dezembro 31, 2013

Adeuzinho 2013!


Já muitas vezes me tinha posto a pensar nos meus votos para o novo ano que amanhã começa. Mas confesso que, depois de ler outros desejos, outras resoluções, fiquei sempre com a impressão que os meus desejos não eram suficientemente originais ou profundos.

O ano que termina hoje foi um bom ano para mim. Trouxe-me a certeza que queria estar aqui e o carinho crescente por terras luxemburguesas, o amor contrariado pelo frio, pelo cinzento mas que ainda não consigo sentir por esta falta de luz. Às vezes, quando conduzo sozinha, ainda me surpreendo quando penso que vivo aqui e, por segundos, parece que estou a assistir à vida de outra pessoa, uma emigrante mais ou menos à força, como se Lisboa estivesse sempre a dois minutos daqui. Só que não está e apesar de algumas vezes sentir que esta vida é apenas temporária, sei que a verdade não é essa e afeiçoo-me mais ao verde dos bosques, às três fronteiras e ao estatuto de estrangeira.
Viajámos muito, este ano. Pude realizar um sonho pequenino mas antigo chamado Paris, pudemos encontrar amigos Europa fora e matar saudades. Se é a mesma coisa? Evidentemente que não mas sempre alivia a falta que nos fazem todos. Os meus pais e a minha irmã puderam conhecer o Luxemburgo e eu pude retribuir as visitas - quando olho para outros emigrantes aqui, reconheço que somos pessoas de sorte. E é exactamente esta facilidade em sairmos daqui, esta leveza em planear visitas por aí um dos factores que mais fala a favor do Luxemburgo: se estivesse em Portugal, poderia apenas sonhar com isso.

Consegui mudar de trabalho, depois de alguma espera. Quase me empurraram para o desconhecido e eu, sem oferecer nenhuma resistência, só tenho a agradecer a quem acreditou mais em mim que eu mesma. Acho que todas as escolhas que fiz até chegar aqui têm feito sentido, alguns sacrifícios, uma dose importante de stress e de adaptação em todo o lado revelaram-se finalmente compensadores. Aprendi mais e mais sobre as pessoas em ambiente de trabalho mas, acima de tudo, desenvolvi a minha capacidade de observar sem falar, de escutar e analisar os outros e dar segundas e terceiras oportunidades para ter alguma razão no final. Ascendi profissionalmente, não há como negá-lo. E além dos óbvios benefícios materiais, consegui o bem supremo: liberdade de decisão, de planeamento, de organização. E só isso me faria suspirar de alívio.

Continuamos a ser uma pequena família de três, não por nossa vontade mas isso é assunto para outro post. Somos constantemente desafiados pela exigência que é estar a dois mil quilómetros da família, sem ajudas nem tempo para respirar. Muitas vezes isso faz-nos perder a cabeça, destabiliza-nos mas faz-nos valorizar mais o que conseguimos. Continuamos a educar um miúdo para ser poliglota, um miúdo cheio de personalidade e da rebeldia característica dos putos de três anos, que tanto nos tira do sério com a sua desobediência como com a sua ternura. E chegar ao ponto em que ele me diz espontaneamente "Mãe, gosto muito ti" faz-me realmente esquecer tudo o resto!

O que é que eu desejo para 2014? Para nós muito pouco, apenas que a nossa vida possa continuar como até aqui, que possamos seguir o plano que tacitamente traçámos - viver com calma, educar e amar, ver o mundo e continuar com os pequenos gestos que podem fazer a diferença. Para a nossa família, os nossos amigos eu desejo muito trabalho, toda a saúde do mundo, força e coragem para enfrentar maiores ou menores dificuldades, tempo para si e também para os outros. O meu desejo maior era que existisse a teleportação (isto existe?) para poder estar com a gente que me faz falta a toda a hora mas pronto, nada feito. Feliz Ano Novo e que a vossa felicidade possa sempre depender das pequenas coisas!

dezembro 23, 2013

Ele está quase aí!

Sabem aquela sensação que se tem em Lisboa em pleno Agosto e a cidade está praticamente vazia? Então agora imaginem a mesma sensação mas ao nível de um país! É engraçado pensar que todos os habitantes do Luxemburgo caberiam em metade da minha Lisboa e portanto as proporções são todas um bocadinho diferentes.
 
Os portugueses são já un quinto da população do Luxemburgo mas, mais importante ainda, perfazem um quarto da população activa do país, o que é um número um pouco impressionante. Muitos homens portugueses trabalham na construção civil que, baseada num contrato colectivo de trabalho, pára por completo durante quatro semanas no Inverno e outras quatro no Verão. Isto por si podia explicar o cenário dos últimos dois, três dias: trânsito calmo, nenhuma fila para chegar ao trabalho, supermercados apenas suficientemente frequentados, sem muitas confusões de última hora. Os portugueses que ficam já se tinham abastecido nas semanas anteriores: era vê-los carregar as caixas de bacalhau como se fossem guitarras, encher os carrinhos com caixas inteiras de Licor Beirão e outras bebidas espirituosas, preparando a noite de consoada. Aposto que muitos ainda tentarão encontrar as couves essenciais entre hoje e amanhã (digo já que fui uma mulher prevenida e trouxe-as para casa no Sábado, não fosse o diabo tecê-las).
Eu cá estou pronta: a minha mãe fez-me o favor de me mandar três belíssimas postas de bacalhau, que demolham tranquilamente na nossa cozinha; as couves esperam a sua vez e eu espero que não murchem totalmente até amanhã; escolhemos um bom vinho para a Ceia; decidi que teremos apenas duas sobremesas (afinal, somos apenas dois adultos mas uma mesa só com uma seria até um bocadinho triste). O que é realmente estranho no meio disto tudo? É que, por estarmos longe, é o primeiro Natal que eu tenho de organizar, em que tenho de ser eu a garantir que está tudo em marcha. É um bom teste porque afinal somos nós os três e é também a situação ideal para criarmos as nossas próprias tradições de Natal. Este ano começámos com o calendário do advento, que o Vicente adora e que terá de certeza já lugar no próximo ano. Também usamos os enfeites de Natal que ele faz na creche para personalizar a árvore: no ano pasado eram de papel, este ano sofreram um upgrade e são feitos de qualquer material parecido com gesso. Montamos o presépio e deixamos que ele brinque com as figuras como quer (ontem pôs ovelhas, vaca e burro a pastar em cima da mesa, enquanto o Pai Natal chegava ao acampamento numa carrinha 4x4!).
Não vamos ter as filhozes e azevias da minha avó, o tronco de Natal que sempre temos à mesa, o chocolate depois da meia noite, o vinho novo que o meu pai sempre ia comprar ao produtor, as azeitonas retalhadas e temperadas dias antes de festa, o doce de ananás da outra avó, eu e a minha irmã vestidas de novo no dia de Natal, os vizinhos que passam para dizer olá e se sentam a beber um copo, os presentes chegando a casa em sacos enormes que se escondem da nossa vista nos quartos.
Não pensar muito nisto tem ajudado mas às vezes bate aquela tristeza por saber que ficamos cá. Por exemplo no Sábado, quando regressávamos das compras, e vi uma família apressada e carregada de malas, certamente a correr para o aeroporto. Queria que também nós pudéssemos partir mas náo faz mal: ao mesmo tempo, vai-nos saber muito bem ter uns dias de férias sem precisarmos de perder tempo com malas, aeroportos, carros alugados – simplesmente estarmos os três, sem compromissos e sempre a poder pegar no carro e fugir para qualquer lado.
Acho que chegou a altura de vos desejar um feliz Natal, esperando que todos possam encontrar algum conforto nesta festa de família. Sei que para muitos será mais difícil este ano mas que possamos usar este tempo para celebrarmos as coisas mais simples, os gestos aparentemente insignificantes, os pequenos prazeres, o tempo que os outros nos dedicam. Nós vamos estar longe mas felizes por saber que em muitos sítios, espalhados por parte da Europa, há gente que nos estima e a quem queremos bem. Festas muitos felizes, vos desejo eu. De coração.

dezembro 22, 2013

Balanço: a vida de trabalhadora

Falta um dia e meio de trabalho para o meu 2013 profissional terminar. O fim revelou-se bem mais desafiante do que os restantes meses e vou despedir-me deste ano de trabalho com responsabilidades acrescidas mas com a certeza que decidi acertamentente, era urgente mudar.

Comecei este ano ainda com um pouco de receio do que estava a fazer no momento. Foram meses de aprendizagem intensíssima, muitas vezes à força de não ter quem me ajudar, outras com a minha vida dificultada pelos outros. Fui conhecendo as pessoas, descobrindo com quem podia contar e quem não valia a pena mas o balanço a nível de equipa foi-se sempre deteriorando até que consegui sair.

Acho que a maior parte das pessoas do trabalho me acham demasiado séria porque me importo com as coisas que faço e porque quero que possam sempre sair bem e eu, por minha vez, não consigo habituar-me a quem vê o trabalho como um passatempo, sem qualquer responsabilidade mas com igual retribuição no final do mês. Trabalhar lado a lado com pessoas assim (que respeito, apesar de tudo) dificultou-me a vida, fez-me perguntar muitas vezes por que raio continuava eu ali. Porque sim, porque preciso de trabalhar para viver, porque não sei fazê-lo de outra forma - as respostas continuavam dentro de mim.

Com algum receio, candidatei-me à posição que hoje ocupo e vi, finalmente, o meu empenho a ser reconhecido. Foi um processo longo, acercou-se mesmo do desesperante porque eu queria uma resposta e a resposta não vinha. E também foi fracturante porque um dos colegas que mais respeito e admiro também estava na corrida. Falámos sobre isto, expliquei-lhe que não o fazia contra ele, apenas por mim e, apesar de ele compreender, acho que manchou para sempre a nossa relação profissional e isso dá-me pena. Todos sabemos que não estamos num trabalho para fazer amigos mas enfim, é sempre tudo mais fácil quando nos sentimos bem no nosso local de trabalho.

Acabo o ano feliz com tudo o que se passou e muito apoiada por outro português, com uma história de vida admirável, uma ética profissional que muito respeito e que adora contar-me sobre os pratos portugueses que a mulher, romena, lhe prepara. É especialmente importante para mim que eu e ele possamos combater o estereótipo do português (ou de qualquer povo do Sul, na realidade): falta de pontualidade, preguiça, chico espertismo, ausência de empenho. Tanto eu como ele terminamos o ano com o reconhecimento das nossas forças e isso não me podia deixar mais contente.

