Uma música
Uma fotografia
Uma receita
Esta tarte.
Um momento
A manhã em que levantei voo do Porto, sem saber quando ia voltar.
Uma razão para sorrir
O meu filho a dizer Bacalhaaaaau!
Uma viagem
Berna
Melhor compra
A melhor gadget de sempre
Um livro
Algumas horas a desejar ter escrito assim.
Um vício
Quase sempre colada à cadeira.
Uma descoberta
(a minha cozinha)
Um desejo para 2013
(Na verdade, gostava de concretizar vários mas mesmo assim...) Aumentar a família
dezembro 30, 2012
dezembro 22, 2012
Do It Yourself
Sempre que fico com caixas vazias em casa, fico com a sensação que as podia aproveitar para coisas realmente espectaculares ou para criar alguma coisa de útil lá para casa. Desta vez, e como já tínhamos um imponente monte de cartão a acumular e à espera da sua vez na reciclagem, não levei muito tempo a decidir que tínhamos que fazer alguma coisa.
Ora, sabíamos à partida que ia ser uma obra para o gaiato. A ideia foi fácil de conseguir e também de concretizar: foi só pensar nas brincadeiras mais recorrentes dele e de como poderíamos usar o material para isso. Vai daí, saiu-nos um fogão (de placa, pois claro) e um forno microondas. É difícil explicar o nosso nível de excitação enquanto púnhamos mãos à obra. Parecíamos dois miúdos mas desta vez a criarmos um brinquedo novo. Aproveitámos uma sesta do miúdo e tratámos de tudo. Ficou muito giro, pareceu-nos a nós.
É claro que fui inocente quando pensei que isto fosse durar algum tempo nas mãos dele. Nós cheios de boa vontade a recriar até o vidro do forno e puf, foi a primeira coisa a ir. Botões do fogão? Não descansou enquanto não os começou a descascar. Mas juro que valeu pela cara dele a ver a obra pela primeira vez e a ir correr ao quarto buscar os tachos para se entreter na sua cozinha. E é muito bom poder dar-lhe presentes sem exagero mas também é importante que ele perceba que há muitas maneiras de brincar e que esta, a do faz de conta com aquilo que temos mais à mão, lhe promete horas de satisfação sem precisarmos de muita massa.
dezembro 13, 2012
In our society, "you must learn to detach", Suad Joseph told me. "You must learn to let go in order to create a viable life."
How Eskimos keep their babies warm: and other adventures in Parenting (from Argentina to Tanzania and everywhere in between), Mei-Ling Hopgood
Muitas vezes penso se este ensinamento não será radical demais. Podemos aplicá-lo aos nossos filhos mas também a toda a gente que temos à nossa volta. Mas para quem, como nós, escolheu partir, é mais uma questão de sobrevivência.
Eu, culpada, me assumo: é mais fácil desinvestir do que regar muito as amizades. Não é que nos esqueçamos uns dos outros mas entre a nossa vida ocupada, a vida ocupada dos outros, a distância geográfica, as vidas que vão mudando, algumas coisas têm que ficar para trás. Não no sentido de nos desligarmos permanentemente das pessoas mas sim no sentido de não sofrermos horrores com a sua ausência. É um favor que fazemos à nossa sanidade mensal: aceitamos as consequências das nossas decisões, guardamos os amigos com força no peito, aproveitamos as oportunidades que temos de os ver e estimar e aprendemos a bastar-nos a nós próprios. Para muitas pessoas, estar assim não funciona e precisam de gente à volta para conseguir funcionar; para nós, esta foi uma decisão que nem sequer tivemos de tomar - ela impôs-se no dia em que decidimos sair.
Se eu sofresse com os amigos que não telefonam, com os que se esquecem dos aniversários, com os que mudam de vida e de cidade e de amor sem darmos por isso, se eu sofresse com tanta ausência, estava condenada a uma vida de angústia. Já com os filhos, enfim, é coisa para durar mais um tempinho a aceitar. Uns bons anos, creio eu. Vá, mais de uma década, de certeza.
dezembro 12, 2012
Fui ver: era a neve e consequentemente malta a dar ao dente
Entretanto tentamos habituar-nos a tanto frio e a alguma neve. É difícil para quem vem do Sul da Europa e adora Sol viver neste frio. Pensei que seria mais difícil de suportar mas a verdade é que ainda não tivemos os -10º que já se apregoaram por aqui, por isso continuo à espera de tanta rijeza, como se diz na nossa terra.
Eu estou exactamente como a Andorinha: há uma diferença gigante entre neve em países distantes, férias em destinos com neve e viver realmente com ela - não lhe podemos escapar. Não estamos num sítio a pensar Ah neve, que bom saber que daqui a quatro dias volto a casa. Não é que aqui se tenham muitas opções, claro está. Todos os dias de manhã fico eu gelada a tentar tirar o gelo dos vidros do carro. Ainda hoje estavam sete graus negativos (mas um céu limpo que quase comovia) e aqui a moça estava prestes a congelar a raspar tudo à mão para conseguir chegar ao trabalho. Este tempo implica toda uma nova logística: é preciso acordar mais cedo para chegar ao carro sem trambolhar no gelo e conseguir raspá-lo todo em tempo recorde. Não gosto nada disto, está bem de ver.
É claro que penso muitas vezes que a nossa vida, tal como a das outras pessoas que nunca conheceram outra meteorologia, deve continuar e não devemos abdicar das nossas actividades. Só que ainda me falta perceber como é que esta malta consegue andar o dia inteirinho na rua, com um vento a cortar todas as partes do corpo que apanha a jeito, com as mãos impedidas de fazer qualquer movimento, com a respiração que até se torna difícil num tempo assim. Saímos para passear no fim de semana passado e tivemos que alternar as caminhadas pela cidade com dois ou três cafés para nos conseguirmos recompor da invernia.
E não bastava já ser noite cerrada quando o despertador toca, agora ainda lhe acrescentamos os graus negativos àquela hora da manhã. É que, por muito optimista que uma pessoa seja, sair debaixo dos cobertores para isto é um obstáculo gigante a começar o dia com vigor e um sorriso. Não dá, simplesmente, só me consigo encolher e maldizer a minha vida. Mas não é bonito, perguntam vocês? Até é mas só enquanto os carros não começam a espalhar tudo por todo o lado, enquanto a neve não derrete e se transforma em lama, enquanto pé humano não pisa num imaculado manto branco. E isso, está claro também, só se vê no campo e em sítios onde pé humano não pisa tão cedo. Portanto o conceito em si é muito lindo, a prática é uma porcaria pegada. Mas tenho que admitir que há alguma beleza escondida nos flocos que caem em silêncio, que cobrem vales e montanhas, que trazem consigo uma espécie de sossego. Como outras coisas na vida, se calhar é preciso aprender a gostar da neve, ano após ano e este é o ano zero da nossa relação.
dezembro 02, 2012
Na última consulta do Vicente recebemos este livro que foi um êxito instantâneo cá em casa. Não tem palavras, apenas ilustrações que devem servir de mote para a histórias que inventamos a três. O médico falou-nos da importância de ler nesta altura da vida dos bebés: disse ele que está provado que as crianças que entram na escola sabendo falar com desenvoltura terão mais facilidades na aprendizagem.
O ministério da Educação disponibiliza estes livros para as consultas de pediatria. A ideia é chamar a atenção dos pais para os hábitos de leitura, ganhando simultaneamente a atenção dos filhos que se distraem durante o resto da consulta. O médico deixou claro também que não interessa a língua em que falamos com os filhos mas o importante, isso sim, é falarmos, lermos e estimularmos a sua imaginação. Aqui em casa já nos vimos obrigados a desligar a televisão durante uns bons bocados. Sempre achámos que o Vicente não ligava nenhuma à televisão até agora, em que falamos com ele e ele parece em transe, vidrado no que quer que esteja a dar no momento. Trocámos esses momentos por pistas de comboios, tractores e livros repetidos até à exaustão mas pelo menos o gaiato não nos fica pendurado na programação.
E agora os brinquedos já estão a ficar datados e desadequados ao estado de desenvolvimento do Vicente. Aos poucos, temos começado com mais livros e, acima de tudo, com material para estimular o faz de conta, ao mesmo tempo vamos percebendo do que é que ele gosta mais. Agora o que tem sido mais difícil é incutir-lhe um sentido de responsabilidade e de arrumação: queremos criar um rapazinho que trate das suas coisas em casa e não dependa da sua mãe, assim à semelhança do seu paizinho. Mas o gaiato é duro de ouvido e às vezes está mesmo a fingir que não ouve nada. Nós rimo-nos mas insistimos - ter um filho é um constante acto de amor sem direito a intervalos. E isto dá muito trabalho mas depois sentamo-nos no sofá, ele vem a correr com um livro que escolheu no quarto e contamos a mesma história pela centésima vez mas ele ri-se como se fosse a primeira e pronto - inventamos tudo de novo.
dezembro 01, 2012
O Natal é a nossa casa!
