abril 26, 2007

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Olhas como que através de mim, cada fissura, imperfeição. Olhas como se eu não estivesse aqui e fazes-me duvidar se tens razão.
Linda Martini

Vocês, pessoas, cansam-me.

Primeiro, são as pessoas com quem se tem que trabalhar. Chegam atrasadas, não chegam, reclamam porque está calor e porque está frio, não gostam de estar sem fazer nada mas também não podem trabalhar muito, querem ganhar mais mas trabalhar menos, não estão dispostas a fazer sacrifícios mas choram pelos louvores, obrigam-me a malabarismos organizacionais impossíveis, tornam cada conversa num momento ininteligível, não querem responsabilidades mas reclamam se não contamos com vocês. Uma coisa é lutar pelos nossos direitos, outra é ser muito pouco razoável. Chega de serem chico espertos! Por um dia, um dia só, sejam só um bocadinho mais compreensivos e profissionais e justos. Deixem de ser mesquinhos e trafulhas: trabalhem só. Será tão difícil ser simples?

Depois, são as pessoas na rua. Cortam as unhas nos autocarros, reclamam por ir de pé e por ir sentadas, comem com a boca tão aberta que acompanhamos o desenvolvimento integral do vosso bolo alimentar, sorvem as bebidas, reclamam porque não sabem o que é um túnel, querem ser os primeiros em tudo, querem aparecer na televisão sem terem nada de interessante ou inteligente para dizer, falam mal do governo mas não votam porque 'são todos iguais!', têm saudades de um ditador que vos privava da liberdade e do conhecimento, fazem turismo lá fora porque é mais fino e nem conhecem o vosso país.

E finalmente, as pessoas que fazem parte da minha vida. Entram e saem sem dar justificação e esperam que eu aceite isso com naturalidade, esquecem-se de mim quando é mais conveniente, não ouvem o que eu tenho para dizer, tratam-me como se fosse invisível mas olham-me nos olhos como se me soubessem de cor, querem usar e deitar fora, não compreendem a forma que escolhi para viver, escondem-me segredos e não-segredos, mentem-me sem dó nem piedade nem medo de que venha a descobrir, entram-me na cabeça sem pedir licença e vão ficando, gostam mas depois não gostam. Será que um dia podemos só experimentar dar e receber? Em quantidades iguais e em períodos coincidentes. Sem medo de falhar e sem vontade de escangalhar tudo. Reciprocamente.

E, por muito que odeie o eco dos meus passos no corredor de casa ou que odeie sentar-me à mesa sozinha e que não tenha alguém com quem falar destas parvoíces todas, a melhor coisa é mesmo enrolar-me sozinha em casa. Sem dizer nada, sem incomodar, sem ferir.

*e não, não é um post amargo, apenas cansado.

5 comentários:

Anónimo disse...

Bom, eu tenho saudades das pessoas que descreveste no segundo parágrafo. Quanto às outras, acho que nao é um sintoma típico de Portugal...

Beijinhos

Meow disse...

Gostei muito do texto!

M. disse...

Pollie, não digo que sejam exclusivamente portuguesas, essas pessoas... Mas há dias em que me aborrecem especialmente :)

Meow, thanks! Suponho que escrevo melhor ou sob pressão ou sob ira pura :)

Pedro disse...

Tenho que concordar e acrescentar um grupo de pessoas também muito irritante: as que lêem ou ouvem este tipo de coisas e depois dizem, paternalmente, "Devias ter mais fé nas pessoas". Cambada de escuteiros!

As pessoas que são interessantes estão tão diluídas neste mundo que, nos dias de chuva, parece que não existem.

M. disse...

Eu cá continuo a achar que há por aí muita gente interessante. Mas é pena que me continue a cruzar maioritariamente com pessoas que não pertencem a essa categoria.

E digo-te: as pessoas interessantes podem estar diluídas mas é exactamente nesses dias de chuva que as vejo melhor.