O ano que vem assusta-me. Mas depois penso que já pari um filho e depois disso não há nada que eu não possa fazer. Vou aprender (maioritariamente sozinha e apanhando pistas de tudo quanto vejo e escuto nas pessoas que trabalham comigo) uma profissão completamente diferente, para a qual não tenho nenhuma preparação académica. Eu faço jus à ideia que sempre tive: mais importante que estudar, ter um curso feito é querer aprender, trabalhar e absorver o que vemos à nossa volta. É claro que isto não serve para tudo (duvido que se possa formar um médico assim!) mas para alguns casos serve. Mais que isto, o meu lema para este ano será: vais aprender, tentar, praticar o melhor que possas mas se falhares... A vida continuará sempre e um emprego é apenas isso mesmo. Que venha Janeiro que eu estarei pronta para a luta!

dezembro 13, 2013

(...)

Às vezes ainda me dá para sentir-me um bocado só. São dias, toda a gente murcha um pouco de vez em quando. E nem sequer acho que alguém me poderia ajudar a não sentir-me assim.

É como se de repente estivesse a viver a minha vida toda outra vez ou a olhar para mim, ausente do meu corpo, em todo o tempo passado e no final questionar-me se era realmente preciso aquilo tudo para hoje chegar aqui. Eu gosto de pensar que sim, que valeu a pena toda a solidão, todo o isolamento que escondia, todo o sentimento de estranheza e aquela sensação de nunca encontrar o meu sítio, de nunca pertencer a nenhum grupo, de me sentir, de me colocar de parte.

Às vezes gostava de saber o que viam as pessoas quando olhavam para mim nesses anos passado. Uma miúda popular? Uma viciada em tristeza? Uma apaixonada patética? Uma rapariga medíocre? Quantas vezes as pessoas terão tido pena de mim? Quantas vezes terão desejado a minha vida? Quantas percebiam verdadeiramente o que me estava a acontecer? Mata-me perceber que nunca hei-de saber e que nunca vou entender como é olhar-me de fora. Dói-me chegar à conclusão que não sei o que vêem os outros olhos quando nos cruzamos por aí e que, quase certamente, isso já deixou de interessar.

Às vezes, muito de vez em quando tenho silêncio pelo tempo suficiente para me lembrar como era. Para fazer desfilar na minha cabeça os fins de tarde no terraço da casa em Telheiras, com vista para lá do Campo Grande sem ter a mínima ideia do que estava a fazer naqueles dias, as tardes vazias em Benfica, a ouvir a mesma música uma e outra vez, o pânico quando vivia na Penha de França por não entender o que estava a causar a mim mesma. Passei tantos dias à deriva, fechada sobre mim, repetindo um sofrimento que não sei de onde vinha até me sentir nauseada, sem vontade de acordar, sem força para estudar, sem coragem para admitir o que estava a acontecer. Hoje, por breves momentos, enquanto o nosso filho dormia para curar o cansaço de ontem, voltou-me tudo isto à cabeça e, pior, ao estômago, como se agora tivesse recuado dez anos e estivesse perdida e não soubesse como despertar desse torpor em que a tristeza me mergulhava.

Às vezes demasiado silêncio traz de volta os meus fantasmas. Feliz de mim, que agora, à custa de ter gerado uma vida que é cem vezes, mil vezes, milhares de vezes mais importante que a minha posso empurrar tudo isto de volta, como se a bagagem fosse demasiada mas a mala ainda assim conseguisse fechar. Espero que um dia não reste mais nada para me assombrar os dias cinzentos. Mas alguma vez estarei livre?

dezembro 06, 2013

Até que enfim!

Hoje é um dia feliz para mim. Depois de muitos meses de espera, vou finalmente mudar de posição na empresa e começarei nas novas funções exactamente três meses de ter recebido a notícia de que era eu a escolhida. Chiça, é o que me apetece dizer.
 
A nível profissional sou uma pessoa muito paciente. Entendo que há coisas que demoram o seu tempo, têm de passar por várias secretárias antes de serem aprovadas, dependem de estratégias de negócios que não se discutem ao nível a que temos acesso, custam dinheiro e exigem, na maioria dos casos, (perdoem-me a expressão) um grande par de tomates. Tomates que, sei também, nem toda a gente tem ou pelo menos se tem não os utiliza para coisas importantes. Não sou nenhuma visionária mas às vezes as pessoas à minha volta confirmam-me que não têm a mínima visão geral das coisas, não antecipam e nem sequer tentam entender o processo de decisão.
Dizia eu que sou uma pessoa paciente mas na verdade, depois de me ter candidatado em Julho, entrevistada várias vezes até Agosto, ter sido as escolhida no início de Setembro e, três meses depois, ainda estar exactamente no mesmo sítio, já estava nos limites da minha sanidade mental. Por ser uma mudança tão radical e importante para mim, comecei a odiar o trabalho que fazia todos os dias e a suspirar de cada vez que entrava no escritório e isso deixava-me um bocado chateada. Tentei que isso nunca transparecesse para os clientes mas tenho a certeza que nos dias de maior pressão talvez tenha deixado escapar alguma da minha frustração. Eu sabia que não queria estar aqui, sabia que me queriam noutro departamento mas não via absolutamente nada acontecer. As pessoas perguntavam-me quando me mudava, diziam que já me esperavam, os meus colegas actuais perguntavam quando me ia embora e eu exactamente no mesmo sítio.
Formei a pessoa que me vem substituir o melhor que pude e me deixaram. Tentei prepará-la para a avalanche de coisas aterradoras que vai ver chegar nos primeiros tempos, sem saber para quem se virar. Tentei acalmar-lhe o medo natural de quem nunca trabalhou nesta área de negócios e ouve coisas novas a cada minuto que passa. Tentei ser para ela quem eu precisava quando comecei aqui e transmitir-lhe simplesmente um mantra: Tu vais conseguir. Como continuarei a trabalhar com ela daqui para a frente, fiz-lhe ver que preciso da ajuda dela e que ela ma pode também pedir quando sentir necessidade.
E finalmente chegou o dia. Finalmente pude deitar os papéis velhos fora, limpar a minha secretária, começar a ocupar o meu novo lugar, com os meus novos colegas, longe de todo o caos. Estou finalmente livre da ditadura do telefone e da consola que o controlava e não deixava que  as linhas estivessem desocupadas. Ganhei de certeza outras responsabilidades (cumprir objectivos, um budget caraças!), enfrentarei outros problemas mais ou menos graves, viajarei e falarei com gente que se calhar não tem muita vontade de falar comigo mas cheguei finalmente ao nível em que tenho liberdade. Já não me crucificam se chegar uns minutos atrasada, já não dependo de ninguém para poder fazer pausa ou ir de férias, sou livre de organizar a minha agenda, de encontrar uma estratégia para chegar onde a empresa precisa, de pensar e investigar. Para mim isto não tem preço, especialmente porque esta mudança implica que no futuro posso sonhar com outras posições e não só com posições entry level como até aqui.
Caraças, estou finalmente livre e mal posso acreditar! Agora vou só pôr mãos à obra e aprender o que fazer com esta liberdade para que não me perca no caminho. Façam figas, se faz favor.

novembro 30, 2013

Uma party animal em potência

Ontem tive o jantar de Natal lá do trabalho. Foi um pouco menos sumptuoso que o ano passado, em que éramos umas cinquenta pessoas num salão de banquetes que devia levar bem mais de quatrocentas e em que até contrataram bailarinos brasileiros para fazer a festa.

Desta vez foi num restaurante no centro da cidade, sério e calmíssimo mas em que o maître d' fez cara de frete desde que chegámos até que a festa foi esmorecendo. Não entendo estas pessoas a quem a vida obriga a ostentar estas trombas, especialmente numa profissão que exige tamanha delicadeza e contacto com o público mas adiante.

Eu gosto de me divertir, apesar de às vezes me esquecer um bocadinho disso. Gosto de sair, comer bem, conversar com gente interessante, dançar muito e (talvez por aqui não ter muitas oportunidades de o fazer) aproveitar muito bem a ocasião. Por isso decidi (inconscientemente) que quando posso vou fazer tudo o que me dá na gana. Karaoke? Estou lá batida. Dançar guilty pleasures? A pista é toda minha. Participar nas actividades que alguém perdeu tempo a preparar? Estou nessa. Apreciar e agradecer o gesto que a empresa onde trabalho resolveu proporcionar a toda a gente? Evidentemente. Por isso ontem eu diverti-me muito e não foi por certo pelas pessoas com quem passei algum tempo.

Sabem aquelas pessoas que aceitam convites, aparecem na festa mas depois criticam tudo, desde o cabide do bengaleiro, ao material de que é feito o balcão, a decoração das mesas, a comida e o vinho? Lembram-se das pessoas que não participam em nada de livre vontade porque só vieram mesmo para marcar presença e odeiam toda e qualquer escolha de música, actividade ou ementa e passam o tempo a desdenhar disso mesmo? Imaginam aquelas pessoas que vão mas não queriam ir, mesmo que ninguém lhes estivesse apontado uma pistola à cabeça? E aquelas pessoas que acham aquilo tudo uma hipocrisia mas que mesmo assim aproveitam tudo o que lhes é oferecido até não poderem mais? Pois, ontem ouvi isto tudo e mais algumas coisas.

Eu não sou ingénua ao ponto de pensar que somos todos uma grande família e que a empresa faz tudo o seu alcance para premiar os seus trabalhadores mas quando me apanho em sítios destes é para me divertir. Beber uma ou duas flautas de champanhe enquanto esperamos por todos, tirar a fotografia da praxe mesmo que receie ser pouco fotogénica, participar no sorteio sem stress, saborear os pratos que vão passando pela mesa, enquanto provo também um copo de tinto, conversar com pessoas com quem não passo muito tempo normalmente, partir a pista de dança ao som daquelas músicas de há uns quarenta anos em cima de uns saltos imponentes, cantar a "Asereje" porque o CEO lembra-se que a cantei no ano passado e quer que eu repita, aceitar um conhaque pouco antes do final da minha noite que a festa ainda continuou para alguns.

Não quero saber das convenções, ou se os ordenados são justos ou se uma pessoa é ou não um bom profissional, isso fica para Segunda-feira. Em dias destes, eu deixo a malta a conspirar e vou fazer o que me apetece, vou festejar com quem quer que esteja nessa onda também. Uso chapéus, dou à perna no "I will survive", faço coros e discuto o Benfica com adeptos da Lazio. Já me bastam as semanas de espera e de inferno a fazer uma coisa que já me deixa nauseada, a aturar injustiças, ineficiências e incompetências também. Quando é festa, eu visto-me à altura da ocasião e deixo o trabalho para trás. E por isso saí de lá rouca mas contente porque passei um bom bocado. Mas que para o ano me contratem a mim para escolher a playlist que já vou tendo pouca pachorra para o medley do Grease!

novembro 24, 2013

Recapitulativo *



(Todas as vezes que tento enumerar as razões porque é bom estar aqui acabo por lembrar-me que uma das principais é poder sair daqui para fora e ver e dar a ver o Mundo ao nosso filho. Estou grata pelo belo ano que quase chega agora ao fim, por todos os sítios que pudemos visitar - inclusivamente Portugal, porque não há melhor que esse regresso -, pelas visitas que fizemos para matar saudades de bons amigos, pelas coisas novas. Também por poder criar estas memórias ao Vicente, que já vai lembrando nomes e sítios com alguma facilidade e que tem podido aproveitar um pouco de tudo. E finalmente por poder mais tarde ver tudo outra vez pelos olhos dele e saber, mas saber mesmo, que é bom estar aqui e não há volta a dar.)

