O nosso último encontro fez secar o veio largo de onde jorrou um dia o nosso amor. Caminhava de cabeça baixa, como sempre costumo fazer para evitar o contacto com os outros mas levantei a cabeça no momento errado, no preciso momento em que atravessavas a rua, vinhas direito a mim, querias que eu soubesse que estavas ali e que não me guardavas nenhum rancor. Olhaste-me tão friamente, como se nesses olhos não pudesse mais ver um gesto de carinho, como se a minha imagem tivesse morrido em ti e tivesse apenas renascido para que a pudesses castigar. Eu fiquei com a sensação de que tinha conseguido disfarçar o incómodo. Mas tudo nos teus olhos me dizia que sabias precisamente o que estava a sentir e, mais uma vez, acusavas-me de qualquer coisa que não sabia definir apenas com o teu olhar.
Passaram só três meses, sabias? Passaram três meses desde que descobriste e desde que eu não soube como explicar. Não quiseste as minhas palavras mansas nem ouvir-me falar de perdão ou da improbabilidade do amor. Tantas vezes achei as palavras certas para me explicar, tantas vezes soube exactamente o que precisava de te dizer. Mas em todas elas estavas longe de mim e em todas também eu senti um imenso vazio, uma sensação de cansaço dessas palavras. Foram danos irreparáveis. Foi tudo demasiado rápido e, mesmo tendo achado a palavra certa para me desculpar, eu nunca quis estar novamente perto desse abismo que abrias à minha frente quando me olhavas daquela maneira.
Já só consigo ver-te ao longe. Não suporto engasgar-me mais nas desculpas que mastiguei, nas fábulas que inventei para te aproximar de mim, nos esforços esgotantes para te fazer compreender uma coisa que não quero que compreendas. A fórmula que encontrei para te manter mais perto é empurrar-te para longe antes que sejas tu a riscar-me do tempo presente. Destruí brutalmente o que sentias por mim. Por favor, deixa-me conservar a secura das tuas palavras.
* ficção sobre Untitled Film Still #58 de Cindy Sherman.
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