Não sei como é que acontece. Faço a viagem de volta a casa e o coração começa-me a ficar cada vez mais apertado dentro do peito, a respiração cada vez mais custosa. E é quando chego a Montemor-o-Novo e me enfio pelas ruas de paralelos para tentar fugir aos semáforos e aos camiões e de repente dou de caras com um funeral acabado do sair da capela e não consigo aguentar mais os soluços que vêm sabe-se lá de onde e só a custo os travo à pressa. Depois há aqueles altares na berma da estrada, símbolos macabros de alguém que perdeu a vida naquela curva e, em chegando a casa, ligo a televisão e continua a saga do Haiti e começo a chorar à mesa com a minha mãe.
Estar longe de casa tem-me mantido na linha: acumulo o stress das aulas com a falta de entusiasmo e motivação no trabalho, o trânsito no cruzamento da Estrela, os autocarros cheios de gente e de humidade, as calçadas escorregadias onde hei-de cair, mais cedo ou mais tarde, os carros mal estacionados à porta de casa, a televisão velha do vizinho que não cabe nas escadas, as compras que não fiz por esquecimento. Vale tudo para não me lembrar da tristeza de já não os ter por cá, de saber que com eles morreram velhos hábitos e se calaram anedotas, de saber que agora só os confundo com outros velhos que caminham no jardim. E vale tudo para me esquecer a miséria desse povo abandonado, as crianças de olhos arregalados com o medo, a falta de coordenação. Mas, no momento em que vacilo, lembro-me do conselho que ando a repetir há duas semanas à minha avó e respiro fundo. Lembremo-nos de quem fica.
1 comentário:
Muita força *
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