Esta semana fizemos a nossa primeira árvore de Natal!
A nossa ligação com o Natal não é propriamente a da religião mas antes a da família. Há tantos anos que vivo fora de casa que voltar a casa nesta altura do ano é sempre especial para mim. Os últimos Natais têm sido progressivamente mais tristes, sem os meus avôs à mesa, com toda a gente mais velha mas com o bebé Vicente a ajudar a animar a malta.
A noite de Natal é nossa casa é uma mistura de algazarra com os obituários de quem já não está à mesa, com as histórias antigas que nunca vão perder a graça (a da nota de quinhentos que foi para o lixo é um autêntico clássico), com as saudades dos tempos em que éramos quase vinte à mesa, com as prendas que já nunca chegam à meia noite, com o chocolate quente que acompanhamos com o tronco de Natal, com a impressão constante que recebemos mais meias do que precisamos. Há dois anos que os Natais são repartidos por uma casa mais cheia de primos e tias e uma casa onde só já vão sobrando duas avós. Sentimo-nos bem em qualquer uma delas e, melhor que isso, o Vicente adora brincar com toda a gente e em todo o lado.
Mas este ano é especial: fizemos a nossa árvore de Natal. Nunca a tínhamos feito antes porque a casa era pequenina e o bebé também era pequenino e não poderia ainda compreender. Mas este ano ele já pode perceber um pouco da magia que há em estarmos e fazermos tudo juntos, em sermos uma família nos bons e maus momentos. E este ano, em vez de chorarmos a distância ou a cambalhota que fomos obrigados a dar, podemos agradecer a oportunidade tão avassaladora de mudarmos de vida, de termos conseguido uma casa também aqui. E eu acho que, à falta de Thanksgiving, é para isto que serve o Natal: não para chorar ou lamentar as desgraças, mas sim abraçarmo-nos todos e agradecer as mudanças, os amigos, a família que nunca desiste de nós e os bebés que já não são bebés mas que nunca deixarão de o ser. E é claro que a nossa vida não é perfeita, tão longe está disso, mas o que temos foi conquistado por nós e esse presente de Natal não se pode comprar.
novembro 30, 2012
Ossos do ofício
O director da empresa chegou ao pé de mim, estendeu-me a mão e disse Félicitacions!
Flashback: ontem tive um dia de trabalho bastante difícil. Sou nova ali, é uma posição onde tem que se saber tantas coisas que no início achei que nunca seria capaz. Mas as coisas vão andando e as coisas progridem e eu aprendo todos ps dias mais. Só que não posso aprender bem se os colegas - por desleixo, incompetência ou má fé - me ensinam as coisas incompletas. Ontem fiz calhou-me a mim esse papel de incompetente, depois de um colega resolver não me dizer tudo o que devia fazer, mesmo depois de eu o perguntar directamente. Enfim, encolhi os ombros e lembrei-me que é preciso tempo e paciência para se conhecer as pessoas e, sobretudo, para se poder julgar um carácter.
Depois foi o meu chefe que resolveu implicar por eu às quatro e cinquenta e nove ter tudo pronto para partir. Tinha feito mais do que as minhas obrigações, esse minuto que me faltava não me ia resolver nada mas ele fez questão de o dizer a rir, parecendo que tudo não passava duma brincadeira. Não foi só a injustiça deste momento que me irritou mas acima de tudo sentir que estes padrões não são para toda a gente da equipa. Mas enfim, eu tenho que compreender que há relações ali que ele mantém relações com outras pessoas fora do emprego e que isso lhes dá direito a que ele feche os olhos aos seus desvios. Pois.
Flashforward: hoje não me apetecia ir trabalhar mas foi até me lembrar que o chefe não estava lá. Lá fui eu, pronta como sempre, empenhada para fazer boa figura. Ontem tinha-me calhado fazer a minuta de uma reunião, o que fiz com gosto mas sem pretensões. Só que esqueci-me que a minuta vai para o management todo e que é capaz de haver alguém que realmente lê aquilo. E então o senhor CEO deslocou-se do seu gabinete ao nosso departamento e fez questão de me felicitar em público. Eu, vermelhona e encavacada, não consegui dizer mais do que uns Mercis muitos tímidos. E depois pensei que mais vale cair em graça que ser engraçada e enchi-me dum orgulho solitário, interior, silencioso. É que eu cá gosto de reconhecimento mas gosto ainda mais de fazer o melhor que sei. E bem, a minha experiência diz que mais cedo ou mais tarde isso há-de trazer uma recompensa...
novembro 19, 2012
Baby blues
Ver isto hoje foi fatal: lembrou-me que, mais do que saudades da minha barriga e dos nove delicados meses da gravidez, eu tenho saudades do meu filho recém-nascido. E ver isto também me fez descer à realidade e voltar a uma certeza já antiga: não há espaço para erros nas relações com um filho. Não há começar de novo, não há corrigir e emendar as falhas, o que fizermos hoje ficará para sempre na vida deles sem que possamos voltar atrás. Isto não é uma experiência, é uma vida que se tem entre mãos (e braços e peito e pensamento a toda a hora), é o nosso maior feito e também o que mais facilmente nos desarma, é o que nos dá a esperança de um mundo melhor e o que nos faz temer por esse futuro que teima em não chegar. Eu gostava de poder voltar atrás e não perder tempo com pormenores enquanto amamentava o meu filho. Gostava de não ter sofrido por antecipação, gostava de nunca ter estado exausta, gostava de poder ter sido inteira em todos os dias da sua curta vida. Gostava de não odiar secretamente as histórias de bebés perfeitos e mães sempre impecáveis e noites sempre bem dormidas, gostava de ter confiado mais na minha intuição e menos nos livros e nos testemunhos de gente que nem conheço, gostava de ler lido menos e experimentado mais. Gostava de ter aceite mais o filho que me calhou em sorte, perceber desde a primeira hora que ele é diferente dos outros, nem melhor, nem pior, apenas o milagre espantoso que eu gerei com outra pessoa. É claro que tenho a vida toda para ser a mãe que ele merece mas todos estes dias para trás, todas as tardes em que caí um pouco de cansaço, todas as noites em que senti o terror de não poder dormir, todas as vezes em que pensei que me tinha calhado uma criança difícil - nada nem ninguém poderá apagar o tempo que não passei a apenas cuidar dele, nada me fará esquecer os momentos em que não confiei que saberíamos o que fazer.
E lembro-me dos primeiros dias, aterrorizada com a avalanche de sentimentos e esmagada pelos medos irracionais, em que não lhe dei banho com medo de o deixar escorregar na banheira. E agora vi isto e desejei, mais do que nunca, que o tempo voltasse atrás e eu pudesse conhecer e transmitir toda esta tranquilidade. Aprendi, é verdade, mas aquele recém-nascido indefeso e desconhecido já ficou para trás. Quase nunca há uma segunda oportunidade.
novembro 17, 2012
Ter conseguido uma casa mobilada e, na perspectiva de alguém que muda de país e precisa de um tecto rapidamente, absolutamente perfeita para recomeçar foi uma sorte. Tínhamos visto dezenas de casas ainda em Portugal mas alugar uma casa não é uma coisa que se possa fazer à distância: é preciso ver, imaginar in loco se nos vemos a morar ali, conhecer o senhorio, deixar que ele decida se gosta de nós, perceber se vale o nosso dinheiro, se a vizinhança nos agrada, se chegamos a todo o lado rapidamente. E por isso fiquei um mês em Portugal (que a mim me pareceu um ano) à espera que encontrássemos a casa ideal, a casa que poderíamos pagar unida à casa onde gostaríamos de viver. O mercado imobiliário aqui é absurdo: quase não há apartamentos alugados por menos de mil euros por mês, os senhorios pedem normalmente três vezes o preço da renda como caução e ainda se reservam o direito (que lhes assiste, é óbvio) de escolher quem querem a viver nas suas casas.
Agora, oito meses depois, esta é a nossa casa. Só que há coisas que eu queria mudar, queria deitar o sofá fora, compras tapetes e cortinas, queria cadeiras novas e mais armários, queria mais paredes com as nossas memórias mas parece que vou ter que esperar. Gostava de não sentir que é uma casa temporária, de passagem, gostava de não me sentir uma intrusa, de fazer realmente parte mas é difícil eliminar permanentemente esta sensação de estarmos numa ante-câmara da vida que está ainda para chegar. É claro que não queríamos ser já donos de uma casa aqui: não sabemos (ainda não sabemos, é verdade) o que nos trará o futuro e, apesar de boas perspectivas, não sabemos se o nosso lugar continuará a ser aqui. E então inventamos maneiras de nos sentirmos aconchegados, de chegarmos a casa e sentir que aqui pertencemos, que não estamos só de passagem. Afinal, casa é onde nós os três estamos.
novembro 12, 2012
Boa tarde, em que posso ajudar?