* por ordem de aparição: Paris, Munique, Lisse-en-Champagne e Londres.

novembro 21, 2013

Uma nodoazinha no coração

Ontem, enquanto a senhora da caixa ia passando as minhas coisas, reparei num casal a algumas caixas de distâncias. Eram portugueses e sei-o sempre precisar de os ouvir falar, sei e pronto. Arrumavam as suas compras no carrinho: um bacalhau inteiro enfiado numa grandiosa caixa de cartão, caixas e caixas de vinho, muitos quilos de arroz, algumas bebidas brancas. Fez-se luz na minha cabeça: estão a preparar o Natal.

Foi isto que me lembrou que este ano, pela primeira vez em trinta e quatro anos de vida, não vou passar o Natal com os meus pais, com a minha irmã, com as minhas avós. Agora que a época se aproxima, e depois de muito racionalizar e desdramatizar o feito na minha cabeça, sinto uma angústia pequenina a crescer porque para mim Natal é com a família. Claro que tenho um marido e um filho que não me faltarão na noite da consoada mas ficar-me-á a faltar qualquer coisa.

Este ano não vou ver a cozinha lá de casa com tachos e mais tachos, as duas cozinheiras de serviço de roda deles, enquanto a cozinheira de profissão, velhinha e cansada pela vida, descansa um bocado no sofá. Não vou fazer companhia ao meu pai que com os anos foi perdendo os seus companheiros para acompanharem uns copos de um qualquer vinho especial escolhido para a ocasião e uma fatia de queijo depois de jantar. Não vou comer alhada de cação, talvez nos decidamos por um bacalhau com couves e também não hei-de ter mil doces para escolher à sobremesa. Não terei aquele abacaxio com vinho do Porto, nem as azeitonas retalhadas numa mesa coberta da toalha do Natal e do serviço de louça já antigo. Não vou fazer força, com a minha irmã, para abrir as prendas antes da meia noite porque as velhotas já dormem no sofá. O meu filho terá de certeza menos presentes porque não está ali e enviar um presente para o Luxemburgo sai caro e dá trabalho. Não vai haver chocolate quente à meia noite nem café nos vizinhos, mesmo com uma noite de lobos cheia de nevoeiro.

Pela primeira vez em trinta e quatro anos não vou passar o Natal em casa e isso custa-me. Eu até geri bem as emoções quando soube que não podìamos ir porque as circunstâncias falavam mais forte mas ontem, quando vi aquele casal a encher o carrinho de Natal, soube que a tristeza há-de crescer um bocadinho todos os dias, até finalmente tudo ter passado. Só não fico mais triste porque no final tenho todas estas memórias dentro da minha cabeça ( juntamente como meu avô Chico que nunca queria comer mas era sempre o primeiro a servir-se, o meu avô Mauricio que nos últimos Natais não era mais que uma sombra de si próprio, a minha tia Isaura que sempre passava a dar um beijinho, a minha madrinha e o irmão que nunca se esquecem de nós) e estas coisas não se apagam. Como o Natal em que fuzilaram o Ceausescu ou o outro mítico em que mandámos uma quinhentola para o lixo.

Custa-me mas dia vinte e seis já estarei mais aliviada e esperando que o próximo ano não me roube mais nenhum Natal.

novembro 14, 2013

Três mudanças nunca chegam sós!

Para as coisas piorarem um bocadinho , ou para eu  sentir ainda mais a mudança de bebé a menino, cheguei a casa esta semana e tinha uma carta da nossa comuna. Vinha endereçada “Aux parents de ...” e acho que soube imediatamente o que continha.
Aqui, as crianças com três anos feitos até o final de Agosto entram directamente para uma espécie de pré-primária, a que aqui se chama também adequadamente Éducation Précoce. Os miúdos seguem para a escola primária da sua área de residência (ou outra, caso os pais o desejem, possam justificar e haja vagas) e preparam a sua entrada no ensino primário (ainda precedido por um ano a que chamam a verdadeira Éducation Préscolaire).
Se no final do primeiro trimestre ainda existirem vagas na escola, a comuna convida as crianças que tenham feito os três anos até ao final de Setembro para começarem também, se os pais assim o entenderem. E o menino Vicente recebeu o seu convite esta semana. Portanto, apesar de ainda estar longe da educação primária, já me querem tirar o miúdo da creche e passá-lo para a escola propriamente dita.
Isto tem uma série de consequências para nós, algumas boas, outras mais desestabilizadoras. O principal ponto positivo é que ele estaria a avançar um pouco na sua educação. Depois de comentarmos o convite com a sua educadora, ela confirmou-nos que ele estava mais do que pronto para seguir em frente e se calhar já precisa de um salto destes para poder continuar a progredir motivado. De seguida, a escola primária fica a poucos metros da nossa casa – sempre imaginámos como seria boa esta proximidade, como nos facilitaria a vida porque deixaríamos de fazer quilómetros para o levar e como ele estaria bem na tranquilidade do nosso bairro. Na verdade, não podia ser mais conveniente. Se somarmos a isto o facto de o ensino fundamental ser gratuito, bem – são alguns argumentos a favor.
Um dos pontos menos bons (mas para mim, não para ele) é que esta mudança significa necessariamente começar com o Luxemburguês. Até há uns tempos, isto parecia-me uma realidade tão distante que não valia a pena pensar nela. De repente, caiu-me a realidade no colo e, mais cedo ou mais tarde, tenho o gaiato a balbuciar nesta língua que, francamente, não há quem entenda. Eu tinha um pouco medo do Francês mas pelo menos arranho o suficiente para compreender e fazer-me compreender. Passam-me perguntas pelas cabeça: e se ele não consegue? E se ele se recusa a aprender porque já são coisas a mais? E se isso lhe trava o desenvolvimento e prejudica a progressão escolar? E se eu não o puder ajudar com os trabalhos de casa? Dirão que não vale a pena preocupar-me com isso e eu sei que ele é um gaiato como os outros e que fará o melhor que pode e que até agora nos tem surpreendido com o seu poder de adaptação. Mas pode uma mãe ou um pai enfrentar todas as mudanças sem sequer pensar nas consequências, sem desejar que tudo corra pelo melhor?
O único problema real é que não temos onde deixá-lo nas tardes em que não há escola (Terças e Quintas). Ao entrar no prazo normal, é-lhe garantida a vaga numa espécie de atelier de tempos livres (maison de relais) onde tomam o almoço e ficam quando não há escola. A mesma vaga não é garantida para quem entra depois de Setembro.
Não sei porquê mas encontro um grande conforto em imaginá-lo no ensino público mas, acima de tudo, a crescer assim, perto de casa, numa escola que já espreitámos, num bairro tranquilo, aqui à mão de semear. Mas depois penso que é uma escola e o meu bebé não é o mesmo sem os seus caracóis tão bonitos e se ele está a crescer, eu estou a envelhecer. Ou a crescer também, se também eu me encher de optimismo. Enquanto procuramos um sítio para o tempo livre, habituo-me à ideia de estar a criar um rapazinho que se porta muito mal às vezes mas que também dá os abraços mais doces que conheço. Vamos lá, estou pronta.

novembro 09, 2013

Já não tenho um bebé.


Hoje chegámos ao fim de uma fase, não tenho dúvida. Chegou o momento de deixarmos mesmo de ter um bebé e passarmos a ter um menino.

Tudo começou há uns meses atrás quando o gaiato nos chegou a casa de cuecas. Sem dramas e também sem fraldas sem que tivéssemos dado conta. Na creche, aquela pressão dos pares resulta sempre - para comer bem, dormir, deixar as fraldas. Os outro fazem e não sei, ele não se tem ficado atrás. Ainda estamos a trabalhar para as tirar de noite mas de resto tudo aconteceu quase sem querer. Eu estava preocupada porque ele estava a chegar aos três anos e não queria avançar nem por nada mas achei que o melhor era não stressar com isso. Um ponto para a ausência de stress e de plano.

Depois foi a chupeta. O pai achava que estava na altura e, racionalmente, eu pensava o mesmo. Mas achava, ao mesmo tempo, que ele ainda dependia muito dela quando fazia birras ou quando dormia em casa (porque na creche há muito não usava) e ainda resistia. Além disso, parecia-me que era un sinal demasiado evidente e duro de que ele já não era um bebé e ainda o queria manter assim por uns tempos. Só que ele, nas suas mordidelas cheias de força, deu cabo da última chupeta que tínhamos em casa e não havia mesmo uma de reserva. Um descuido que, afinal, veio a calhar bem. Explicámos que não tínhamos outras, que realmente não existia uma substituta em casa. Na primeira vez, ainda gritou e exigiu que lhe achássemos outra; depois, nunca mais se lembrou de tal coisa e parece-me que arranjou as suas maneira de lidar com o stress. Eu fiquei espantada com a rapidez com que lidou com isto. Dois pontos para a ausência de stress e de plano.

Para piorar as coisa, perdeu o peluche preferido algures em Londres. Só demos por isso quando chegámos a casa e não fazíamos (ou fazemos) a mínima ideia onde ficou. Pensámos que se chupeta a coisa ainda ia mas que sem Kiko é que não. A minha irmã apressou-se a contactar com os transportes da cidade mas, claro, até agora nada de resposta. Já perguntou por eles umas vezes e nós dissemos-lhe a verdade: perdemos o Kiko. Ele fica sempre um pouco desapontado mas não chora. Dói-me o coração de me lembrar das horas que passou a mexer nos braços e nas pernas do boneco, como o abraçava ou o levava para que pudesse vê-lo a tomar banho. Três pontos paraa suê cia de stress e de plano.

E hoje foi o golpe final. Os caracóis tão bonitos que o gaiato tinha (e que toda a gente perguntava de quem tinha herdado) foram-se. Já tinha o cabelo muito grande e quase nem se podia pentear. O que lhe provocavaores quando lhe lavávamos a cabeça, por exemplo. Já falávamos disso há uns tempos mas hoje o pai resolveu pegar na máquina e passar à acção. Pensei que fosse espernear, dificultando a nossa vida e arruinando o corte de cabelo. Pelo contrário, e para terminar esta série em beleza, sentou-se tranquilo e cooperou durante o tempo que durou o corte. No final, quis ver-se ao espelho e adorou o que viu. Quatro pontos para aquilo que vocês sabem.

