março 31, 2008

Ficção #3

(Sobre alguém que ainda não conheço.)

Tento domar o cabelo com um elástico em frente ao espelho. Estou sozinha em casa mas é como se ele espreitasse sobre o meu ombro. Primeiro, sinto-me tentada a sorrir. Mas logo repito, em silêncio, as palavras com que me enfeitiçou mais uma noite. Decorei cada sequência para poder repeti-la na minha cabeça até à náusea, até me sentir livre outra vez. Sei de cor todas as mentiras que me disse até agora, todas as promessas ocas que esbanjou em todas as noites que estivemos juntos. Como se me pudesse iludir durante mais que umas horas. E mesmo essas horas sou eu que mas permito, como um barco frágil navegando desgovernado nesse mar de palavras que já não sei se ouvi ou se inventei. Quando mais me olho no espelho, mais suspeito que está a acontecer outra* vez. E, como em todas as vezes, planeio sair**. Receio que, como sempre, vá sair tarde demais e preparo-me para os estilhaços do que aí vem.

* a corda ainda prende o pé mas eu já fugi daqui tantas vezes
** ainda é cedo muito tarde p'ra me vires buscar

março 29, 2008

Só porque não há duas sem três.

E porque estou extremamente feliz. Não me interessa que não tenha um pé de meia para as eventualidades. Gosto de concertos.

Alla Polacca

Cumprindo o ritual das sextas-feiras, ontem foi noite de ver os Alla Polacca aqui. Acho que foi o primeiro concerto a que assisti em que o encore foi brutalmente melhor que o concerto em si. Portanto, não subestimem o poder das minis alentejanas: depois de beber algumas, a música pode tornar-se incrivelmente mais densa e inspiradora. E para terminar a noite, nada como um pezinho de dança ao som dos Vampire Weekend e a Someone Great dos LCD Soundsystem a fechar. Perfeito.

Pórtiched

Portanto, o concerto dos Portishead...

Eu já sei o que os fãs indefectíveis vão dizer. Que foi um espectáculo, que foi o concerto da vida deles, que esperaram anos para vê-los, que já tardava o regresso. Eu não pertenço a esse grupo de pessoas: gosto dos Portishead mas não são a banda da minha vida nem pouco mais ou menos. Ouvi-os muito numa altura mais feliz da minha vida e por isso não os consigo associar a outra coisa senão felicidade. Mesmo que o negrume de algumas músicas (como na Wondering Stars) às vezes se imponha e faça esquecer tudo.

Gostei do concerto. As músicas com as linhas de baixo mais graves e com as batidas sujas podiam ter sido enormes mas foram só assim-assim. A escuridão continuou a ser a escuridão e a voz da Beth provou(-me) ser suficiente para encher o Coliseu inteiro. Safaram-se os três ecrãs atrás da banda que, projectando imagens ao sabor da música ou a banda enquanto tocava, ajudaram a tornar a música mais envolvente. Mas foi só isso. Gostava que tivessem falado mais com o público - afinal sempre são onze anos sem dizer olá. Gostava que ela estivesse mais tempo virada para o público do que para os músicos. Gostava que tivesse existido uma centelha de emoção. Eu não senti muita.

março 26, 2008

Grandes receitas para pequenos problemas

Esta semana, apenas com quatro dias de trabalho, revelou-se a mais difícil dos últimos tempos. Já tinha regressado o escritório com a certeza de que a minha tentativa de desinteresse não iria passar em claro mas não esperava o embate de ontem. A procura de um novo pouso não parou mas a ideia de ter férias daqui a uma semana tranquiliza-me - é mais tempo para procurar. Para este desalento e cinzentismo todo encontrei as receitas:

- ver episódios da terceira série do Lost como se não houvesse amanhã, até chegar ao célebre (pelo menos neste grupo amigos) episódio dezanove. Sentir o rabo dormente de tanta hora passada deitada/sentada/em permanente escorreganço entre a cama de lá e a cama de cá;