Lembro-me de querer ser professora desde muito cedo, diria aí desde a quarta classe. Ainda sou do tempo em que os professores marcavam a vida dos alunos e os encorajavam e ajudavam muito para além das aulas. Acho que tentei copiar a minha caligrafia de uma professora que admirava imenso e ainda hoje mantenho contacto com pelo menos uma das minhas professoras preferidas. Mas depois, num momento qualquer da universidade, decidi que não estava para estender o curso com mais dois anos de cadeiras pedagógicas e um estágio que podiam não me levar a lado nenhum. Mal sabia eu no inferno que a vida dos professores se ia tornar...
Isto tudo para dizer que as duas saídas profissionais mais lógicas do meu curso eram o ensino ou a continuação da investigação académica. Tinha desistido de ser professora e também nunca tive nenhum interesse por uma carreira académica (não sou uma pessoa excepcionalmente paciente, interessada, curiosa, aplicada e estou longe de ser uma intelectual) e por isso as minhas opções profissionais estavam limitadas à minha vontade de aprender outras coisas e à vantagem de saber outras línguas - e foi assim que cheguei ao serviço ao cliente.
Já trabalhei em várias áreas (telecomunicações, facturação, seguros e pagamentos electrónicos) e também já desempenhei várias funções (de operadora a chefe de equipa) e acho sinceramente que a única experiência de call center que tive acabou por condicionar indefinidamente a maneira como olho para o trabalho. Nunca a considerei uma posição menor, embora saiba perfeitamente o que toda a gente pensa. Só que acho que o operador de call center é uma figura injustiçada por duas razões distintas: porque o serviço ao cliente funciona bastante mal (pelo menos nas empresas onde trabalhei e nas empresas onde sou mais frequentemente cliente) e porque as pessoas não têm, por norma, qualquer brio profissional. Como eu acredito que qualquer emprego deve ser feito da melhor maneira que nos for possível (não interessa área, posição, experiência ou escolaridade), chateio-me um bocado com o desleixo das pessoas cuja principal função é dar suporte a outras pessoas.
Mas hoje as minha palavras não são para os empregados, mas sim para os clientes. Acordei com aquela sensação normal de "Vamos lá a mais uma semana de trabalho" e foi assim que comecei a trabalhar. Mas os clientes logo se encarregaram de me acabar com o optimismo todo com a sua arrogância, com o seu desdém, com a sua sobranceria, com a sua falta de tempo para resolver os seus problemas. É que uma pessoa até pode ser bem intencionada mas ser desconsiderada por três ou quatro pessoas de seguida desanima qualquer um. E por isso, porque todos somos clientes mas nem todos sabemos o que significa ajudar clientes, é que acho que nos devemos pôr no lugar dessas pessoas. Ser cliente de alguém não nos traz poderes infinitos para destratar pessoas, para nos libertarmos da pressão de outros problemas. Às vezes pode parecer o contrário mas na maior parte dos casos não é uma máquina que responde: é uma pessoa. E não nos fazia nada mal lembrarmo-nos disto com alguma frequência e darmos o benefício da dúvida. De vez em quando, vá. E acreditar que ainda há gente que se importa. Garanto que sim.
novembro 06, 2012
Um lema para os trinta e três *
Passam hoje trinta e três anos desde que nasci. Gostava de conseguir imaginar-me como bebé mas tenho a sensação que fui sempre assim e, como não sinto nostalgia de nenhuma época em particular da minha vida, perco apenas o tempo essencial a pensar nisso.
Vai ser um aniversário diferente: já antes o tinha passado longe de casa, da família, dos amigos mas intencionalmente. Lembro-me dos vinte e cinco anos em Amesterdão, em pleno Erasmus, sem um sítio decente para dormir senão o carro que tínhamos alugado, ou os vinte e oito em Bruxelas com o meu grande amigo R. brindando num bar cheio de fumo. Mas desta vez a distância foi-me imposta - por mim, claro, que decidi mudar-me para aqui mas mesmo assim custa um bocadinho. Um bocadinho só. Pelo menos agora já tenho um filho que me pode cantar os Parabéns e roubar-me o protagonismo no momento de soprar as velas e por isso dou-me por satisfeita.
Tinha este postal perdido nas caixas das mudanças e quando me chegou às mãos este fim de semana foi como se fosse um sinal. Eu sei que muitas coisas são difíceis mas, se parar para pensar, há algumas que só precisam de nós para acontecer. E por isso gostava de adoptar isto como o meu lema nos próximos anos: nada é impossível! E assim sendo há umas coisas a que me proponho no futuro: perder peso (claro, e como eu todas as mulheres), ter mais filhos (provavelmente só mais um, há que testar a logístia do plural), continuar a viver pelo Mundo (embora me tenha afeiçoado ao Luxemburgo e agora esteja a aprender a gostar do frio, do campo, da língua demoníaca) e escrever um livro. Infelizmente, para este último desejo falta-me muito, inclusivamente perceber como se faz. Mas ninguém paga por tentar!
E prometo tentar viver com menos ansiedade, aceitar os ensinamentos que os momentos mais vulgares nos trazem tantas vezes, ser menos colérica e impulsiva, duvidar menos do meu desempenho maternal, gastar menos e não me esquecer que o nosso filho é apenas uma criança. Nada mau, para apenas mais um anos de vida.
E hei-de acreditar tanto em mim como a minha mãe e o meu pai. Eles sabem bem o que dizem. E criaram duas miúdas porreiras, mesmo que não muito normais. No final de contas, os Parabéns são todos para eles :)
outubro 27, 2012
Aprender a não ansiar
Há muito tempo que venho pensando nesta recente corrente de minimalismo que tem invadido outros blogs e tem conquistado mais e mais adeptos. Não consigo gostar de tudo o que é recomendado para se atingir essa forma mais pura e despojada de ser, às vezes chega-me a parecer radicalismo a mais. Continuo a gostar dum armário com muita roupa, de guardar revistas e outras inutilidades assim mas não posso ignorar que há coisas que fazem todo o sentido.
Um dos ensinamentos (chamemos-lhe assim) que mais me tocou no minimalismo é a ideia de que não temos tempo para fazer tudo nas nossas vidas e devemos por isso concentrar-nos no que é essencial e naquilo que nos dá verdadeiramente prazer. É verdade que nem sempre consigo aplicar isto à minha vida mas aos fins de semana lá vou conseguindo. Durante a semana concentramo-nos em fazer quase só o que é essencial e a falta de tempo leva a que estas horas de maior lazer sejam arrastadas para o fim de semana. Acho que é por isso que tenho escrito tão pouco: durante a semana estou ocupada com a rotina do trabalho, casa e do Vicente; nos fins de semanas, estamos a aproveitar o tempo em que podemos estar juntos e o tempo para aquilo que mais gostamos de fazer. Por isso tenho cozinhado muito nos fins de semana e gozado estes momentos como rituais mais ou menos sagrados, com um pouco de silêncio ou no meio da agitação da casa. Temos passeado, tratado de fazer com que esta casa seja mais a nossa casa, temos visto as séries que andávamos a perder há que séculos. Durante a semana o tempo falta-me mas tenho terminado os fins de semana tranquila, com a sensação que respirei fundo o suficiente para enfrentar uma semana nova, contente por ver tudo o que consegui em dois dias.
E depois, eu sei que me repito, há este Outono aqui. E tem sido como que revelações diárias as árvores a prepararem-se para o Inverno, o Sol que ainda foi aparecendo nos últimos dias, as chaminés fumegando, lembrando que agora as casas estão quentinhas. E eu faço um esforço diário para não me aborrecer com as esperas e as correrias e os autocarros que não chegam e a vontade louca de chegar a casa e ver os dias a passar à pressa. E eu não sei mas acho que o truque é aceitar o que nos vão dando, a vida e os outros e não esperar mais nada senão aquilo de que somos capazes. E deixar que as cores do Outono vão fazendo o resto, um dia de cada vez.
outubro 18, 2012
O Outono, a minha nova estação favorita
Já há três dias que, no final dum dia de trabalho, a metereologia me dá a alegria de umas abertas no regresso a casa. Este acontecimento, tão imperceptível talvez para outros olhos, opera em mim uma inegável mudança de humor e faz-me trocar o cansaço de um dia de trabalho por uma breve euforia de final de dia.
Sair do trabalho aqui é uma coisa poética para mim. Não basta a felicidade de me encontrar liberta destes deveres e ainda a máquina capitalista onde sou rodinha da engrenagem me larga em pleno campo. Não são só prados e floresta, na verdade. Antes de me poder esquecer de tudo ainda há obras em que só se fala português, edifícios por acabar, um stand de automóveis. Mas quando me liberto de tudo isto, aí sim, a alegria, quase uma comoção, toma conta de mim.
