Foi um serão empolgante. O grande auditório do Centro de Artes do Espectáculo era o cenário e, embora não estivesse totalmente lotado, estava quase cheio. Era o primeiro dia deste livre trânsito que me calhou em sorte e estava a sentir que aquele lugar da sala era sem dúvida o melhor. A fila J, a cadeira 14 deixam-me exactamente no centro da sala, como se o espectáculo fosse acontecer apenas para mim.
Mentiria se dissesse que sou a maior das fãs dos Clã. Mentiria também se dissesse que comprei religiosamente todos os discos ou que segui os seus concertos por locais vários. Mas sempre senti uma grande empatia por cantarem tão boa música portuguesa, por não serem pretenciosos nem demasiado humildes, por me parecerem exactamente conscientes do que valem. O concerto que vi ontem, a inaugurar a nova temporada de digressão e a marcar o lançamento do novo Cintura, mostrou-me que eu estava enganada, não relativamente ao seu valor mas à atenção que até agora lhes prestei.
A música dos Clã é uma celebração: uma celebração da língua portuguesa, uma celebração da mulher mãe e amante, uma celebração da vitalidade e da sensualidade. Com um visual totalmente renovado, os Clã vieram reabrir esta sala de Portalegre (depois da sua remodelação) num estado de graça, motivado pela ansiedade em voltar aos palcos. O concerto baseou-se primordialmente nos temas do álbum que agora lançaram e alguns êxitos de discos anteriores, músicas familiares cantadas por muita gente na sala. A Manuela é um inesgotável poço de candura, de sensualidade e energia, dominando o palco (e consequentemente o olhar dos espectadores) com a sua frescura de mulher feita. Senti-me inevitavelmente atraída pela forma descomprometida como se move, como se esquece que está perante estranhos e se deixa conduzir pela música, como é várias mulheres em frente àqueles microfones. É como se, cantando, me dissesse que está tudo bem.
Os Clã provaram que se sabem reinventar e trouxeram a Portalegre memoráveis momentos de dança (que o público optou por sentir apenas no bater do pé), com linhas de baixo muito sujas de onde brotava todo o ritmo. Trouxeram também o rock nas guitarras de Hélder Gonçalves e na máscara gigante com que Manuela cantou uma das suas músicas: era Paulo Furtado, na sua versão The Legendary Tiger Man. Houve tempo para as baladas que se impunham (O sopro do coração, Problema de expressão, a novíssima Ponto zero) e que foram cantadas apenas timidamente pelo público, sob pena de impedir momentos de cristalina intimidade. Também houve espaço para o refrão contagiante de Dançar na corda bamba ou a estranheza transvestida de doçura de Carrossel dos esquisitos.
Foi, em suma, uma noite belíssima que terminou com a Manuela lançando aviões de papel para a plateia. Era impossível não sorrir. Assim como também era impossível não aplaudir com toda a força, de pé, demoradamente, até a banda regressar para a vénia final. Foi um bom prenúncio para os Clã. E para nós também, que podemos continuar a ser felizes ao som de música feliz.
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