- tratar dos assuntos relacionados com números (novo jogo de pneus a um preço mínimo já a caminho e a declaração de impostas preenchida em dez minutos para, no momento da simulação, perceber que devo receber para cima da centena de contos);

- ver a bebé mais fofa dos últimos tempos, a primeira filha de um dos amigos mais chegados. Despertar os sorrisos da pequena para depois ela bolsar - primeiro no meu casaco, depois para dentro da minha mala;

- chegar a casa e abrir o correio para ficar surpreendida com a eficácia. Levantar na estação de correios de Campo de Ourique o novo pack Linda Martini (vinil+EP+tote bag) e o novo dos If Lucy Fell;

- relativizar. Mas relativizar tanto que nem mesmo a possibilidade de morrer à fome me pareça importante. Relativizar até sentir que os meus problemas são patéticos e risíveis. Relativizar até sentir os problemas dos outros como meus.

E rezar... Bem, não exactamente rezar mas qualquer coisa parecida com pedir baixinho a uma entidade superior qualquer que faça isto passar depressa, que ainda me dispense o poder da decisão e da clarividência, que não me deixe esgotar em trivialidades e faits divers. E que me dê tranquilidade. É pedir demais, talvez. Mas metade do caminho já fiz eu.

março 24, 2008

Pull me out (of the possible car crash)

O carro perdeu imensa velocidade e, vindo da bagageira, começou um ruído altíssimo e estranho. Pensava que era simplesmente por a subida ser acentuada e o carro, velho como é, não estar a aguentar. Mas afinal era um furo. Não, melhor: era um pneu novo completamente estraçalhado.

Não foi assim muito divertido. À velocidade a que ia, foi quase um milagre o carro não ter desviado a sua trajectória e não ser obrigada a nenhuma manobra súbita. Estava bastante calor para estar parada ao Sol. O triângulo, que nunca antes tinha usado, estava partido. O colete também ainda não tinha sido retirado do saquinho plástico. Depois de tudo devidamente sinalizado, peguei no pneu suplente e no macaco para começar a troca. O carro estava demasiado baixo para conseguir enfiar o macaco no sítio e levantá-lo. E foi mais ou menos aí que começou a frustração, talvez até um pouco mais cedo: sentir que precisava ser mais autónoma e não conseguir, querer resolver um problema e sentir que a solução está a uns quilómetros de distância. E a solução não foi exactamente a assistência, mas sim o meu paizinho*, que ainda estava a poucos quilómetros de casa.

Odeio ser frágil. Porque não era não saber como se mudava um pneu- era não ter a força para alterar a inclinação do carro, para contrariar as leis da física. E provavelmente, mesmo que conseguisse colocar o macaco na posição correcta, não iria conseguir desapertar as porcas. E agora, como se o resto das despesas não estivessem já contra mim, vou provavelmente ter que comprar dois pneus. Portanto, foi um dia impecável, a deixar a minha auto-estima e o meu orçamento pelos dias da amargura. Nem sei se hei-de pensar que melhores dias virão ou que o pior ainda está aí a espreitar... Vou fingir que não me lembro da lei de Murphy.

* que, quero que fique registado publicamente, é o maior do Mundo por correr sempre para mim quando preciso, por me acalmar com aquele ar de quem sabe tudo (mas tudo!) o que é preciso e que não fica zangado por me ter ensinado a mudar um pneu sem sucesso (vemos agora).

março 22, 2008

Ölga

Mais uma noite, mais uma surpresa. Três moços apenas, projecções numa parede que desta vez pareceu pequena, a casa quase quase cheia. Mais música a descobrir, a provar que nem sempre tenho sido ouvinte atenta da nova música portuguesa. Podem ouvi-los aqui.

março 21, 2008

E não consigo evitar falar nisto.

Não sou professora mas quis ser durante quase toda a minha vida. Desde a minha quarta classe que sentia que era isso que saberia fazer e só as vicissitudes da vida (um curso que demorou demasiado tempo a ser acabado, um mercado de trabalho que mudou drasticamente, outros horizontes e outras pessoas) me fizeram mudar de ideias. Mas, mesmo não pertencendo à classe, não consigo deixar de ficar indignada com os últimos acontecimentos. O video que agora veio a lume só vem dar razão à minha (forçada) decisão: ser professor é uma questão de vocação e de esforço, muitas vezes não compensados.