Quem não se conforma com isto tudo sou eu, não é ele. Fui eu que chorei hoje ao ver os caracóis no chão ou fui eu que fiquei desolada com o desaparecimento do Kiko. Ele foi muito mais corajoso e compreensivo do que eu alguma vez imaginei. Eu é que fui o bebé da relação, aí está. Não me conformo quando vejo aqueles bodies pequeninos em que ele há muito deixou de caber ou sempre que me lembro dos primeiros meses de vida dele, tão intensos e difíceis. Ele cresceu tanto, ele cresce tanto todos os dias e nós podemos assistir e ajudá-lo. Mesmo quando damos com ele a cantar Michel Teló e só apetece mandá-lo parar. Quem me dera poder conservá-lo pequenino, sempre debaixo da minha saia. É um pensamento egoísta, eu sei, mas custa sentir o tempo passar à velocidade da luz. O bebé Vicente passou a ser o menino Vicente de repente.

novembro 06, 2013

Trinta e quatro considerações aos trinta e quatro anos

😪1. Continuo a ter muita inveja das pessoas que fazem anos no Verão. Sempre quis ter nascido num mês de calor, acho que até a passagem do tempo me pareceria mais leve. Mas não: os trinta e quatro chegaram num dia em que céu estava carregado, cinzento e quase a tocar no chão.
2. Este ano quase me esquecia que fazia anos. Às vezes andava a antecipar o dia nas semanas antes, excitada com a festa ou simplesmente com a data mas este ano quase só me apercebi disto no dia. Não senti nenhuma euforia, nada. É como se de repente percebesse que a ocasião quase não traz nada de novo. Acho que deve ser a indiferença que se sente antes de se deixar de gostar de aniversários definitivamente.
3. O dia teve três pontos altos: comemos sushi no carro, enquanto chovia torrencialmente; visitei o pior supermercado de que me lembro pela primeira vez; o meu filho trouxe-me flores. Empolgante, eu sei.
4. Às vezes sinto que vivi muita, muita coisa e que aprendi outras tantas. Outras parece que cheguei agora ao Mundo e ainda estou no início da aprendizagem. No geral, o balanço entre as duas não me deixa arrependida de nada.
5. A minha maior riqueza é o meu filho. O amor que sinto por ele e a forma desmesurada e desinteressada como ele gosta de mim fazem-me esquecer todas as noites que não dormi, todos os momentos de pânico que vivi por não saber o que fazer, todo o cansaço e birras por que passámos até hoje.
6. Passaram trinta e quatro anos e continuo a não gostar muito de pessoas. É claro que conheço bons espécimes e gente que não cabe nessa categoria mas a pessoa comum com quem me tenho cruzado deixa muito a desejar. Claro que isto vale especialmente para as pessoas com quem me cruzei profissionalmente, afinal é com elas que passo grande parte do tempo.
7. Já sinto os efeitos do generation gap. Muitas vezes já me perguntei se sou eu que sou velha ou se há gente muita maluca por esse mundo. Seja como for, às vezes apetece-me mesmo dizer "Antes é que era...".
8. Afinal, gosto de queijo, vinho e cerveja.
9. Se pudesse voltar atrás, mudaria apenas uma coisa na minha vida: escolhia um curso mais útil, mais pragmático, com mais saída profissional. Mesmo que o resultado fosse o mesmo. Sinto que perdi tempo e fiz perder tempo e dinheiro aos meus pais para chegar ao fim e não ter sequer uma profissão, apenas um diploma que me custou mas que de pouco me serve.
10. Hoje beijei mais colegas de trabalho do que gostaria.
11. Tenho a sensação que a vida me reserva ainda alguns sucessos.
12. Não gosto de viver na era em que se passa constantemente a ideia de que toda a gente é especial e talentosa: não devemos ter vergonha de ser normais. Não há espaço para tanto prodígio.
13. Acredito que pequenos gestos têm muita importância na vida de toda a gente. Sigo esse lema, nem que isso signifique só deixar passar um carro num cruzamento.
14. Se soubesse o que sei hoje, seria cozinheira.
15. Sou do tempo em que os professores ainda eram exemplos e não uns chatos quaisquer. Eu acho que não era marrona nem demasiado mal comportada: estava exactamente a meio do espectro e acho que ouvir bem o que me dizem me poupou muitas horas de estudo.
16. Gosto de comprar livros simplesmente pela capa.
17. A minha mãe passou-me o sindrome da limpeza e não posso parar antes de arrumar o que posso. Felizmente, entendi que não posso fazer tudo o que há para fazer e isso poupa-me imensos esforços. Mas desarrumação só porque sim é que não.
18. Desisti de tentar ter uma vida/família/casa imaculada e aceito que vivemos da melhor maneira que podemos a maneira mais real e simples possível.
19. Neste ponto da minha vida, viajar é a nossa maior conquista.
20. Aos trinta e quatro anos, continuo a ter na cabeça que hei-de escrever um livro. Não consegui ainda idealizar o estilo, o tema ou a estrutura mas sinto que vive qualquer coisa dentro da minha cabeça.
21. Dá para funcionar sem café mas é chato.
22. Apesar de gostar muito de escrever, adorava saber se tenho realmente nem que seja uma ponta de talento para qualquer actividade ou se sou simplesmente um cepo, criativamente falando claro.
23. Deixar de fumar há nove anos foi das melhores decisões que tomei na vida. Às vezes ainda. E dáassim uma moinha, especialmente depois das refeições, mas não há nada a fazer: tornei-me numa chata ex-fumadora.
24. Sou casada há quase dois anos mas ainda me custa falar no meu marido. Ele há-de ser sempre o meu namorado. E o melhor do Mundo, ainda por cima.
25. Cresci no meio de muitos rapazes e por isso acho que eles ficam, enquanto as raparigas se vão perdendo pelo caminho.
26. Sinto-me como uma velha senhor sempre que aqui me tratam por Madame.
27. Tenho trinta e quatro anos e a sensação que sou um ser imperfeito e inacabado.
28. Todos os dias que passo no Luxemburgo servem para fazer crescer uma certa raiva que sinto pela classe política do meu país e debato-me com um grande dilema para mim: o orgulho de ter um filho português mas a quem posso alargar os horizontes e mostrar mais um bocadinho de Mundo. Custou-me tanto afastá-lo do país e de quem mais gostava dele mas estes dois anos têm provado que foi a decisão certa.
29. Eu odeio neve e já estou em alerta para os primeiros flocos do ano.
30. Três anos depois e consegui finalmente recuperar um pouco da pessoa que era antes: já consigo ler bastante e até ouvir música.
31. Dava tudo para voltar a Portugal mas não quero por nada sair daqui.
32. Aos trinta e quatro anos estou-me mais ou menos marinbando para o que os outros pensam de mim e até consigo sair à rua sem um pullover a tapar o rabo.
33. Tenho bons amigos activos mas também belos amigos passivos e gosto deles de qualquer das maneiras. Às vezes estar visível não é tudo o que importa.
34. São trinta e quatro anos de certezas e de outras tantas dúvidas a nascer. Estou grata por tudo,em tirar nem pôr mas por favor não me quero tornar numa optimista oca ou numa pessimista deprimida. Quero apenas e só ser normal.

outubro 30, 2013

Crónica de uma recém viajante

Hoje é o terceiro dia fora de casa. Todos os dias um voo para qualquer lado, às vezes dois. Não é difícil entender como tem aumentado o meu pânico na altura da descolagem: encontro conforto agarrando o meu assento com o máximo de força mas apenas a suficiente para outras pessoas não notarem. Aprendi a gostar de não facturar bagagem e ter a liberdade de chegar mais tarde e saltar o check in. Em contrapartida, ainda preciso apurar a maneira como preparo a única mala com que viajo para transportar apenas e só o essencial. Um par de sapatos rasos, descobri ontem, é absolutamente obrigatório.

Há, claro, uma certa frustração de ficar em hotéis melhores do que o habitual (ou seja, do que aqueles que normalmente consideraria pagar) e apenas disfrutar da cama. A televisão nunca se ligou, o mesmo com as restantes comodidades e o despertar é normalmente cedo o suficiente para não apreciar devidamente o duche. Vive-se literalmente da mala, sem tempo para arrumar a roupa convenientemente, apenas tentanto que esteja o mais direita e apresentável possível. Quem me dera poder fazer todas as visitas de ganga... É engraçado como as coisas mudam: há uns anos atrás, discutia com um amigo que defendia que é necessária essa adaptação da roupa à posição, enquanto eu dizia que jamais me imaginava a fazer esse tipo de cedências. E então olho para mim agora e encolho os ombros. Faz-se um pouco o que se tem que fazer, tentando não comprometer as nossas convicções mais básicas.

Já deu para comer tapas, ver o mar, apanhar um taxista português no centro de Madrid, ter muito calor e também bastante frio, dar cabos dos pés com tanto que se anda, praticar as reuniões com clientes, aprender como estar calma (o único segredo é saber exactamente do que se fala) e, finalmente, agradecer silenciosamente o empurrão que me deram em Julho para me libertar de um trabalho frustrante, de pouca responsabilidade e demasiadas concessões. Antes que me arrependa, vou dizer: era aqui mesmo que queria estar. Agora vou só ali despachar o que falta e contar o tempo que me falta para esborrachar o meu filho com beijos.

outubro 18, 2013

A verdade é dura (e pesada!)

Chegou o momento de bater no fundo. Escrevê-lo aqui é como dizê-lo em voz alta, materializá-lo para que já não possa existir volta atrás: estou gorda.

Desengane-se quem pense que é de agora ou que eu nunca tinha dado por nada. Tudo começou há nove anos atrás, depois de deixar de fumar, com momentos de recuperação e de algum esforço mas agora cheguei a um ponto em que não consigo aceitar este facto serenamente. Não consigo olhar-me no espelho. Não consigo suportar a ideia de que a roupa me deixou de servir. Não consigo esconder a profunda desilusão que é ver as minhas fotografias de há dez anos atrás e olhar para mim hoje. Não aguento as comparações que faço entre o meu corpo e o de todas as mulheres com quem me cruzo. Não consigo aceitar a minha falta de agilidade e genica. Não posso mais fingir que me estou nas tintas para a minha imagem, porque o que interessa é o interior - estou gorda e isso foi difícil de aceitar.

