agosto 19, 2006

Take my hand, knot your fingers through mine
And we'll walk from this dark room for the last time


Mais um regresso a casa, desta vez não para dois dias felizes ou, pelo menos, dois dias de descanso e tranquilidade. Das primeiras coisas a que tive que assistir foi ao caminho muito lento do meu avô para a morte, devagarinho como ele, que nunca teve pressa. Lembro-me de me terem oferecido umas botas vermelhas quando era pequena e levá-las para que eles as visse: trabalhava por turnos e estava ainda deitado. Eu chegava, acendia a luz e ficava ali perto da cabeceira da cama, orgulhosa das minhas botas. E ele não se queixava, não precisava de dormir. E agora é duro vê-lo a definhar todos os dias ou, pelo menos, todos os dias que venho cá, o corpo a ficar cada vez mais pequenino, mais curvado, mais magro. A boca de onde não saem palavras completas há... quantos anos? Cinco? Dez? Eu já nem sei. E pensar só como me sentia feliz quando ele me dizia 'Um B e um A?' e eu respondia 'Ba'... A ele devo ter entrado na escola a saber ler, a saber escrever, a querer aprender. Por isso, quando ele fôr, e eu acredito que não deve demorar muito, vai ficar uma saudade imensa do tempo em jogávamos à sardinha ou do tempo em ele não se cansava de me ouvir a falar da minha vida sozinha.

Depois é ver esta cidade. É ver como no Verão toda a gente tenta fugir, tenta fingir que a vida está noutro lado, pelo menos durante quinze dias. Os bares estão fechados, as actividades culturais também foram de férias. Há os resistentes, os que ficam porque lhes apetece ou porque o trabalho não os deixa fugir. Com esses é bom beber uma cerveja, é bom ficar e rir e disparatar até o sono se tornar insuportável. Atravessar a praça numa noite de Agosto que parece uma noite de Novembro, entrar no carro frio e conduzir sem pressa até casa.


E finalmente há os planos que me desfazem, que me negam. Planeamos, confirmamos os pormenores, esperamos, não, é mais do que isso, ansiamos e depois nada. Enquanto eu fazia a viagem para cá pensava que alguma coisa ia acontecer. Podia ser comigo ou não mas sabia que alguma coisa me ia impedir de fazer o que quero, o que me dá na gana. Agora que finalmente eu faço o que me apetece, que me abandono sem pensar nessa palavra perversa que é 'amanhã', agora que só interessa esquecer-me de tudo (por horas ou minutos ou dias, isso não interessa realmente). Engoli em seco porque, de certa forma, acho que sabia que alguma coisa me ia travar. Encolhi os ombros porque a força que nos faz chocar uns com os outros é a mesma que nos separa.


(porque às vezes não há optimismo que resista)

5 comentários:

Meow disse...

Mas que belo texto! Infelizmente ambos os meus "avôs" já se foram, um deles em Novembro passado. Foi uma morte que me marcou imenso porque não o vi antes de morrer, porque não o ajudei a fugir do hospital, porque o deixei morrer num sítio que ele detestava e que toda a vida tinha evitado... Aquela célebre frase "Só valorizamos as coisas quando deixamos de tê-las junto a nós" é mesmo verdade!

Força!

Anónimo disse...

:(

Sofia disse...

/me dá abraço.

mafaldinha disse...

Sabes que nesta terra deserta há gente que ainda gosta muito de ti? Sabias disso?

M. disse...

Mafaldinha: :D