À minha frente, um prado a perder de vista com erva que me chega seguramente à cintura, verde a perder de vista. À minha esquerda uma criação de cavalos, anfitriã de concursos internacionais e tudo, numa casas de madeira gigante e com muitas janelas que captam o Sol nos melhores dias. À minha direita, um bosque frondoso ladeado por um caminho cujo nome nunca conseguirei pronuciar correctmente e onde alguns funcionários correm na hora de almoço. É pena circularem carros, caso contrário o silêncio seria pastoril.
A paragem de autocarro está invariavelmente deserta sempre que chego e aproveito para respirar fundo depois dum dia em frente às máquinas. Há uma alameda de árvores na sua continuação, plátanos talvez, que mudam explosivamente de cor nesta altura do ano. Nos bons dias, nas boas tardes com abertas, eapanto-me com o amarelo sobre o vermelho sobre o verde do prado e o azul tímido do céu. Quando não chove, tudo é inexplicavelmente perfeito e eu só desejava ter mais tempo livre apenas para olhar.
O caminho para casa é feito num autocarro quase vazio e onde, estranhamente, se ouve pouco português. Desfilam campos verdes pelas janelas, aparece a cidade do Luxemburgo ao longe e percebo mais uma vez como tudo é pequeno aqui. Passamos por vacas deitadas vagarosamente nos prados, à frente dos gigantes rolos de feno, cobertas às vezes pela neblina dos dias sem abertas.
Os aviões cruzam os céus baixinhos, dá vontade de acenar. E eu aceito que é nesta terra que vou vivendo, é nesta terra que tento, a custo, criar raízes e penso que, enquanto não me passar esta mania adolescente de ver poesia em tudo, nada está perdido. Esqueço o amanhã e o daqui a uns anos e abraço este momento aqui.
outubro 15, 2012
Entretanto
voltámos à luta e se antes já era extraordinariamente difícil levantar-me da
cama às seis e meia da manhã, agora é ainda mais duro : acrescente-se o
facto de ser já noite cerrada (antes saía de casa pouco depois das sete e já se
vislumbrava alguma luz do dia) e das temperaturas estarem perigosamente a
descer em direcção ao zero e temos um cocktail
explosivo. Concluímos, sem grande dificuldade, que voltar a correr antes do
trabalho e nestas condições atmosféricas está quase posto de
parte. Já andamos à procura de alternativas mas não está fácil considerar as
soluções ao ar livre.
Quando
chegámos, decidimos ir de táxi para casa. Ingenuamente, tratámos de tudo com o
senhor em Francês, esmagámos bem as malas na bagageira e demos a nossa morada.
Trocámos algumas impressões sobre a viagem e sobre o comportamento do bebé Vicente
e o taxista calado. Alguns minutos depois, dirigiu-se a nós em Português. Não
devia ter sido surpresa para nós (afinal o presidente da federação de taxistas aqui é português) mas ficámos apenas desconfiados :
será que ele esperava ouvir algum comentário menos feliz da nossa parte ?
Será que nos estava a pôr à prova ? Ficou-nos a pergunta na cabeça e um certo desconforto a que já nos devíamos ter habituado aqui, onde
meio país é Português.
Uma das
coisas boas do sítio onde trabalho é que há uma empresa que entrega almoços aqui no meio do campo. É um sistema espectacular e que devia existir
em mais sítios (será que isto em Lisboa não pegava ?) : só aceitam em
endereço de e-mail profissional, a morada de entrega é automaticamente
atribuída e oferecem mais do que um tipo de pagamento, sendo que as facturas
são enviadas de quinze em quinze dias.
Ao cliente pede-se apenas que faça o pedido
antes das dez da manhã através do site da empresa, escolhendo entre sandes,
saladas, pratos quentes e sobremesas – tudo por um preço
competitivo. Isto acabou-me com um
problema (cozinhar o meu almoço ao mesmo tempo que faço também o jantar) e deixa-me escolher o que mais me apetece na altura.
Sinceramente, já me apeteceu iniciar um negócio destes porque é simples, não
necessita de uma sede física (dispensando por isso muitos custos fixos) e não
obriga a estar oito horas fechada num escritório. Enfim, continuemos a sonhar…
E já agora a aproveitar as abertas que a vida (e o tempo) nos oferece.
outubro 11, 2012
Chegámos ao fim da canção...
Amanhã é o nosso último dia inteiro em Portugal. Digo isto enquanto suspiro profundamente e penso que ainda não me apetecia ir. Tenho saudades da nossa casa, das nossas coisas e rotina (apesar do frio e do cinzento dos dias) mas sinto que ainda podia ficar por aqui mais uns dias.
Levo comigo uma lista de desejos quase cumprida na totalidade: sobraram três que seguirão para uma próxima visita e que estão todos ao nível da restauração. Agradeço aos meus pais terem ficado com o bebé Vicente para que os pais tivessem uns dias de verdadeiras férias - eles adoraram e o Vicente aumentou exponencialmente o seu léxico português, ao mesmo tempo que espalhou cambalhotas em tudo o que foi cafés, parques e casas de família. Tivemos os três muitas saudades mas foi a coisa certa a fazer e ele não podia ter tido melhor companhia.
Pude ver quase todos os meus amigos e família mas ainda me faltou o tempo para outros. Desdobrei-me em visitas e jantares e cafés o mais que pude e sempre que as circunstâncias mo permitiram sem pregar partidas: encontrámos os Fixes para um banquete alentejano a terminar em guitarradas, os primos F. e S. receberam-nos com um petisco de chorar por mais e uma garrafa fresquinha de Lambrusco, os amigos S. e S. deram-nos de jantar no teu terraço maravilhoso com vista para o mar e a serra de Sintra, os amigos H. e H. encheram-nos três boas caixas de sushi depois de lancharmos no Adamastor, os nossos amigos J. e J. acolheram-nos numa noite quente com a melhor batata doce que conhecemos. Jantámos com muitos deles no Bairro Alto e foi muito bom falar com todos e deixar que todos se conhecessem também. Recebemos mais um mimo da M. para matar as saudades de Lisboa, despedimo-nos do H. que estará já hoje em Munique, bebemos um capilé em casa do Z. - ficou-me o coração apertado com tantos gestos de amizade, ficou-me a memória mais fresca com tanta recordação.
Vimos o mar, subimos a serra sem pressa, demorámo-nos na linha de Cascais. Corremos Lisboa de carro, a pé e de eléctrico, matámos saudades do rio e da Lapa, respirámos fundo no jardim da Estrela, visitámos os nossos vizinhos, curvámo-nos sob a basílica da Estrela. Miradouros vimos uns poucos, sempre de céu azul, sempre debaixo de um Verão que este ano nos tinha escapado. Fomos turistas na nossa cidade e fui-me lembrando vezes sem conta do bom que é viver ali.
Mas está a chegar a hora de regressar e as previsões não são animadoras: céu cinzento, chuva e mínimas de dois graus. É o preço a pagar, dirão muitos e pensamos nós. Isso e a distância tão intransponível a que nos encontramos de quem queremos bem. Foram dias tão bons e com tão pouco descanso que luto (na minha cabeça) pela ideia de que lá estamos melhor. Mas daqui a um dia e meia estaremos a embarcar para o Luxemburgo, de preferência com menos lágrimas do que na última vez. Quem me dera que pudesse estar (quando quisesse) em toda a parte.
outubro 07, 2012
Status update: o meio da viagem
As férias já vão a meio do caminho, o que significa que já consegui riscar muita coisa da minha lista. É espantoso que até hoje não tenhamos ainda tido um dia menos bom em termos meteorológicos e esta é uma das lembranças mais nítidas que levarei comigo e que farão o escuro do Inverno luxemburguês parecer ainda mais infindável.
São os primeiros dias que passamos sem o Vicente depois de dois anos juntos e, se por um lado a lembrança dele nos ataca repentinamente, deixando uma vontade imensa de o apertar nos braços, por outro esta tranquilidade, esta falta de obrigações que nos permite fazer e manter planos simples tem sido uma espécie de bênção. É pena que não haja maneira de conseguir tudo isto simultaneamente e por isso é importante que desfrutemos de tudo a seu tempo.
Os amigos têm feito o favor de nos ver, de conversar como se nunca tivéssemos partido, de fazer-nos sentir como se fosse esta a nossa rotina: uma mini na esquina do Camões, um jantar longo e animado, umas morangoskas na Bica, um pé de dança no Incógnito e a vontade (de alguns!) de continuar noite fora. Estou a tentar não pensar demasiado nisto para não crescer em mim a sensação de que isto não se vai repetir tão cedo e serão longos os meses até que possamos ver toda a nossa gente outra vez. E por isso concentro-me apenas no bom que tem sido poder fazer todas as coisas de que sentíamos saudades.