Sempre tive problemas de auto-estima mas antes de engravidar tinha recuperado bastante bem. Tinha acabado de emagrecer dez quilos (depois de uma brincadeira que me magoou profundamente), fazia algum exercício, tinha encontrado uma pessoa que gostava de mim com todos os defeitos, já tinha vivido o suficiente para saber que conseguia mais se me esforçasse mais. Depois veio a gravidez. Para ser honesta, não sei se comi muito mais nessa altura mas tenho a certeza que comia muitas vezes o que me apetecia com a desculpa de que na gravidez tudo é permitido e que, a haver uma altura para engordar sem problemas, era aquela. Eu, que antes quase só sonhava com empadas, rissóis e croquetes, dei comigo a querer comer doces. Perdi a conta às queijadas de leite que comi na pastelaria da vizinha e sei que também comi uns quantos gelados enquanto passeava na Estrela.

Depois houve o pós-parto. Não tive a sorte de ser com aquelas mães que dizem que amamentar emagrece: amamentei o Vicente em exclusivo até aos quatro meses e depois continuei até aos oito, até que, exausta e refém de um bebé que tinha sempre fome, decidi parar. Emagreci uns quilos mas creio que só os que constituíam a barriga de grávida e pouco mais. Durante meses a fio esperei ver esse milagre do emagrecimento e com o crescimento do gaiato pensei que andar atrás dele me ajudasse também a perder quilos.

Não ajudou. Demorei até me habituar às rotinas e foi difícil voltar a fazer exercício outra vez. Depois, saímos de Portugal e ainda tive as minhas tentativas de me mexer: ainda consegui correr umas vezes no Verão passado e depois abracei quatro meses de ginásio para me esconder do frio. Nada resultou: não tinha objectivos, companhia e muito menos motivação. Essa força de vontade, essa determinação que só pode vir de dentro de nós falhou-me. O tempo passava, eu perdia a motivação, não via resultados e pensava desistir. Até que desisti, pouco antes da minha inscrição expirar. E continuei na mesma inércia, à espera que a solução me viesse ter às mãos (e à barriga, às ancas e às pernas) milagrosamente. Só que esse dia nunca chegou.

Hoje foi um dia importante nesta história toda. Fui procurar ajuda profissional e personalizada para perder não menos de quinze quilos. Quinze quilos! Preciso repeti-lo muitas vezes para acreditar que isto chegou a este ponto. Já não posso acordar mais a meio da noite e levar à barriga como para me convencer que ela ainda está lá. Não posso sentir-me inferiorizada porque sei que um dia fui diferente. Bem sei que a gravidez trouxe modificações ao meu corpo que não poderei apagar. Mas raios me partam se vou ficar a assistir à degradação do meu corpo e da minha saúde sem fazer nada! Boa forma, me aguarde!

outubro 15, 2013

O amor que vive fora de nós

 
Esta pequeno diálogo é real e aconteceu esta semana.

Ele: Pai, a mãe?
Pai: A mãe já saiu para trabalhar.
Ele: (desapontado) Mas eu não lhe dei um beijinho!

(Eu queixo-me muito, eu sei, e espero talvez demais de um menino de três anos. Mas acho que não esperava esta doçura no meio de tanta teimosia deste pequeno furacão. Ainda me custa perceber como é que conseguimos fazer um miúdo saudável, cheio de vida porque a genética é muito bonita mas sei lá, tantas coisas podiam ter corrido mal. É claro que é muito giro ter um bebé e andar sempre com ele ao colo e babarmo-nos a ver as suas gracinhas. Mas este miúdo está agora a aprender a expressar-se, faz perguntas e decora tudo o que se lhe diz à primeira e na maior parte dos casos não pára de falar! Posso sonhar em recuperar um pouco da minha vida antiga mas já nada faria sentido se o meu borreguinho não fizesse parte das nossas vidas.)

outubro 13, 2013

Duas semanas depois...

Enfim, voltámos ao frio e ao cinzento do Luxemburgo. Estivemos uns dias em Portalegre e outros por Lisboa, a tentar meter em quinze dias tudo o que temos vontade de fazer no resto do ano. Uma conclusão óbvia de que já me devia ter apercebido há muito tempo? Não dá. É literalmente impossível ver toda a gente de quem sentimos saudades, ver quem conseguimos durante tempo suficiente, visitar todos os sítios que nos fazem falta, comer todas as coisas com que sonhamos no resto do ano, absorver todo o Sol que não vemos por aqui. Não conseguimos e isso torna estas viagens num momento um pouco frustrante. É como se, secretamente, tivéssemos a esperança de conseguir enfiar a nossa vida anterior num espaço de tempo tão curto, conseguindo satisfazer tudo e todos. Não é que passemos o ano inteiro à espera disto mas não podemos fingir que estas duas semanas são importantes para nós.

Nos primeiros cinco dias, parecia que não tínhamos saído do Luxemburgo: algum frio, nevoeiro cerrado e muita, muita chuva. Não dava para sair de casa, o miúdo estava a precisar de libertar energia, nós precisávamos de um bocado de ar fresco. O stress e a frustração de não podermos aproveitar o tempo como tínhamos imaginado acumulavam-se.

Mas depois o tempo mudou, o miúdo ficou com os avós em casa e nós fomos visitar a nossa Lisboa. Como ainda temos a nossa casa na Estrela, a sensação é a de que vamos para o nosso hotel privado, uma casa que está sempre livre, sempre à espera de nos receber outra vez. Como antes, ficar na nossa casa é tranquilizador e algo doloroso ao mesmo tempo. Há demasiadas memórias que ganhei naquele pequeno espaço desde o dia em que a comprei, há seis anos atrás. Passei lá muitos dias tristes mas muitos, muitos dias de serenidade, de descoberta e da tranquilidade de que me faltava. Acabámos a gostar dos nossos vizinhos, acabámos apaixonados pela rua e zona envolvente, acabámos por construir uma rotina que tentamos recriar sempre que voltamos. Só que não é bem a mesma coisa porque sabemos que tem, à partida os dias contados.


Foram dias muito bons: pudemos ir ao cinema a meio da tarde, comer uma sapateira em Sesimbra e um brunch na LX Factory, andar de eléctrico entre os Anjos e a Estrela, beber minis e comer picapau na tasca da nossa esquina, passear pela Arrábida e por Sintra, ver a família e (melhor) deixar que pudessem matar as saudades do Vicente com tempo, comer o suposto melhor hamburguer de Lisboa, andar pela Baixa e beber um copo na Bica, rever antigos colegas e bons amigos, sentir a temperatura da noite sem precisar de um casaco, ter o miúdo nos baloiços da Estrela, comer tremoços e frango assado, dormir a sesta ao som do eléctrico e dos sinos da basílica, maldizer o trânsito e louvar a beleza de Lisboa, respirar o Tejo e confirmar como agora a cidade está mais virada para ele. Só faltou tudo o resto e, mais importante, a sensação de poder fazer tudo isto quando nos apetecesse, sem voos pelo meio, sem temperaturas de congelar, sem a distância que nos separa do nosso país.

Continuo a gostar do Luxemburgo, que não restem dúvidas. Continuo certa que tomámos a melhor decisão, que as vantagens equilibram bem as desvantagens mas isso não significa que o meu coração não me diga que era em Lisboa que gostava de estar. Uma das perguntas que mais nos fizeram nestas duas semanas foi quando pensávamos voltar. Com toda a honestidade mas sem termos pensado muito nesse assunto, respondemos que não fazemos a mínima ideia. Não podemos dizer para o ano, daqui a cinco anos ou nunca - estas coisas vão-se decidindo ao sabor dos dias cinzentos aqui e do Verão tardio do lado de lá. Parece-me estranho mas querer voltar não significa necessariamente querer deixar tudo o que temos aqui e sabemos que se um dia isso acontecer vamos ter muitas saudades do que vivemos, construímos e aprendemos aqui. Se calhar o verdadeiro castigo é mesmo este, termos o coração dividido em dois, amar duas cidades e dois países e querer estar sempre onde não estamos. Vamos vivendo, enfim. E reconhecemos que somos felizardos por podermos viajar com esta regularidade - afinal de contas, o Mundo está mesmo aqui ao lado.

outubro 01, 2013

Estado das coisas: ninguém merece uma escuridão assim!

Acontece que estas férias não começaram exactamente como as tínhamos imaginado. No ano passado, o tempo ajudou bastante mas este ano a coisa não é bem assim. Não precisava de temperaturas de Verão, simplesmente que parasse de chover durante uma, duas horas. Não é fácil fazer planos, ter vontade de sair de casa quando o nevoeiro chega mesmo até ao chão. Uma pessoa olha pela janela e parece que chega um sono inexplicável, uma vontade de não mexer uma palha. O miúdo não pode brincar fora de casa, os pais não podem passear, a neura instala-se.

De resto assistimos às eleições para constatar uma vez mais que Portalegre mal existe para o Mundo lá fora. Durante as horas em que seguimos os directos, nem uma única menção aos nossos resultados, apesar de aqui ter ganho uma candidatura independente. Os restantes resultados foram mais ou menos o que já se esperava, à excepção da abstenção que continua incrivelmente alta. Isto é uma perigosa pescadinha de rabo na boca: o povo está farto dos governantes que tem mas, quando pode exercer o seu direito de escolher uma alternativa (boa, má, medíocre, sofrível mas uma alternativa), prefere não ter nada a dizer. Gostava que as coisas fossem diferentes, adorava ser surpreendida mas parece-me que não vou assistir a nada assim enquanto for viva, especialmente se pensar no desinteresse que as gerações mais jovens demonstram pela política.

Vale-nos que já pudemos comer umas migas com costado e uma sopa de tomate, que o dia do terceiro aniversário do gaiato foi muito agitado mas cheio de gente que lhe quer bem, que se tem dormido o suficiente e que as previsões para os próximos dias são mais animadoras. Mais notícias só depois do nevoeiro levantar.

setembro 19, 2013

Marise & Patrice, grande duo musical!

Só tenho a dizer ouvi isto na duas últimas manhãs e se há coisa de que tenho saudades* é de fazer concertos com a minha irmã e cantar a duas vozes com ela.