Não me choca que o video tenha chegado à internet, é apenas natural que isso acontecesse. Nem me choca que o motivo da discórdia fosse um telemóvel porque é apenas um sinal dos tempos em que vivemos. Mas toda aquela falta de respeito, todo o desprezo que os alunos mostraram pela professora deixa-me enojada e envergonhada. Fico constrangida quando penso que é com aquela frivolidade que os alunos se sentam numa sala de aulas. Sempre fui uma aluna sossegada mas reconheço a naturalidade de alguns comportamentos, especialmente em idades tão estranhas como são os 14 ou 15 anos. Tive colegas que gostavam de provocação e de desafios mas nunca a este nível.

É claro que desrespeito existiu sempre. É evidente que sempre houve alunos calados e alunos destabilizadores. Mas provavelmente a estes distúrbios seguiam-se medidas correctivas que, pelo menos, restituíam alguma dignidade aos ofendidos. Sou nova mas ainda me lembro dos caldos do professor Júlio ou das chapadas de outros professores. E, atenção, sou completamente contra todas as formas de violência. Mas também sou contra situações destas, em que os alunos saem normalmente impunes, os professores enxovalhados e os pais a culparem o sistema educativo, disfarçando a falta de atenção e incapacidade de imposição de disciplina que vivem em casa.

Chamem-me velha... Provavelmente, este é o início do generation gap que, mais tarde ou mais cedo, me iria atacar. Mas prefiro ser velha do que insensível. E prefiro sentir o abismo entre a minha geração, à qual um dia chamaram rasca, e esta geração, em que muitos depositaram a confiança para mudar o estado das coisas. A juventude sempre foi um período de instabilidade, de fervor, de impetuosidade e ausência de limites. Mas de burrice e desprezo pelos outros não.

Sobre não saber resistir

Eu não sou uma pessoa de doces. Conquistam-me mais facilmente com uma empadinha ou um croquete de carne do que com uma tablete de chocolate. Tenho chocolate há séculos no meu frigorífico e vou continuar a ter o mesmo porque não tenho vontades súbitas nem o hábito de comer doces. Mas hoje, durante uns momentos, fui gulosa. A minha irmã (que me mima sempre (L)) trouxe-me estes chocolates* e garantiu-me que valia a pena experimentar. O triângulo tinha um recheio de framboesa e creme de chocolate, o quadrado em cima tem 99% de cacau e o quadrado em baixo tem, como se pode comprovar, um salpico de ouro (!). O triângulo já foi e bem, é uma maravilha ouvir a capa de chocolate a estalar! Eu sei que hoje era suposto ser um dia santo e assim. De qualquer maneira, se realmente houver Céu e Inferno, eu já sabia onde vou parar.

* artesanais, integralmente feitos à mão e que podem comprar-se em Portalegre! A loja chama-se Sons e Sabores e fica na rua Direita, onde era a antiga (e saudosa) Woodstock. Se estiverem por cá e quiserem adoçar a boca, já sabem

março 19, 2008

Dormir mais feliz #12

We all recognise that I'm the problem here
We all recognise that I'm the problem here

It's impossible to know or so it seems
What I'm supposed to do with you on anything
I know that playing this time is going to fall on me
A vida anda tão parada e desinteressante como uma repartição pública na tarde de amanhã.