E agora resta-nos atacar a semana que falta com a mesma vontade, fazendo pequenos planos, visitando a restante família e amigos, saboreando o Sol e os vinte e tal graus que São Pedro teve a amabilidade de nos oferecer. E esperar que a próxima vez não esteja longe demais...
outubro 03, 2012
Sobre partidas
Quando decidimos que íamos emigrar, demorámos um pouco a perceber a dimensão das coisas que teriam (obrigatoriamente) de mudar e a perceber exactamente aquilo em que nos estávamos a meter. Eu, uma orgulhosa de primeira, tinha metido na cabeça que não havia de pedir ajuda a ninguém. Afinal, tanto eu como o M. já tínhamos vivido noutros países e sobrevivido. Não conhecíamos ninguém no Luxemburgo, à excepção de um primo afastado que vivia lá há alguns anos e com quem eu não tenho nenhuma afinidade ou contacto. E ele, como é normal, estava demasiado concentrado na sua vida para poder sair do seu caminho e ajudar estas três alminhas prestes a partir. É normal: as pessoas constroem a sua rotina, estabelecem-se mais depressa ou mais devagar, criam círculos de amigos, arranjam empregos e não precisam de fazer tudo isso por outra pessoa.
À falta dessa ajuda, e como qualquer pessoa, fizemos tudo sozinhos. Arranjámos empregos, alugámos uma casa, conseguimos uma creche e construímos assim o início de uma vida. Felizmente, nunca passámos dificuldades: não nos faltou o que comer, telhado também sempre houve e tudo foi meio caminho para não perdermos a esperança e continuarmos a acreditar que o melhor estava ainda para vir. Nós não sabemos o que é deixar o país com uma mão na frente e outra atrás, sem dinheiro sequer para voltar a Portugal se tudo corresse mal. Nós não recorremos a nenhuma agência de emprego porque as nossas experiências e qualificações nos permitiam outras aventuras. Nós não fomos enganados por intermediários, não fomos levados em promessas, não nos vimos num cenário em que a única solução era voltar para trás. Nós saímos daqui empurrados pela crise e pelo desemprego mas não pelo desespero. E, além disso, um de nós tinha emprego lá.
Aconteceu que agora foi a nós que pediram ajuda. Só que nós dificilmente podemos ajudar. Não temos nenhuma experiência em trabalho temporário nem construção civil, não temos uma rede de contactos sólida. Só que é difícil explicar a alguém que fazem falta qualificações, faz falta formação e educação, fazem falta muitas línguas. Num país onde grande fatia da população é imigrante, os critérios de selecção das empresas são cada vez mais rígidos e mais exigentes e as cunhas dificilmente vingam. E então cabe-nos desta vez a difícil missão de, ao mesmo tempo que não acabamos com a réstia de esperança de alguém, não darmos a entender que ir é fácil. Como é que explicamos que há muitas histórias de miséria de quem se aventura assim sem parecermos insensíveis? Como é que contamos histórias de pessoas que vivem em carros sem dinheiro para voltar sem aumentarmos o terror de quem cá fica? Não gostaríamos nós de ser ajudados, de ser guiados por alguém que já conhecesse o caminho? Não teria tudo sido mais fácil?
Sofrer faz parte desta experiência de emigrar em condições adversas. Seja porque não se tem trabalho, seja porque é tão difícil encontrar casa, seja porque se deixa a família para trás - há muitas coisas que custam. E é tarefa (ingrata, é certo) do emigrante perceber até quando é que a dor e o sacrifício valem a pena. Para muitos, umas semanas difíceis são um sinal que devem voltar. Não há ninguém que nos possa dizer quando é que a dor é suficiente. E nós não podemos (felizmente) dar conselhos com base nessas dificuldades. Nem podemos dizer até quando vale a pena ter esperança. Às vezes, esta voz interior demora a chamar-nos de volta à realidade. Só esperamos que não seja tarde demais para quem não sabe o que fazer.
outubro 02, 2012
(uns minutos para respirar)
Já aterrámos há três dias mas pouco tempo livre tivemos. É bom, apesar de muito, muito cansativo.
A viagem de avião até aqui foi difícil. Aliás, todo o caminho desde que saímos de casa com as malas foi difícil. O bebé Vicente não quer estar preso pelos cintos de segurança do avião, pelo que não é difícil imaginar toda a berraria que houve naquele avião. Tentámos de tudo para o distrair e especialmente para o adormecer mas foi quase tudo em vão. A única coisa que resultou foi chamar-lhe a atenção na aterragem para as casinhas e os carros tão pequenos lá em baixo e assim conseguimos uns últimos dez minutos de sossego. As hospedeiras foram um amor e serviram-lhe o lanche primeiro e até lhe ofereceram lápis de cor e um livro para colorir mas ambas as coisas não tiveram muito sucesso.
Depois a viagem até casa... Meter uma criança cansada e com fome numa cadeira auto para mais umas três horas de viagem também não podia acabar muito bem. Só uma paragem para comermos qualquer coisa nos evitou a catástrofe total e deixou que ele adormecesse na recta final do caminho. Para quem, como nós, vinha ansiando por condições meteorológicas mais favoráveis, fazer uma viagem inteira a chover torrencialmente não foi agradável. Mas no final, o que interessava verdadeiramente era chegar a casa e isso aconteceu já perto da meia noite.
O dia seguinte era o dia de aniversário do Vicente, o que significou um acréscimo de visita e presentes e beijos e abraços que se pediam dele mas que ele dava a custo. Como passamos o nosso tempo quase a todos a três no Luxemburgo, a quantidade imensa de caras estranhas multiplicou-se nos primeiros dois dias, o que aumentou a irritabilidade do Vicente. A isso juntou-se o facto de ele ter saltado a sesta da tarde, os hábitos que agora tem de comer mal e o resultado não foi bonito: um menino exausto no final do dia, bem como os respectivos progenitores que também se desdobravam em atenções.
E a coisa começou a abrandar ontem. É claro que ainda há visitas para fazer mas agora já as podemos programar ao nosso ritmo e, na verdade, já cumprimos a maior parte das nossas obrigações sociais. Desde que chegámos que também temos tido a oportunidade de comer maravilhas da nossa terra e o ponto alto gastronómico até agora foi o jantar de ontem, em que nos podíamos ter ficado só pelas entradas maravilhosas e dispensado sopa, dois pratos e duas sobremesas. Não me lembro de melhor cansaço do que aquele que sentimos à mesa, depois de ver pratos e pratos a passar e de nos vermos obrigados a recusar as segundas doses sob pena de rebentarmos a qualquer momento.
E agora seguem as férias, entre família e uns dias em Lisboa. E eu agradeço a uma qualquer força superior que está a fazer os dias não voarem, deixando-nos tempo para fazer tudo o que esperávamos destes dias sem deixar nada para trás.
setembro 23, 2012
(Quase) 24 dele!
Daqui a uma semana terão passados vinte e quatro meses desde que fui mãe. Fui lembrada sem qualquer delicadeza por um pijama novo que comprámos ao Vicente esta semana: é um pijama enorme, o último tamanho de bebés, com um comprimento de pernas que me assusta. O que também é estranho é a minha capacidade de me recordar dos pormenores do dia do nascimento dele com bastante clareza, ficando com a sensação que tudo aconteceu na semana passada e não há dois anos atrás.
Há já uns meses que as educadoras do Vicente nos andavam a avisar que isso dele ser bebé tinha que acabar, que era um estado que já tinha ficado para trás, que ele agora era um menino. Mas como é que uma mãe deixa de chamar bebé ao seu... bebé? Ainda não sei e por enquanto opto pela variante bebezão grande, numa tentativa um bocado patética de o diferenciar de um recém-nascido. É uma fase um pouco ambígua e isso nota-se mesmo na roupa: já não veste nos departamentos de bebé mas ainda não veste nos de departamentos de meninos. Já percebe tudo o que se lhe diz (e em duas línguas) mas não nos surpreende ainda com frases completas. E é (sem margem para dúvidas) um rapaz: adora bolas, comboios, aviões e helicópteros, carros e todo o tipo de animais. É um descarado que cumprimenta toda a gente na rua e tem uns olhos que lhe garantem sorrisos por todo o lado e gente a oferecer-lhe coisas doces.
Felizmente, viver aqui permite-nos continuar a sonhar com mais filhos. Não será para já (ainda falta uma condição essencial mas que se cumpre numa mão cheia de meses) mas seríamos ainda mais felizes se o Vicente deixasse de ser filho único. Para já, é ele que dá conta da casa, fazendo cambalhotas em qualquer lugar, querendo arrumar a louça e varrer o chão, pedindo para lavar as mãos e os dentes e não reclamando muito na hora de ir dormir. Antes de vir outro bebé, ainda nos falta arranjar maneira de correr atrás dele quando quer sentir a água dos rios, quando quer fugir de nós, olhando sempre para trás para sentir que alguém o segura.