(e tenho pena que a vida nos tenha empurrado para sítios tão diferentes, tornando muito mais complicada a intenção que tínhamos de morar no mesmo prédio, lado a lado ou frente a frente. E ainda das coisas parvas que inventávamos as duas, daquelas coisas que, se acontecerem hoje, ainda nos fazem mijar a rir, tipo gozar com o Thom Yorke a cantar a Exit Music (for a film) ou falar como a nossa vizinha Luísa Cristina. Não vale a pena tentar explicar porque isto é nosso e mais ninguém pode compreender-nos. Posso dizer que é a minha melhor amiga (mesmo se às vezes me esqueço de ligar), com um coração e bochechas gigantes e uma das melhores profissionais que conheço. Ela há-se ser sempre a bonitinha e eu a gordinha, não interessa se já passámos as duas os trinta. E agora apetecia-me que ela entrasse em casa cansada, vestisse logo o robe e se sentasse no sofá a comer torradas porque ela também é um bocadinho da minha casa. Olha, muah muah!)

setembro 18, 2013

As coisas boas, como as desgraças, nunca vêm sós * **

Adivinhem só quem é que iniciou uma parceria em regime de freelancer (claro) com um jornal português no Luxemburgo? Pois, acho que adivinharam! Contactada por uma jornalista da Lusa (obrigada P.!, outra e outra vez), escrevi a minha primeira crónica para um jornal de grande tiragem: vinte e cinco mil exemplares parece-me obra! Se cem pessoas lessem o que escrevi já eu era uma moça feliz mas poder chegar a tanta gente não tem mesmo preço! Se tudo correr bem, a coisa irá repetir-se e eu terei mais um motivo para fazer aquilo de que realmente gosto: escrever escrever escrever.

* o artigo pode ler lido na íntegra aqui.

** sem esforço, hei-de lembrar estas semanas como uma enxurrada de coisas boas, que me têm levantado a moral do chão e reconhecido algum valor. E bendigo a hora em que decidimos mudar de vida: sem aquela monumental cambalhota inicial, talvez não me tivesse mexido um milímetro. Mudar foi e será sempre duro mas não posso negar que o gosto, esse, é demasiado doce para olhar para trás.

setembro 15, 2013

Reduzir a velocidade



Uma das razões porque gosto tanto do Luxemburgo é esta sensação de viver rodeada por bosques, por floresta cerrada onde dificilmente penetra a luz do Sol, por campos cultivados e por cultivar. 

Hoje de manhã, aproveitando as abertas deste Outono precoce que já vivemos há uns dias, levei o Vicente a andar de bicicleta na tranquilidade do nosso bairro. Encontrámos algumas crianças num dos parques que visitámos mas o segundo estava vazio e silencioso. Eu pedalava pela parte mais alta do bairro e, entre as árvores, parecia estar a ver qualquer coisa colorida, cujas formas não conseguia identificar. Resolvemos ver com os nossos próprios olhos e encontrámos mais um parque a cinco minutos de casa, rodeado de árvores frondosas e supervisionado por um enorme depósito de água em plena recuperação. Havia sinal de toupeiras pelo parque fora, uma caixa de areia um pouco abandonada e um tapete verde e selvagem que, resultado dos últimos dias por aqui, escondia algumas poças de lama.

Ainda naquela zona, duas velhinhas conversavam numa esquina com pão fresco debaixo do braço, casais despediam-se das visitas do fim de semana e o restante silêncio só foi interrompido pelos sinos da igreja em que a missa já havia terminado. Isto não é uma aldeia mas podia bem ser. Durante muito tempo, eu quis viver em cidades grandes (mesmo que Lisboa não seja a maior das capitais europeias), cheias de possibilidades e agitação. Sinto que vivi e aproveitei (relativamente) bem essa fase da minha vida e acho que é por isso que sinto tanta satisfação com a diminuição da velocidade a que andam agora as coisas. Isto não foi exactamente uma marcha atrás, simplesmente estamos a travar com o motor, com alguma precaução e com tempo, sobretudo com algum tempo.

setembro 12, 2013

Partir

Daqui a minutos embarco num voo para Barcelona. Voltarei amanhã mas sinto-me como se fosse estar fora uma semana inteira.

É a primeira viagem de trabalho aqui, uma espécie de demonstração do que os bons e experientes sabem fazer. Na minha bagagem, um caderno pronto a estrear, o computador e uma gigantesca vontade de aprender e de que tudo me faça sentir o menos desadequada possível. Eu, sempre cheia das minhas inseguranças e incertezas, fui meter-me numa posição em que a empatia que souber/puder trasmitir aos outros irá, indirectamente, medir o meu sucesso. Ou vai ser uma boa forma de aprender a afirmar-me, a aceitar-me ou um falhanço total. Se espero falhar? Mentiria se dissesse que sim mas encho-me de medo conforme o tempo passa.

Daqui a umas horas aterro em Barcelona apenas e só para absorver todo o conhecimento que possa. Aproveito os tempos mortos para pôr as ideias e a leitura em dia, para respirar fundo e continuar a convencer-me que estarei à altura. Não agora, não em breve mas quando for tempo. A viagem começa agora.

setembro 09, 2013

Arregaçar as mangas: a mudança chegou

Já esperava escrever este post há muito tempo.

Tinha aberto uma vaga lá na empresa que eu gostava de ocupar. Não me tinha candidatado porque a) pensava que não tinha a experiência necessária e b) havia outro colega (a quem muito estimo) que também estava interessado. Acho que desde o início pensei que ele conseguiria o lugar e isso deixava-me feliz porque sei bem daquilo que ele é capaz. Mas depois percebi que ele fazia falta noutro lugar e que se calhar a questão da experiência não era assim tão importante. Mais ou menos "empurrada" por dois colegas que acreditavam nas minhas capacidades, candidatei-me ao lugar para ver no que dava.

Passei pela primeira entrevista com aquele que irá ser o meu novo chefe, preparei e conduzi uma apresentação que testava as minhas capacidades de comunicação, fui convidada para uma conversa informal com o chefe do meu futuro chefe. Na minha óptica, tinha passado com distinção em todas as fases mas há muito ganhei o hábito de me desconfiar das coisas que me parecem muito bem e muito fáceis. Esperei. Esperei por isto durante dois meses em que não se descortinava nenhuma decisão, em que não percebia se aquilo que a intuição me dizia estava certo ("Tu podes conseguir!") ou se era uma pessoa com demasiada auto-estima (profissionalmente falando, claro). Esperei até hoje à tarde, eram cinco e pouco quando me sentei com o meu futuro chefe para ouvir que sim, a pessoa acertada era eu.

Muitas vezes quis escrever sobre isto e desabafar sobre a espera que me agoniava e me deixava sem saber o que pensar. Mas o tempo ensinou-me que há muita gente invejosa, incapaz de aceitar o sucesso dos outros e também que não vale a pena deitar foguetes antes da festa. Quantas vezes me enganei, pensando que tinha conseguido alguma coisa para pouco depois acontecer o contrário. Guardei tudo para mim porque me parecia que a desilusão, a existir, seria menos dura mas desta vez não foi preciso. Vou poder crescer e evoluir, vou poder exercitar a minha diplomacia e melhorar a minha comunicação, vou viajar e deixar de estar presa a um telefone durante todo o dia. Olá, sou a nova Area Sales Manager para Portugal e Espanha. O título pode parecer pomposo mas para mim significa simplesmente que posso aspirar a ser mais e a ser melhor.

setembro 03, 2013

Le weekend a la campagne *


Passámos este fim de semana para os lados de Champagne, onde fomos encontrar os nossos amigos R. e S. Como eles vivem para os lados de Bruxelas, temos mais oportunidades de nos vermos e tentamos marcar coisas a meio caminho para todos para matar saudades. Desta vez esperavam-nos dois quartos numa pequena quinta na aldeia de Lisse-en-Champagne, em regime chambre d'hôtes. Ainda não tínhamos experimentado o conceito: são quartos (neste caso, independentes da casa principal) em casa de anfitriões que nos abrem as portas de casa e, de certa forma, partilham um pouco da sua vida connosco. No nosso caso, isso foi especialmente importante, dadas a ricas histórias de vida do casal que nos acolheu: ela é natural da ilha da Reunião (que, para quem como nós não sabia onde, fica aqui) e ele é francês, tendo prestado o serviço militar na Argélia. Conheceram-se por carta e foi mesmo antes de se poderem olhar frente a frente que Bernard decidiu ir à ilha da Reunião e trazer Leoncie para o continente. Ele divorciado, ela viúva numa daquelas histórias de como o amor supera tudo!

A quinta era pequena mas lindíssima. O jardim ganhou inúmeros prémios e muita gente marca visitas com alguma antecedência para poderem admirar o trabalho na nossa anfitriã. Ainda têm também uma horta, de onde vem grande parte dos produtos que traz à sua mesa - também oferecem a possibilidade da Table d'Hôtes: podemos marcar um jantar, eles sentam-se connosco à mesa e Leoncie prepara um belo desfile de cozinha franco-crioula. Maravilhoso, tenho a dizer! Contaram-se histórias, falou-se sobre o racismo que ainda se sente em França, rimo-nos com os episódios intermináveis que os sessenta e muitos anos dão para contar, descansámos por ali.


Enquanto não estávamos por ali, tivemos tempo de visitar a região e cumprir a vontade que todos tínhamos: visitar uma cave de champanhe. Escolhemos aleatoriamente e acabámos com visita guiada, com o processo de fermentação do champanhe bem sabidinho e com algumas recordações liquidas na mala do carro. Ainda visitámos catedrais e abadias, comemos un pain au chocolat sentados debaixo das nuvens e envoltos em silêncio e constatámos que em alguns partes de França é difícil encontrar um restaurante com a cozinha aberta depois das três da tarde. Chegámos a casa com aquela sensação de tranquilidade e de momentos bem passados, uns prontos para trabalhar, outros para seguir em frente nas férias. Este sucesso também se ficou a dever ao senhor Vicente, que até se portou à altura e fez questão de não fazer mais birras do que as estritamente necessárias ;)

* o site onde encontrámos o alojamento é este e se alguém algum dia quiser conhecer Leoncie e Bernard pode ir directamente aqui.

agosto 29, 2013

Le fin du jour

Um dos meus momentos do dia preferidos é o final da minha jornada de trabalho. Consoante o horário da semana, posso terminar à quatro ou cinco da tarde, o que até me parece um luxo.

Com um pouco de sorte (o trânsito a meu favor, principalmente) chego a casa dez minutos depois. Dez minutos para fazer os dez quilómetros que ligam o trabalho no campo com a vida no subúrbio, um subúrbio às portas da capital, calmo e limpo como nenhum subúrbio que já conheci até agora, largo, sem cafés nem esplanadas mas relativamente perto de áreas comerciais, onde os parques infantis se multiplicam e onde há muitos portugueses e italianos. Basta olhar para as caixas postais para compreender esta distribuição geográfica ou ouvir os gritos em anos de competição futebolística.

Só há uma mercearia italiana e uma loja de flores aqui neste bairro. Aliás, nem sei se lhe devo chamar bairro ou apenas urbanização. Os prédios, de três andares no máximo, estão em desvantagem para as vivendas que se encarreiram até se encostarem ao bosque e à torre de água lá em cima. Num lado, a poucos metros, a placa que assinala o começo da cidade do Luxemburgo; do outro, o acesso à auto-estrada que nos leva à França, Bélgica ou Alemanha numa questão de minutos. O estacionamento é regulado (quase todos têm garagem ou uma vinheta da comuna que permite o estacionamento na via pública), as ruas estão limpas e os quintais (na sua maioria) bem tratados. Também é fácil descobrir portugueses aqui pelo número de churrascos que fazem ou pelas antenas da companhias de cabo/satélite portuguesas que pululam por aqui. Acho que é impossível visitar qualquer localidade que seja onde não se encontre a bela da antena que denuncia a nossa nacionalidade.