(apesar de ontem à noite ter estado em vários lugares com algumas das vistas mais deslumbrantes sobre Lisboa, enquanto a chuva se envergonhava de cair; de ter oscilado, ao jantar, entre uma feijoada e um belíssimo arroz de marisco; de ter partilhado uma shisha com sabor a limão com outros não fumadores; de ter feito planos para o próximo festival de Verão que vai, de certeza, ser diferente de todos a que fui até agora; de deixar de trabalhar amanhã às cinco da tarde e só regressar na terça, às nove e meia da manhã; de ficar a saber do concerto que vamos ver este fim de semana e da festa que se prevê de arromba; de decidir que vamos a Espanha comer o sorromilho da dona Estrela este fim de semana e, quem sabe, ver moças de fato de treino, mala e sapatos de senhora)

Este foi o truque que me deu mais trabalho a aprender até hoje: ser feliz com coisas pequenas. Nem fazer bolinhas com o fumo me custou tanto.

março 17, 2008

Caramelo

Pensava que o Domingo já tinha acabado. A porta já estava trancada e o pijama vestido, só esperava que chegasse o sono. Inesperadamente, surgiu um convite para a sessão da meia-noite que eu, cansada de estar sozinha, aceitei logo. Fomos ver este filme que é, como alguém o descreveu, uma espécie de Almodóvar libanês, com a vantagem de ter mulheres ainda mais bonitas no elenco.

(e aquele perfume ali ao meu lado, a estranheza de todos os momentos, a rapidez com que os pensamentos me atravessam a cabeça. i just don't know what to do with myself)

março 16, 2008

Easy like (ok, vocês sabem o resto...)

Não me lembro de um Domingo tão bom há muito tempo. Tinha aproveitado a noite de Sábado para recomeçar a procurar emprego, o que não abona muito a favor das noites do meu fim de semana. Vesti uma t-shirt que me ofereceram lá no escritório e agarrei-me aos anúncios: era assim uma espécie de vingança infantil, como se estivesse a espetar uma faca nas costas da empresa que até agora me acolheu bem. Enviei uns quantos currículos, que isto agora é moda - as candidaturas online. No meu tempo, escrevi uma série de cartas de motivação, comprei uma série de envelopes A4 e gastei uma série de dinheiro em selos... E a verdade é que nada disso me conseguiu o emprego que tenho agora mas adiante: de ausência de respostas e currículos em vão todos temos a nossa parte.

Mas esqueçamos o Sábado. O Domingo valeu por todos os dias em que me andei a arrastar Lisboa fora, sem vontade de acordar nem de trabalhar. Dormi doze horas, apesar dos meus planos para a noite incluírem cervejas, das quais apenas cheguei a beber duas. Comi daqueles pequenos-almoços que não dão vontade de comer mais nada durante o dia. Estendi-me na cama do quarto vazio e li quase tudo o que tinha em atraso durante quase quatro horas. Depois do banho, comi um pseudo-almoço que metia salmão e espinafres só para dizer que sim senhor, tinha almoçado. Saí de casa apenas para levar a reciclagem e beber um café, que a cafeína é um vício que ainda não consegui eliminar. Voltei a casa para acabar com a segunda série do Lost, episódio atrás de episódio - finalmente, estou a recuperar terreno.

E amanhã é dia de folga outra vez. Não era suficiente que este fosse o melhor Domingo de que me lembro mas amanhã é outra vez dia de folga - a primeira vez em dois anos em que posso folgar numa Segunda-Feira. São, portanto, dois dias seguidos e eu nem quero acreditar. Deixei para amanhã tudo o que podia ter feito hoje: passear por Lisboa e apanhar o eléctrico até ao meu sítio preferido, ir ao cinema (amanhã quem estará numa sala de cinema à tarde?) e comprar um modelito para estrear no próximo Domingo. A vida é mais ou menos, vá.

É Domingo na Lapa.

E, portanto, a manhã começou desta maneira, enquanto na aparelhagem tocava o Ma Fleur dos Cinematic Orchestra. Gosto de pequenos-almoços.

março 13, 2008

Um pé em Nova Iorque, outro no Mundo...

Quando o menino decide dar um pulo a Lisboa, não há qualquer hipótese (e muito menos lógica) de recusar um convite para jantar. Isto de estar em Nova Iorque e aparecer por cá para uma visita de médico é giro e do mais cosmopolita que há. Aproveita-se para matar as saudades, elogiar os cintos novos, beber cerveja em condições e falar sobre o MoMA*. É ainda um melhor pretexto para jantar no café Buenos Aires: um bife argentino extraordinariamente mal passado, coberto de cogumelos salteados em rum e natas e o melhor bolo de chocolate dos últimos tempos (servido com doce de leite). O sítio é muito bonito e a música muito adequada: foi a primeira vez que jantei ao som de Carlos Gardel e fiquei maravilhada! A conversa estendeu-se para além do horário recomendável para quem acorda com as galinhas e ficaram promessas de recuerdos dos Estados Ónidos. Se as coisas fossem sempre assim - simples - eu agradecia.