Há muitos dias em que acabamos cansados com as birras e os jantares espalhados por todo o lado e as gritarias do banho. Há muitos dias em que não temos a certeza se caminhamos no caminho certo da disciplina, tolerância e educação e desesperamos por não existir uma fórmula mestra para criar um ser humano espectacular. Mas, como as dores do parto, há coisas que se esquecem numa questão se minutos. E só nós sabemos como as palhaçadas, as palminhas no fim das músicas enquanto grita Bravo!, a forma como me procura nas escadas do prédio todos os dias quando chega a casa, o seu amor por bananas, a forma como nos chama só para saber que estamos ali, a personalidade completamente impulsiva e irascível são as melhores coisas do mundo. É um furacão de olhos grandes e doces, caracóis que não herdou do pai nem da mãe, um bilingue aos dois anos, um beijoqueiro nos dias bons, um amante dos tachos e da cozinha, sempre descalço em casa e orgulhoso dos sapatos e do casaco na rua. Passam quase dois anos desde que o tive no meu peito acabado de nascer e a única coisa que me preocupa é mantê-lo puro, ingénuo, educado e livre pelo mais longo período possível. Isso e dar-lhe o melhor de todo o Mundo.
setembro 20, 2012
A derradeira semana!
Falta agora uma semana até voltarmos a aterrar em Portugal. Cada vez que penso nos dias que faltam, lembro-me do momento em que levantei voo do Porto sem fazer a mínima ideia quando poderia voltar. Naquele momento, tudo o que eu tinha era o exílio e isso deixava-me profundamente triste.
Não é difícil imaginar como me senti estranha depois de aqui aterrar pela primeira. No carro chorei por não saber como gerir as saudades e os dois primeiros dias foram uma mistura nebulosa de dor de cabeça, cansaço, limpezas e uma casa que ainda não era a "nossa".
O tempo passou e, depois de toda a burocracia e emprego e creche e a criação de uma rotina de raíz, eu gosto do Luxemburgo. E gosto mesmo, apesar de ainda ser Verão e já estarem só quatro graus de manhã. A nossa vida mudou radicalmente e conseguimos coisas nestes primeiros meses que nos levariam anos em Portugal. Não é fácil estar longe, muitos dias apetece entrar no primeiro avião que aparecesse mas agora esta é também a "nossa" casa.
Mas estar de bem com a nossa escolha, aproveitar esta oportunidade única não significa que não esteja a contar os dias (sim, segui a sua sugestão e fiz um pequeno calendário para riscar os dias!) e que não caiba em mim de contente por saber o que poder fazer durante duas semanas. Muita coisa envolve comida, é certo! Mas acima de tudo abraçar a minha família e amigos, sentar-me à mesa com todos, poder partilhar o bebé Vicente com todos - é tudo o que tenho desejado nestes últimos dias. E vou continuar a contar, estando cada vez mais perto, imaginando-me de regresso a casa. E se o conforto desta imaginação já é tão grande, nem imagino como será estar lá.
setembro 12, 2012
Força meu Portugal!
Quantas mais notícias nos chegam de Portugal, mais triste fico. Por um lado, sinto-me um pouco envergonhada por ter deixado o país e não fazer parte da luta. É óbvio que o fizemos pelas melhores razões mas não posso deixar de sentir que, como um rato, abandonámos o navio mesmo antes deste afundar. Por outro lado, sinto um enorme alívio por termos saído na altura certa, já cansados de apenas sobrevivermos e antes das últimas (assustadoras) notícias.
Sinto algum rancor do Estado e da forma como funcionam, por exemplo) as prestações sociais do nosso país (critérios e processos labirínticos de atribuição, erros involuntários) mas não sinto rancor do meu país e muito menos da sua gente, que tem vivido calada e esperançada que os todos os sacrifícios darão resultados. Sinto rancor pelo que estão a fazer aos trabalhadores, retirando-lhes poder de compra, empurrando-os para a pobreza, enquanto as grandes empresas, especialmente aquelas que já antes podiam regozijar-se com o lucro, enchem ainda mais os bolsos.
Vejo direitos a serem cortados à minha família, vejo os meus amigos desempregados, sem esperança e sem perspectivas de futuro, vejo a pobreza a chegar a todo o lado. Sinto que se perde a esperança, o que é especialmente grave para famílias com filhos. Sinto-me aliviada por ter escapado um pouco a tudo isto mas culpada por não estar ao lado da "minha gente" neste momento tão grave.
Viver aqui faz-me sentir ainda mais rancor da nossa classe política. Ver como são distribuídas aqui as prestações sociais, perceber que direitos têm os trabalhadores, sentir como são mais justas e equilibradas aa contribuições de cada um só me faz perguntar mais vezes o que raio correu mal em Portugal. Se a riqueza podem ser distribuída mais equitativamente aqui, porque raio deve apenas encher alguns bolsos em Portugal? Se aqui a maternidade (e paternidade) são protegidas e quase encorajadas porque razão fazem contas os portugueses para ter um filho? Porque é que aqui as contribuições tributárias são simples de entender e justas na sua aplicação e em Portugal as pessoas se perdem entre escalões e descontos que nunca se traduzem na melhoria das suas vidas? Não tenho resposta mas creio que há uma certa maneira de funcionar aqui que não vinga em Portugal. E bem, não acho o Luxemburgo perfeito mas do que me é dado a ver é um país mais transparente, mais justo e, não sendo paternalista, mais protector dos cidadãos.
Os dois mil quilómetros de distância não significam que não esteja solidária e profundamente preocupada com o destino do meu país e das minhas pessoas. Assisto, atenta, ao desenrolar das coisas e espero, como todos os portugueses, que os custos da austeridade não caiam uma e outra vez sobre os mesmos. E, mesmo aqui, junto-me aos que gostavam de não ver cair o nosso país. Nunca me manifestei mas este Sábado seria certamente a minha primeira vez.
setembro 10, 2012
Não há mal que sempre dure...
Eis pois que me encontro sem computador e sem carro. Como eu acredito piamente nos provérbios portugueses, uma desgraça nunca vem só. Sem o computador tenho vivido razoavelmente bem, embora necessite dele por razões profissionais, mas sem carro a coisa torna-se muito difícil. O sistema de transportes do Luxemburgo (ou da cidade do Luxemburgo, para ser mais precisa) funciona bastante bem mas torna-se mais complicado quando incluímos no nosso trajecto dois ou mais meios de transporte. Ideal era ter um autocarro que nos levasse de A a B mas aqui em casa já não temos essa sorte, o que torna o nosso quotidiano bastante mais complicado. Agora vivemos como na era pré-carro (para mim é estranho, já não sei o que isso é há doze anos), só que desta vez há um filho à mistura e dá sempre jeito ter uma forma de rápida de chegar a qualquer lado.
Ficámos sem a carrinha a uns vinte quilómetros de casa. Tínhamos ido levar o pai do Vicente a uma corrida (ele estava prontíssimo para os dez quilómetros!) e a carrinha decidiu ficar-se exactamente antes de a estacionarmos. O reboque, conduzido por um português (obviamente!), demorou quase uma hora, o que deixou o pai do Vicente fora da prova. Os três, além de cansados e chateados, estávamos desiludidos com a nossa sorte. A parte positiva de termos ficado a interromper o trânsito debaixo da torrina do Sol e perante a possibilidade de um arranjo caro foi o Vicente ter andado pela primeira vez de comboio, meio de transporte pelo qual ele tem uma verdadeira fixação. Achamos que ele gostou, embora ainda não perceba que está efectivamente dentro de um comboio.
Entretanto já penso no que poderá ainda correr mal porque, lá diz o povo, não há duas sem três. Hoje andei a confirmar os nossos voos para Portugal, com medo que alguma coisa tivesse sido cancelada e nos tivesse dado cabo dos planos. Está tudo na mesma, respirei de alívio. É especialmente importante que tudo se mantenha assim, agora que até tenho uma lista (grande) de coisas que quero fazer em Portugal. É engraçado que, além das coisas óbvias (abraçar família e amigos), grande parte da lista envolve coisas de comer. Não é que aqui não consiga comprar um alheira ou umas postas de bacalhau para demolhar, mas algumas coisas só fazem sentido nas circunstâncias muito específicas. Parece-me é que se calhar me pode faltar tempo para tanta coisa e que as coisas podem não correr como eu idealizei. Resisti à tentação de imprimir um calendário para riscar os dias que faltam mas faço essa contagem várias vezes por dia na minha cabeça.
setembro 05, 2012
Entretanto voltei a trabalhar. Custou-me horrores voltar ao ritmo das madrugadas, apesar de agora poder acordar 45 minutos do que o habitual. Cheguei atrasada no primeiro dia, culpa da Braderie e do consequente trânsito caótico e fiquei chateada porque, apesar da culpa não ser minha, foi essa a primeira impressão que deixei. O regresso a casa não foi menos atribulado e, sem autocarros livres, lá foram dois km de marcha, cheia de raiva e cabeça cheia do primeiro dia.
