheço. Mas os últimos tempos têm-me mostrado o que pode acontecer se algum dia estiver exclusivamente entregue a estas mãos.
Depois, quando ouço chamar o meu nome, reparo que afinal é um doutor e não uma doutora. Era um rapaz muito moreno, claramente de boas famílias, talvez um pouco mais novo do que eu. Atrapalhado com a ausência de dados do meu processo, esqueceu-se de perguntar o básico. E, depois de eu lhe explicar o que me levava ali, depois de lhe descrever os sintomas, abandonou-me (literalmente) no gabinete e foi perguntar à médica, que estava a atender no gabinete ao lado, o que devia fazer. Fiquei de boca aberta enquanto o ouvia no gabinete do lado a descrever o caso e a ouvir os conselhos da médica. Fiquei com a sensação de que sou tão boa médica como ele. Ou então estava a ser filmada para um daqueles programas de apanhados. E eu espero não me enganar mas a mim é que não me apanham num sítio daqueles tão cedo.
Foram, portanto, três horas sentindo-me quase apátrida, indigente porque tive a infelicidade de não ter marcado uma consulta e de não ter médico de família. E porque a senhora da recepção fez questão de frisar que teve sorte de conseguir um tempinho com a senhora doutora, especialmente se se lembrar que paga só dois euros e vinte cêntimos. Talvez seja esta fortuna que impeça os médicos de tratarem as pessoas como pessoas e os faça atender chamadas pessoais ou discutir culinária com uma auxiliar exactamente no meio de uma consulta. É por estas que às vezes, quando me lembro do meu seguro de saúde, me sinto afortunada e aliviada por caminhar a passos largos para uma vida burguesa em vez de depender desta miséria a que chamam serviço nacional de saúde. Que eu até sou uma pessoa com sorte e alguma saúde, isso reconheço. Mas os últimos tempos têm-me mostrado o que pode acontecer se algum dia estiver exclusivamente entregue a estas mãos.
Depois, quando ouço chamar o meu nome, reparo que afinal é um doutor e não uma doutora. Era um rapaz muito moreno, claramente de boas famílias, talvez um pouco mais novo do que eu. Atrapalhado com a ausência de dados do meu processo, esqueceu-se de perguntar o básico. E, depois de eu lhe explicar o que me levava ali, depois de lhe descrever os sintomas, abandonou-me (literalmente) no gabinete e foi perguntar à médica, que estava a atender no gabinete ao lado, o que devia fazer. Fiquei de boca aberta enquanto o ouvia no gabinete do lado a descrever o caso e a ouvir os conselhos da médica. Fiquei com a sensação de que sou tão boa médica como ele. Ou então estava a ser filmada para um daqueles programas de apanhados. E eu espero não me enganar mas a mim é que não me apanham num sítio daqueles tão cedo.
4 comentários:
Que coincidência, hoje também estive à mercê das lacunas do nosso sistema de saúde. Das 15 às 19h no hospital de Santa Maria para me darem os resultados das análises de sangue e urina. Vim de lá com mais uma mononucleose e dezanove euros a menos na conta :(
O problema é que não pagas "apenas 2 euros e tal".. a senhora recepcionista esqueceu-se que as pessoas pagam impostos para alimentar esse sistema.. ela incluída...
Viva o seguro de saúde! Eu já não volto a trás. Hoje em dia entro num hospital particular como quem entra num hotel. E consigo marcar qualquer consulta com o mesmo tempo de quem pede para ser visto nas urgências de um hospital público.
Viva o SAMS
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