* espreitem e procurem por uma moça portuguesa que tem uma exposição a decorrer por estes dias. Vale a pena, acreditem.

março 11, 2008

Gosto de falar ao telefone com a minha mãe porque ela me faz sentir calma, como se me pudesse isolar de todos os problemas, de toda a tristeza. Gosto de falar ao telefone como o meu pai porque ele me lembra dos jogos do Benfica e porque nos rimos dos treinadores dados como certos.


Hoje sinto-me violenta.

(Cheguei a casa, peguei no material de limpeza e deixei tudo a brilhar. Há que purgar... Hoje fui uma pessoa absolutamente horrível. Quis castigar os outros por aquilo que me falta a mim. Não consigo aceitar as regras do jogo.)

março 10, 2008

Música nova* ♥

Portishead - Third

Música para ouvir quando se chega a casa meio esgotada pelas banalidades do dia. Canções para ressuscitar a vontade de sentir a electricidade fazendo tremer as pernas, para entrar numa zona de penumbra onde os contornos das pessoas são menos definidos e agressivos. Uma voz sempre em equilíbrio frágil com a sujidade da electrónica, o sintetizador que toma conta da canção e gira à nossa volta, em espiral. Acompanha bem com um suissinho de pêssego.

Tindersticks - The Hungry Saw

Lamento todos os dias em que não gostei da voz dele. É como se precisasse de crescer até gostar de a ouvir.E já cheguei aqui, amadureci. É música de amantes, de adultério. Uma voz que canta atrás de uma cortina de veludo vermelho enquanto fingimos que não há mais nenhum sítio para estar e acabamos a bebida à pressa. É música para ouvir depois de beber gins tónicos num bar em que as cadeiras são todas desiguais e os empregados estão sempre deprimidos. São canções sobre o amor inconstante, com horas marcadas num quarto de hotel vazio e sobre o regresso a casa já o sol nasceu. É o orgão ocultando horas e truques de sedução inconfessáveis. Acompanha bem com café frio e os cigarros que deixei de fumar.

* a abrir-me novos mundos, aka, fazendo-me sonhar.

Sobre ser consumidor (a)

Hoje aconteceram duas coisas estranhas.

Saí do trabalho e fui à Fnac para comprar uns cds (If Lucy Fell, Vicious Five e Lobster). Já há muito que tinha decidido que vale definitivamente a pena comprar cds de bandas portuguesas, ainda mais quando são cheias de talento e me oferecem novidade como estas. Sabia que podia comprar na net mas preferi ter logo o cd na mão. Qual não é o meu espanto quando, depois de insistentemente verificar todos os expositores, descubro que nenhum destes cds é vendido lá! Não estavam expostos nas novidades e também não faziam parte da selecção de música portuguesa nem dos autores ordenados por ordem alfabética. É bizarro: em vez de novos talentos, nos expositores estão as colectâneas dos Morangos blá blá blá ou outras cuidadosamente preparadas para fazer render o catálogo das editoras. Não sei, como é óbvio, se é a loja a virar as costas às bandas nacionais ou se a distribuição marginal da música é uma opção destas últimas (que normalmente vendem cds nos concertos e têm distribuição online). Mas, que não me parece boa política, não parece.

E depois cheguei a casa e tinha correio... Da DECO. Esta associação de apoio ao consumidor convida-me, nesta missiva, a fazer parte dos seus sócios e a beneficiar de uma série de ofertas. Mas as perguntas dispararam de imediato: como é que a DECO sabe que eu moro aqui? De que forma escolhe os potenciais clientes? Que entidade divulgou os meus dados a terceiros e com que autorização? Este negócio de venda de dados pessoais é um bocado assustador mas é ainda pior quando quem supostamente nos devia defender se faz valer dele para angariar clientes...