Trabalho no campo (nas fotos está a vista do escritório e da paragem de autocarro), para contrastar com a localização anterior em plena capital. Só existe um autocarro que chega aqui e a paragem obriga-nos a ficar literalmente no meio da estrada. Nunca precisei tanto de um carro mas a coisa há-de resolver-se.
Não fui recebida com flores desta vez. Não existe aqui a máquina de recursos humanos como no meu último emprego, com todas as boas vindas, com o economato à minha espera e ainda nem sequer tenho computador. Mas sinto que já aprendi mais em dois dias do que nos últimos três meses de trabalho e estou verdadeiramente aterrorizada com o tipo e profundidade de conhecimentos que preciso ter. Medo não tenho e continuo sem perceber porque é que todos os alemães com quem trabalhei adoram andar descalços no local de traballho.
Todos os colegas de trabalho são mais velhos do que eu, o que é uma novidade. Há português com idade para ser meu pai que começou como pescador e já trabalhou em todo o Mundo, a alemã divorciada e com um filho que achas que sabe tudo sobre ser mãe (sobre tudo, na verdade), oo italiano careca que nunca sabe o que fazer. As pessoas demoram algum tempo a reveleram-se individualmente mas é relativamente fácil entender as dinâmicas de uma equipa e aqui é claro que nem todos puxam para o mesmo lado. Mas é um ambiente descontraído, informal, muito geek e algo agitado onde vou conseguir quantidades massivas de conhecimento.
Se é o trabalho ideal? Com certeza que não porque ainda ninguém paga a ninguém para ver filmes, música, escrever e correr. Mas por enquanto (que eu espero seja um longo enquanto) aqui estou. Rezo para que o meu cérebro não queime já e não me deixe ficar mal. O resto são só muitas questões e uns milhares de linhas de comando. Eu sempre soube que devia ter ido para a informática!
agosto 30, 2012
I've got that summertime, summertime sadness
Eu acho mesmo que sim, que acontece o mesmo todos os Verões e aqui mais do que nunca. Há um momento que ainda não sei bem definir em que percebemos, com alguma melancolia, que o Verão acabou. Aqui esse momento aconteceu durante esta semana. As temperaturas mínimas já baixaram aos nove graus e ainda há (teoricamente) um mês de Verão pela frente, às nove da noite já está escuro e às seis da manhã o Sol ainda não nasceu.
Tive um Verão que, na prática, não o foi. Foram uns quinze dias de calor a sério, como manda a cartilha das estações e o resto uma mistura entre chuva torrencial, céus cinzentos e vento. Não houve praia, apenas dois dias de piscina, não estamos morenos, não comemos caracóis, não bebemos imperiais em esplanadas, não sentimos o gosto do sal. Não usámos ventoinha ou ar condicionado, não ficámos na rua até às tantas. Para alguém que vem de um país com tantas horas de Sol percebe-se que isto faz toda a falta do mundo. Tive saudades de ver as ondas de calor a subirem desde o alcatrão, do silêncio das tardes ser apenas cortado pelo vento e pelas cigarras, tive saudades do Agosto em Lisboa. Mas este ano não haverá mais Verão, nem nós seremos os emigrantes saudosos a regressar em autêntica peregrinação ao sítio que é nosso. Restam-me as memórias dos cheiros e do azul de Lisboa, dos quarenta graus pela manhã e planícies queimadas de Portalegre e eu aqui, longe de tudo, longe de todos.
agosto 29, 2012
Deixar para amanhã (e depois de amanhã...)
Eu sou a pior pessoa que conheço a procrastinar. E ainda pioro a minha situação ao meter-me em demasiadas coisas ao mesmo tempo. Já há alguns (largos) meses que não mexia no diário (real) do bebé Vicente para registar o que vem acontecendo com ele, marcando os seus progressos, imortalizando as suas birras e palavras preferidas.
Quando trabalhava em Portugal, sentia que não tinha tempo. Depois despedi-me e não tinha mesmo tempo porque havia tanta, tanta coisa a tratar. A seguir mudámo-nos para aqui e mais burocracias, procuras de emprego e de creche, mais criação de rotinas a impedir-me de actualizar o bom do diário. E depois voltei a trabalhar e a fazer malabarismos com o tempo. Desculpava-me, pensando que me faltava o papel para imprimir as fotografias tal como o idealizámos e isso lá me ia fazendo sentir melhor.
Mas agora há mais tempo. E o papel também já me chegou à caixa do correio. Só me resta descobrir como vou registar tudo o que aconteceu ao bebé Vicente nestes meses sem que ele, no futuro, veja aqui um hiato gigante no seu crescimento. Vamos lá meter mãos à obra! (e recordar tudo o que já passámos hoje que passam 23 meses desde o seu nascimento, o que significa que, de repente, somos pais de um rapaz - e não bebé mas eu não gosto de lhe chamar outra coisa- com quase dois anos... E depois não hei-de eu estar cheia de cabelos brancos...)
agosto 28, 2012
...
- Do que é que vais sentir mais falta?
- De sermos só nós dois.
(não das festas, das manhãs a acordar tarde, dos dias em que não nos apetecia fazer jantar, das noites em que dormia horas seguidas, das refeições que conseguia comer quentes e a horas, da liberdade. Só saudades de sermos os dois, das semanas que passámos separados, da magia dos reencontros à Sexta, daquela certeza que eras aquilo que sempre quis, das horas passadas ao telefone para enganar a geografia, de ser tudo tão perfeito que o nó da garganta não desaparecia nunca, de termos tempo só para a contemplação e de nos olharmos vendo o futuro, de tratarmos com delicadeza o nosso bem mais precioso, o nosso Amor, sem deixarmos que as trivialidades da vida tomassem conta de nós. E tantas saudades da noite em que arranjava para sair, cabelo ainda molhado, e tu a partilhares este video e eu de repente desfeita em lágrimas porque era tudo tão maior que nós. Ainda é assim, eu sei, mas conto os dias para aquele intervalo em que vamos viver outra vez como se o tempo tivesse parado ali.)
(Ainda os terrible two...)
Por muito que tentemos, por muito que respiremos fundo três e quatro vezes tem sido muito difícil lidar com os terríveis dois (anos) do bebé Vicente. Não chega ler o que há à mão sobre parentalidade positiva, não chega racionalizar comportamentos que são (à vista de um adulto) irracionais porque este bebé foi buscar forças sei lá onde.
Há umas semanas atrás cheguei a pensar que estávamos numa fase de namoro com ele: ele estava gentil, acedia aos nossos pedidos com alguma facilidade, choramingava sem chegar a fazer birra. Depressa mudei de ideias. As últimas semanas têm sido uma absoluta loucura no que diz respeito ao comportamento do bebé Vicente: não quer tomar banho e grita e esperneia; não quer mudar a fralda e grita e esperneia; não quer usar o cinto de segurança na cadeira e grita e esperneia; só quer descer todas as escadas do prédio sozinho ou grita e esperneia; se não faz o segundo lanche do dia grita e esperneia; não quer nenhum jantar e grita e há mãos no prato da sopa e há pratos pelo ar e comida espalhada pelo chão. Tentamos verdadeiramente falar com ele, num tom de voz (que nos parece) calmo, explicando o que fez de errado, tentamos que seja ele a exprimir-se e dizer o que lhe falta, o que lhe apetece mas ainda estamos muito longe de conseguirmos manter qualquer coisa parecida com uma conversa.
Passamos o dia longe uns dos outros e é normal que ansiemos pelo final da tarde para voltarmos a estar juntos. Não consigo descrever como é gratificante ver a cara dele, enquanto sobe as escadas, em antecipação do abraço que me está prestes a dar. Mas isto demora uns dois minutos e assim que se sente em casa começam as exigências e as travessuras. Não liga nenhuma a brinquedos, está numa fase em que nem os livros o entretêm e, resumindo, só quer fazer aquilo que não pode (ligar o forno, abrir a máquina de lavar, tirar café, atirar coisas pela janela, desligar e ligar a televisão até à exaustão, mexer no lixo).