Então chego a casa e o silêncio é reconfortante. O meu trabalho implica que passe o dia a falar com gente (os clientes, o chefe, os colegas do lado e dos outros departamentos) - é por isso que eu valorizo tanto o silêncio do final do dia. Abro uma excepção para a música e é tudo. A televisão permanece desligada e eu até me posso deitar no sofá a não fazer nada mas é assim que eu gosto de estar - calada. Também porque preciso de uns momentos para reiniciar o cérebro e voltar simplesmente ao português: apesar de ter um colega português, os dias são passados maioritariamente com o inglês e o espanhol falado, a que ainda junto o francês e o alemão ouvido e às tantas já o meu cérebro não sabe em que língua deve iniciar uma frase.

Preparo qualquer coisa para comer, ponho o meu correio em dia, ajeito um pouco a desarrumação que é ter um filho de quase três anos (OMG!) em casa, a espalhar autocolantes por onde passa, a esconder carros e motas por todo o lado, a sacudir as migalhas do lanche desenfreadamente entre a sala e a cozinha. Leio os blogs que acompanho regularmente, ponho-me em dia com o resto do mundo. Às vezes leio mas normalmente deixo a leitura para aqueles primeiros momento em que o miúdo se deita (obrigada fim do Verão por já ser noite antes das nove porque senão a birra "Ainda é dia!!!" ainda nos ofereceria alguma resistência) e em que a casa volta a estar imersa em silêncio. Ultimamente tenho sentido uma ânsia de criar que ainda não percebi como se vai manifestar (muito provavelmente pela escrita, que eu sou naba nos trabalhos manuais) mas que se deve cumprir nesta altura. Ando a lutar com a forma como as coisas me hão-de deixar a cabeça mas preciso do silêncio das cinco e pouco às seis e meia para materializar seja o que for.

E então busco a minha inspiração, as outras histórias de vida nas varandas com roupa estendida e na avó que se senta com a neta depois da escola sempre na mesma janela com os posters do Bieber atrás e na vizinha louca que passa tardes inteiras a gritar coisas ininteligíveis em luxemburguês para depois aparecer na rua como uma pessoa (mais ou menos) normal. Absorvo os finais do dia, espreito as nuvens da janela do quarto, tentando adivinhar que surpresa trará a meteorologia amanhã e espero por aquele momento do dia em que a campainha soa e me acontece a grande alegria do dia: um filho que, ao fundo das escadas, está sempre radiante por me ver.

agosto 28, 2013

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Gostava só de dizer que não estou triste.

(é claro que gostava muito de estar em Portugal e ter a mesma qualidade de vida que tenho aqui e poder ver o meu filho crescer perto do resto da família, mas isso é tudo. E se pareço muitas vezes triste só tenho a mim para culpar, claro, porque venho aqui queixar-me ou desabafar nos momentos menos positivos. É mais fácil escrever sobre o que me dói, o que me custa do que sobre o que me deixa feliz. Sempre foi assim, sempre encontrei na insatisfação, cansaço, injustiça, falta de amor as melhores razões para escrever e desabafar. Se calhar fui-me esquecendo como se escreve sobre as coisas felizes e estupidamente simples que me deixam em paz com tudo o resto. Continuo a ter os meus interesses, as coisas que me divertem, o meu amor sempre junto de mim, um filho que é uma casa cheia com a sua personalidade forte, com os seus defeitos e qualidades. E muitas vezes guardo para mim as vitórias que festejamos com ele, os momentos no trabalho em que me sinto capaz de tudo, as ocasiões em que me supero a mim mesma tentando ser uma pessoa melhor. Mas está tudo aqui, acreditem. Mesmo com um Verão que não durou mais do que três semanas, mesmo com a família e os amigos longe, mesmo com a mudança que pode estar para vir mas tarda em acontecer, mesmo com o cansaço de estarmos sozinhos aqui - eu sou feliz. E prometo, não por vocês mas por mim, que farei um esforço para que isso se leia também na minha escrita. Eu gosto da melancolia, às vezes afundo-me um pouco em nostalgia mas triste é que não.)

agosto 20, 2013

Regressar a 1997


Temos andado vidrados no Seinfeld e a coisa ainda está para durar! Consegui as nove séries e bem, há dias em que são episódios atrás de episódios com intervalo só para deitar o gaiato, que até se entretém com isto e vibra com o genérico e tudo.

Já não sei  muito bem de onde veio este interesse, aposto que vimos alguma coisa do George Constanza e ficámos como dois tontos a rir e a pensar nessa grande personagem. Eu lembro disto passar na TVI já tarde quando tinha acabado de entrar na universidade. Lembro-me de lá em casa existir uma Elaine (eu, ora) e o Jerry (o meu amigalhaço S.). Depois tínhamos uma amiga que fazia as vezes do George e o mais maluco dos amigos que tinha muito de Kramer. Eu já adorava a série nessa altura mas revê-la agora, já na faixa etária destas personagens, faz um bocado mais de sentido. É claro que geografica e culturamente estamos muito distantes mas há coisas que fazem mais sentido agora do que em 1997. E bem, eles são um grupo de amigos um bocado atípico (nenhum casal, todos independentes com o seu próprio apartamento, um rodopio de relações amorosas sem que me tenha ocorrido qualquer ideia de promiscuidade) mas acho que é quase impossível uma pessoa  ver a série e não se comparar com alguma das personagens. E acho reconfortante sentir que não é preciso muitos adereços, cenários ou efeitos especiais para criar uma série de culto, só bons diálogos sobre tudo (e sobretudo sobre nada), um bocado de comédia física (ou slapstick e o Kramer é o maior, just sayin') e muita, muita imaginação.

Eu acho o Seinfeld um bocadinho irritante e às vezes um bocado snob. Não ajuda o facto dele ter umas expressões faciais mesmo feias e aquele tom de voz uns decibéis acima do aceitável para um homem. Apesar de ele ser o centro da série, acho-o a personagem mais sensaborona de todas. A Elaine é engraçada e a típica miúda do meio de um grupo de amigos só de homens. Tão depressa quer ser uma companheirona como quer que a vejam como uma mulher interessante e atraente. Adoro um episódio em que ela deixa uma mensagem hiper sexual no gravador do Seinfeld, fazendo-se passar por uma mulher desconhecida e os homens todos ficam tão doidos com o que ela diz que não querem parar de ouvir a mensagem - é que às vezes a gente esquece-se que os nossos amigos/conhecidos/colegas têm outra vida para além daquela que partilham connosco. Depois há o George e todo um tratado sobre o falhanço! O tipo que acha que não está à altura de nenhuma mulher, o tipo que sabota as próprias oportunidades profissionais e amorosas, o tipo que é demasiado auto-consciente em quase todos os momentos da sua vida. Acho que é a minha personagem favorita, derreto-me com a pena que sente de si mesmo, adoro como (mesmo assim) consegue conquistar mulheres mas principalmente parto-me a rir com todas as vezes em ele é vítima das suas próprias mentiras. E finalmente há o Kramer, o indigente da porta em frente, o tipo que é fisicamente muito, muito engraçado mas sobre o qual me faltam muitas pistas para que seja uma personagem mais consistente. É claro que adoro a maneira intempestiva como entra em cena ou o à vontade como toma tudo como seu ou as ideias mirabolantes que têm mas nunca põe em prática mas gostava de saber um bocadinho mais sobre ele.

Além disso, ver a série agora é também (involuntariamente) estudar um bocadinho de história contemporânea e analisar a década de 90. Adoro os lobbies de espera dos aviões ou os telefones nos carros, a última moda naquela altura! Ainda temos muito, muito para rir - seis séries inteiras ainda à nossa espera mas ao ritmo que isto vai precisamos de uma substituta muito depressa. Até lá, vamos recuperando este bocadinho da nossa memória.

agosto 18, 2013

Tic tac tic tac

Os dias têm corrido tão rápido quanto as nuvens que têm aproximado destes céus nos últimos dias. Já tivemos muitos sinais que o Verão tinha acabado mas acordar hoje para uma chuva intermitente e irritante quase nos trouxe essa certeza. As manhãs já são demasiado frescas, frias mesmo e pode cheirar-se essa frescura no ar da mesma maneira que cheiramos a primeira terra molhada. A neblina deixa-se ficar até tarde bem junto à relva e aos pastos por onde passo todas as manhãs, envolvendo o meu caminho para o trabalho numa aura de mistério. Tenho tido o turno na manhã, começando todos os dias às sete. Adoro o silêncio do escritório no início do dia e acabar de trabalhar mais cedo que toda a gente e  chegar a casa e ainda ter mais duas horas de silêncio pela frente. Ontem pensei nos dias que faltam até voltarmos a Portugal e contei quarenta e um. Parece-me que ainda é cedo para começar a contagem decrescente mas não consigo evitar pensar nisso agora que a data se aproxima. Só me imagino a aterrar em Lisboa vinda da Costa, na nossa casa e na cúpula da basílica, a passear de manhã pelo jardim da Estrela, a fazer a estrada do Guincho e a subir em direcção à Malveira, a sentar-me nas esplanadas novas à beira Tejo, a ouvir o som característico da 25 de Abril, a matar saudades do Chiado, de Belém e de Xabregas, a enfiar a cabeça fora da janela de casa e ouvir o 28 a travar na Domingos Sequeira para apanhar mais um passageiro, beber café na Tentadora e passear debaixo das árvores da Ferreira Borges, sentar-me para almoçar na tasca da esquina dos nossos vizinhos e dizer-lhes que sim, que está tudo bem, que a vida segue por aqui mas que temos tantas, tantas saudades de Lisboa que todo o tempo do Mundo é pouco. Tenho saudades do  cão da nossa vizinha de baixo, sempre a ladrar assim que nos ouve a meter a chave na porta, da cabeleireira na rua do Patrocínio e das mercearias na calçada da Estrela, dos frangos assados e dos picapaus, da curva do Mónaco e das viagens na A5, das torres das Amoreiras e da vista no topo do parque Eduardo VII. Estou ansiosa por subir ao arco da rua Augusta e espreitar Almada e a Trafaria e o resto da margem Sul que se espalhar à beira rio e vê-las também de Santa Luzia, mesmo antes do eléctrico chegar à Graça. Tenho saudades da Morais Soares e da praça do Chile, sempre sujas e cheias de gente, com as suas promoções e gente de todo o Mundo. Já me vejo em frente ao Convento do Carmo e correr para o elevador de Santa Justa. Se eu sigo muita gente que não conheço no Instagram é porque, acreditem,  posso acompanhar Lisboa e sentir-me menos distante. E hoje faltarão só quarenta dias e o tempo continua a contar.

agosto 07, 2013

Ser emigrante: um estereótipo

A minha primeira reacção a textos como este é ficar enervada com a quantidade de ideias feitas que para ali vai, como se todos os emigrantes fossem iguais. Não são, como nem todos os alentejanos são preguiçosos ou como nem todos os Alemães são frios e distantes. Há gente boa e gente má em todo o lado, há canalhas nos países mais desenvolvidos e civilizados e há gente de palavra nos países ditos em desenvolvimento. Não existem regras, o carácter de uma pessoa está acima de uma nacionalidade.