Portugal é um lugar estranho.

março 08, 2008

Esta noite sinto-me assim*.

I'd give my body to be back again

In the rest of the room

To be alone with you

* com vontade de largar tudo à pressa e correr para uns braços que não me esperam ou de fechar os olhos e adormecer antes das dez da noite.

Quina das Beatas: If Lucy Fell

Ontem foi mais uma noite de boa música num espaço que me enche as medidas. Esta ideia de um ciclo de concertos com base nos artistas da Borland (cujo site que podem visitar aqui) é fenomenal. Ontem foi a noite dos If Lucy Fell, banda cujo trabalho eu desconhecia. Já devia conhecê-los mas ainda vou a tempo e vocês também - escutem-nos aqui. Quem disse que o rock morreu não esteve lá ontem à noite.

março 06, 2008

Ficção #2

(Sobre alguém que ainda não conheço.)

Apago a luz e tento arranjar a melhor posição na cama. Quando me viro para o lado que todas as noites está vazio, vejo-o deitado e sério, olhando para o tecto, sem saber que eu estou a observá-lo. Está calor e ele deita-se de tronco nu sem se tapar. Sei que fez a barba antes de se deitar e consigo imaginar-lhe o cheiro do after shave, que pôs mesmo sabendo que ia dormir. Os olhos dele não se movem, estão fixos no tecto ou em qualquer coisa que só ele vê. Secretamente, ele imagina que consegue controlar a direcção das suas emoções e a intensidade dos seus sentimentos. A sua força é tanta que já não há nenhuma fronteira entre aquilo que idealiza e o que vive. Está escuro no quarto mas os olhos dele continuam tão abertos como se o dia tivesse acabado de nascer. E estão fixos num ponto que para mim é imaginário e para ele é desconfortavelmente real.

março 03, 2008

Intimidade *

Estava a pensar no que é isto de ser íntimo de alguém. Estava a pensar que podia ser confiar segredos, desmontar vícios, ver através de alguém ou simplesmente estar nua junto a outro corpo nu. E ocorreu-me que talvez tenha tido os meus maiores momentos de intimidade com estranhos, com pessoas que nunca vi ou a quem nem sequer confiei o mais insignificante dos meus segredos. É estranho mas às vezes sinto-me travada pelo pudor com as pessoas que tenho mais perto de mim e, ao contrário, um estranho pode levar de mim a coisa mais inconfessável, se o momento for o certo... Com um estranho (e com isto quero dizer um homem ou uma mulher) não há obrigações morais nem de sociedade, não há protocolos a cumprir porque os vamos inventando pelo caminho, não há regras nem limites, não se espera nada em troca. E é óbvio que não estou aqui a fazer o elogio da ausência de laços nem a desprezar as minhas relações mais antigas. É só que nos cruzamos com tanta gente nova e as nossas reacções são tão imprevisíveis que estes momentos de intimidade se tornam um mistério para mim. E quanto mais avanço (sem saber em direcção ao quê), mais sinto esta espécie de liberdade.

(confiou-me um segredo baixinho e eu guardei-o como uma preciosidade. agora quero o resto da intimidade.)

* como no filme, um dos meus preferidos de sempre, em que ele e ela não precisam de falar: encontram-se naquela casa semi-vazia e suja, despem-se já ofegantes quase sempre à mesma hora e entregam-se um ao outro - dois estranhos, nus, a intimidade espalhada pelo chão. Fazem-no até ao dia em que a carne deixa de ser suficiente para se sentirem próximos - o laço invisível não estava lá.

março 01, 2008

Marvão: uma tarde de Inverno

E depois da agitação de ontem, a tarde foi passada mais ou menos assim. A sentir o sol na pele, já em manga curta, pelas muralhas mais lindas que conheço.

Party Hard

Ontem foi noite de ver os Waste Disposal Machine (que podem ouvir aqui) e de festa.

(The heart beats in its cage
Yes the heart beats in its cage)