Se eu acho que era suposto ser diferente? Na verdade não, parece-me tudo normal quando falamos de um bebé de dois anos activo e curioso. Se às vezes nos sentimos esgotados, incapazes e aterrados com a possibilidade de estar a falhar na educação dele? Vezes demais, é aquilo que sinto. Mas como não há grande coisa a fazer, respiramos fundo (muito fundo) e preparamo-nos para mais umas horas de agitação. Afinal, ninguém disse que ter um filho era fácil.
agosto 23, 2012
Passear nas Ardenas
Fomos passar o fim de semana à Bélgica (na região das Ardennes) com amigos*. Ficámos numa casa de campo numa aldeia minúscula, onde só podíamos ouvir os tractores passando carregados de fardos de feno, as moscas que se abrigavam em casa da onda de calor e um sino ocasional assinalando alguma festa nas proximidades. Os nossos anfitriões ajudaram-nos com os planos para ocupar alguma parte dos nossos dias e, já familiarizados com a qualidade do nosso vinho, sorriram abertamente quando dissemos que éramos portugueses. Foram dias de tranquilidade, em que passámos a maior parte das horas do dia debaixo de água, em cenário natural ou complexos para famílias com temperaturas tropicais, buscando alívio no fresquinho que se fazia sentir em casa. O bebé Vicente ganhou a sua primeira bicicleta (esta, bem apropriada para o ajudar a ganhar equilíbrio) e foi vê-lo a gritar Kika! Kika! com a maior felicidade que já lhe vi depois de receber um presente. Foi muito bom sair do nosso campo para um sítio tão bonito e calmo e aproveitar uns verdadeiros dias de Verão belgo-luxemburguês!
* a vantagem do Luxemburgo nos ter escolhidos como seus habitantes é que nos colocou bem no centro da Europa, tornando as nossas deslocações mais fáceis e fazendo dos encontros com alguns amigos que se espalham por aí uma coisa quase trivial. Melhor só mesmo se fizesse o mesmo com a nossa família mas os milagres ainda não acontecem. Não é difícil perceber porque é que cada vez mais nos sentimos em casa aqui!
agosto 22, 2012
(Muito) Devagar se vai ao longe
Tinha feito um compromisso comigo mesma ainda antes das férias começarem: correr sempre que pudesse nestes dias livres. Até agora a coisa nem vai muito mal, se pensar que só não corri no feriado e nos fim de semana que estivemos fora (podia até ter levado o equipamento mas trinta e tal graus de manhã à noite eram motivo suficiente para nem me equipar).
O que me está a chatear mais nisto tudo é que não tenho conseguido avançar muito em termos de distâncias percorridas e o meu (modesto) sonho era poder chegar a Setembro a correr aí uns cinco quilómetros. Tendo em conta que me falta uma semana e dois dias de férias, acho que é seguro dizer que isso não vai acontecer. Tenho estabelecido outras metas mais realistas e tenho conseguido cumprir, por isso nem tudo é mau. Sinceramente, só me faltava ver alguns resultados práticos mas também tenho consciência que não são estes minutos de exercício que me vão trazer o milagre que preciso mas há que começar por algum lado. E além disso, apesar de gostar da corrida solitária, sinto falta de poder ter alguém que aguente mais ao meu lado para me motivar a ultrapassar aqueles que acho que são os meus limites. Infelizmente, aqui não podemos correr juntos porque não temos ninguém que fique com o bebé Vicente e correr em parceria está fora de questão. Também não me queria juntar a nenhum clube ou grupo, só queria alguém que me fizesse ir buscar as forças onde elas estão escondidas (mesmo sabendo que só eu é que posso saber onde elas estão).
Neste momento, o que quero é conseguir manter o ritmo até ao final das férias e depois tentar conciliar a corrida com o novo emprego. Acho que já desisti de correr depois do trabalho. Em Lisboa isto parecia funcionar muito bem mas apenas por um (enorme) pormenor: quando corria na Estrela ainda não tinha um filho! Agora preciso desse tempo à tarde e não vejo outra alternativa senão começar o dia a correr, mesmo que isso me custe uns minutos de sono. De mais a mais, trabalhar depois de correr faz-me sentir um bocado imparável e mais capaz de enfrentar as horas do dia que ainda tenho pela frente. E também já penso no Inverno: como manter algum ritmo entre neve e temperaturas negativas? Por muita força de vontade que se tenha, acho que facilmente irei sucumbir ao conforto de me manter em casa mas não sei, alguma alternativa surgirá.
agosto 15, 2012
Saudades de 2000 e poucos
Houve um tempo (digamos há uns oito anos atrás) em que havia blogs verdadeiramente genuínos escritos por gente normal e com muita graça (lembro-me, entre outros, deste e deste). A maior parte deles foi ficando esquecida pelo caminho, por falta de tempo dos autores, por falta de público que os lesse, ou por outras razões quaisquer. Ri-me bastante com estas pessoas que construíam personas tão divertidas, tão cuidadosamente imaginadas, pioneiras nessa coisa de se dizer o que se pensa sem que a opinião dos outros importe. Era tudo gente que escrevia bastante bem, aposto até que se calhar até perteciam a um mesmo círculo de amigos ou de conhecidos - eram os bloggers que eu admirava por me faltar essa criatividade.
Depois, a coisa evoluiu e até se democratizou. Hoje em dia muita gente tem um blog, algumas pessoas já são trend setters à custa das visitas que recebem diariamente, há muitos, muitos wannabes. Mas sinceramente já há poucas pessoas que me interessem ler. O que eu sempre procurei na blogosfera foram janelas para outras vidas, pessoas que escrevessem bem, que fossem interessantes (e nisto pode caber quem fale dos filhos, de música, de viagens, de livros, da televisão e do Mundo em geral). Fico sempre fascinada com pessoas que sabem relatar a sua vida com algum recato, sem procurarem ter a vida dos outros, conseguindo trasmitir a sua maneira peculiar de ver o Mundo.
Isto tudo para dizer que tomei hoje a decisão de deixar de ler alguns blogs porque já não suporto a publicidade misturada com um pouco de hipocrisia (ah eu recebo os produtos mas sou livre de dizer que não gosto...), já não suporto a ausência dos conteúdos que lhes conseguiram a popularidade, já não suporto a superficialidade daquilo tudo e as caixas de comentários a rebentarem de fel. Sinto algumas saudades do tempo em que as estatísticas, as opiniões, a moda, as discussões sobre o dinheiro que se ganha e se gasta não eram os temas principais. Sinto pena por ver cada vez mais blogs nascerem e crescerem à sombra de da imagem de outros, de ver as pessoas a aspirarem apenas a serem importantes, o que quer que isso seja. Não perdi totalmente a fé porque há sempre gente com ideias, com bom gosto, com vidas com menos glamour mas com mais substância, gente que me embala com a sua escrita. Eu só decidi não ler mais o que notoriamente me irritava mais do que agradava e assim deixo de ter que lidar com toda essa decepção. Uma pessoa até se sente mais leve!
agosto 09, 2012
Perita em despedidas
Esta que vos escreve começa a sentir-se uma fada da despedidas.
Na Segunda-feira foi o meu último dia no escritório. Dada a falta de tempo para fazer bolos para aquela gente toda, resolvi levar qualquer coisa que me representasse e corri ao supermercado português. Levei umas línguas de gato, umas cavacas, umas broas de mel, decorei uns básicos pratos de plástico, disse até já em várias línguas e espalhei tudo pelo escritório. Não sei se tive muito sucesso: pareceu-me que enquanto lá estive os pratos estiveram quase sempre na mesma mas para falar a verdade não me podia importar menos. Não que seja uma cabra insensível mas algures no caminho, e especialmente desde que soube que ia sair, resolvi não me apegar a ninguém para não sofrer desnecessariamente.
Tinha pedido ao meu chefe para espalhar a notícia, o que ele falhou em fazer. Faltavam uns dois dias para me despedir e quase ninguém ainda sabia. Quando o boato se começou a espalhar, as pessoas começaram a vir ter comido e eu falei mais e com mais gente em dois dias do que em três meses inteiros ali. Coisa estranha mas enfim. Descobri que toda a gente procura um novo emprego, que o ambiente no meu departamento era de cortar à faca e fiquei desconsolada por nunca ter percebido o que se passava à minha volta. Fiquei com a sensação de houve gente que se aproximou de mim nesses dias para saber onde há vagas, sem se interessar minimamente por mim. Percebi que podia ter feito uma boa amiga ali: no penúltimo dia almoçei com uma colega espanhola e o tempo passou sem darmos por isso, resultado das nossas afinidades. Fiquei com aquele sabor amargo de saber que as promessas de telefonemas e cafés nunca se concretizarão.
O meu chefe levou-me à porta e, imediatamente antes de sair, insinuou que vou fazer a escolha errada mas que poderei, se necessário, regressar. Não gostei desta atitude: posso passar de cavalo para burro, pode o ordenado não compensar as restantes condições, posso não simpatizar com ninguém - mas assumirei as consequências da minha decisão. Esperava dele que aceitasse a minha decisão sem tentar interferir de maneira alguma e não que se comportasse de maneira algo infantil mas agradeci o tempo que ali passei e a oportunidade que me foi dada e saí. De bem com a minha consciência e ainda sem perceber verdadeiramente que me esperam quatro semanas de férias. Tantos dias de férias antes de recomeçar! E muito tempo para pensar que não me quero despedir de mais nada/ninguém tão cedo.
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