Mas depois, quando efectivamente começo a pensar no que li, quase sou obrigada a concordar. Pouco depois de chegar ao Luxemburgo percebi porque há tantos emigrantes de férias em Portugal em Agosto: na construção civil há uma espécie de convenção colectiva que determina os períodos de férias, que se dividem maioritariamente entre três semanas no Verão e outras tantas no Inverno, em Dezembro. Ora a maior parte dos emigrantes portugueses aqui trabalham na construção civil ou noutras profissões que não exigem mão de obra qualificada (empresas de limpeza ou restaurantes, por exemplo) e são desta maneira "obrigados" a fazer férias em Agosto.

Aqui os emigrantes também se fecham muito nas suas comunidades: há ruas inteiras em que só se ouve falar Português e onde, caso não fosse a paisagem tão distinta, podíamos jurar estar em Portugal. Mas ao mesmo tempo quase todos falam pelo menos uma das línguas oficiais (normalmente o Francês) e participam na vida em comunidade. E entre os emigrantes há um alto nível de entreajuda: podemos, se conhecermos as pessoas certas, remodelar uma casa a fundo por metade do preço "oficial" só porque somos Portugueses.

Não conheço quase nenhum emigrante aqui que tenha nascido abaixo do rio Tejo: os emigrantes são, como em quase toda a parte, gente do Norte. E talvez por isso muitas vezes eu tenha a tendência a confundir a sua maneira aberta, despreocupada de ser com alguma grosseria (uma vez ouvi uma conversa entre duas empregadas portuguesas numa papelaria - com quem falei em Francês - que me fez corar e, acima de tudo, me deixou desgostosa por sermos todos incluídos no mesmo saco - o saco dos emigrantes mal formados e que tentam vingar com o chico espertismo também aqui).

Ser emigrante não nos mudou quase nada na maneira como nos comportamos aqui e em Portugal. Continuo a gostar do meu país e dos portugueses, mesmo achando que os destinos do país estão irremediavelmente mal entregues. Continuo a gabar-lhe a espontaneidade e o famoso desenrascanço que tantas vezes faltam aqui mais a Norte. Tento respeitar os costumes do país onde vivo e nunca me esqueço de onde vim. Gostava de poder ter um país que reunisse o melhor de Portugal e o melhor do Luxemburgo mas toda a gente me lembra (muitas vezes) que não podemos ter tudo. E espero que como nós, como outros Portugueses que saíram de Portugal nos últimos anos, a imagem, o estereótipo do emigrante possa um dia mudar ou desaparecer. Espero que um dia se possa dizer que são gente bem formada, trabalhadora, orgulhosa do seu passado e das suas raízes, que regressa a Portugal quando pode para matar as saudades. Sem Mercedes alugados para os vizinhos verem, sem música pimba nos auto-rádios, sem gritarias despropositadas e exibicionistas, sem desprezar a terra que nos viu nascer. Simplesmente sendo cidadãos que se adaptaram a outra vida, que, mesmo sentindo falta da sua terra, aprenderam a gostar do país que os acolhe, que procuraram para si uma alternativa que não existia senão além fronteiras. Que não se maldiga Agosto por ser o mês do emigrante e que não se pense que todos saem do país para penar lá fora. A emigração, fruto da crescente necessidade, está a mudar. Mudemos também os nossos preconceitos com ela e deixemo-nos surpreender por quem se arrisca a voar.

julho 28, 2013

Nós somos uma ilha de três!

(Este post foi uma sugestão da Ana, deixada uns comentários mais abaixo.)

A nossa mudança para o Luxemburgo implicou, como é evidente, deixarmos para trás os nossos amigos e família. Ao contrário da maior parte dos emigrantes portugueses, não tínhamos cá nem família nem amigos (OK, eu tenho um primo mas, por ser afastado, não temos qualquer ligação). Temos visto aqui que essa estrutura de apoio (quando existe) é absolutamente essencial para a integração. Há muita gente que vem sem emprego e sem casa e acaba por se ajeitar em casa de gente conhecida até que se conseguir novamente ter de pé.

Mas nós chegámos sem ninguém. Arrendar uma casa foi primeiro um pesadelo, depois uma agradável surpresa. Os senhorios têm muitas reservas em alugar a casa a estrangeiros e, arriscaria a dizer, a portugueses ainda mais. Nem demonstrando que se pode pagar a caução (muitas vezes exorbitante) e que tem contrato de trabalho - o início da procura foi doloroso e desencorajador. Mas depois veio a surpresa e conseguimos um bom apartamento num subúrbio da cidade do Luxemburgo a preços incrivelmente baixos para o que estávamos habituados a ver. No nosso prédio vivem maioritariamente idosos luxemburgueses e um jovem casal alemão que só cá está esporadicamente. Às vezes sinto que nós viemos destabilizar e acabar com todo este silêncio.

De início ainda conhecemos algumas pessoas de Portalegre que se mostraram interessadas em ajudar-nos mas que cedo deixaram bem claro que esse interesse não era real. E então desenvolvemos uma habilidade que já trazíamos de Lisboa: passámos a viver bem só os três. Eu entendo que isto possa fazer confusão a muita gente mas no geral nós bastamo-nos no dia a dia e nos dias mais especiais. Planeamos viagens, fins de semanas com outros amigos espalhados aqui por perto, fazemos planos com outros bons amigos quando vamos a Portugal. Eu tenho gente no trabalho com quem me dou muito bem e o M. também mas ainda não fizemos transbordar essas relações para fora dos respectivos escritórios. Talvez esta semana o façamos, convidando a sua chefe para jantar mas será a primeira vez.

Eu sou um bocado bicho do mato mas o M. não, pelo contrário. Só que, além do trabalho, não encontrámos ainda pessoas com quem partilhamos interesses, convicções. Não nos damos com Portugueses só porque também somos Portugueses, nem com outros estrangeiros só porque somos emigrantes - nunca forçámos estes encontros ou relações. Vejo amigos na nossa situação e vejo como se adaptaram e criaram relações e não me faz confusão nenhuma, acho normal. Mas tudo depende do país onde se vive, da profissão e dos interesses extra-profissionais e tudo isto é diferente para todos nós. Os Luxemburgueses (os verdadeiros, nascidos e criados aqui) não são muito abertos, parece-me aliás que se fecham num círculo um pouco elitista (que eu até entendo, dada a percentagem esmagadora de estrangeiros que vivem no seu país).

Às vezes isto custa, não podemos mentir. Às vezes precisávamos de caras amigas para relativizar e esquecer a rotina, uma mão amiga que nos ficasse com o miúdo enquanto tratávamos de espairecer um pouco, a companhia para nos sentarmos à mesa e beber e comer enquanto as horas passam sem se fazer notar. Já nem falo da família, que poderia ver o V. crescer e participar activamente desse crescimento com o seu amor desinteressado e a sua disponibilidade. Mas nós aceitámos a inexistência de tudo isto quando decidimos vir e às vezes o peso é enorme mas no fim a escolha é sempre nossa. E assim aqui andam os três da vida airada!

julho 24, 2013

Viajar com um puto de dois anos e muito mau feitio

Se me perguntarem como me imaginava eu há uns anos a viajar pela Europa fora, teria que responder que imaginava a fazer um interrail, de mochila às costas, cansada de dormir em estações de comboio e de comer pão com pão mas imensamente feliz por poder gozar essa liberdade. Não imaginava eu que o pudesse fazer mais tarde, já com um filho mas ainda assim imensamente feliz por poder gozar essa liberdade!

Não vou dizer que é fácil - seria mentir com quantos dentes tenho, especialmente porque o nosso filho não é daqueles anjinhos tão especiais que não gritam, não choram, dormem e comem sempre muito bem, parecem adultos em miniatura. Pois, o nosso gaiato é daqueles que esperneia muito às vezes e chateia-se se não o levamos JÁ àquele carrossel, aborrece-se sempre que tem que estar sentado no carrinho muito tempo, aborrece-se se sai do carrinho e tem que andar, não quer comer nada do que escolhemos para ele e decide que não quer dormir assim que se deita na cama do hotel. Nestes últimos dias de férias, tive dois dias em que pensava que ia rebentar de tanta arrelia, tanta desobediência (que acabou até em marcas naquela cara boneca, quando aterrou de cabeça em plena areia), tanto cansaço à custa de recusar a sesta, tanta choradeira rua fora. Mas depois houve os momentos em que o vi tão feliz, sentado ao lado de outro miúdo numa feira no jardim das Tulherias, a forma entusiasmante com que perguntava "C'est quoi ça?" enquanto apontava para a Torre Eiffel, o seu ar compenetrado e sério cada vez que andávamos de metro, as brincadeiras no parque com miúdos alemães... Uma pessoa esquece-se depressa das coisas más.

O momento alto destes dias não foi nada do que esperávamos ou não fosse ele um verdadeiro gaiato nos terrible two: levámo-lo a ver o rato Mickey e falámos muito disto na semana antes e ele entusiasmava-se sempre. Quando chegou a hora da verdade, era uma sala pequenina, onde estávamos nós, um fotógrafo e um rato Mickey em tamanho real. A berraria foi tanta, o terror tamanho que até aposto que o pobre rato se sentiu constrangido, embora imagine que não lhe faltam birras épicas para contar. Estávamos nós mais contentes que o pobre miúdo aterrorizado!

Nós decidimos (foi mais uma coisa tácita, não verbalizada) que não íamos deixar de correr mundo porque temos um filho pequeno. Não é fácil lidar com as birras, com as teimosias irracionais (partindo do princípio que as há racionais...), com o cansaço (o nosso e o dele, especialmente o dele) mas a nossa vida precisa de continuar e a dele precisa de crescer e expandir e perceber que o mundo não é só ele. No fim de contas, as partes boas sobrepõe-se aos dias de neura e repetíamos tudo outra e outra vez.