abril 30, 2008

Algumas imprecisões sobre os últimos dias

Pois que a vida nos últimos dias tem muito de música pelo meio mas não tem sido apenas isso. O meu afilhado fez trinta-anos-trinta na segunda-feira e fomos comemorar com uma festa surpresa. Escolheu-se um sítio janota à beira rio e jantámos calmamente, ele já com a sua camisola do Glorioso vestida.

A ideia dos trinta já me começa a assustar, embora ainda me falte (pelo menos) um ano. Lembro-me da minha madrinha dizer que nunca se tinha sentido melhor quando entrou na terceira década da sua vida e de como só aí começara a aproveitar realmente a vida. Eu sinto-me mais confiante que antes e mais capaz de viver, menos ansiosa e certamente mais experiente. E sinto que estou a anos luz da pessoa que era aos vinte anos. Mas onde é que isso tornou tudo melhor ou mais fácil? Onde é que a vida mudou exactamente para eu sentir a vantagem de crescer? Eu não dei ainda por nada. Portanto, até ver, chegar aos trinta assusta porque eu nem sequer penso em mim como uma pessoa com mais do que vinte anos. Se calhar chegar lá é começar a ter algumas certezas. Por enquanto, continuo a deitar-me cheia de perguntas na cabeça.

Tive que tomar medidas drásticas porque estou cansada que o meu corpo continue a achar que não passei da adolescência. O médico explicou-me tudo em pouco mais que cinco minutos dentro daquele consultório antigo (tão antigo como o senhor doutor, se calhar) e assim se gasta (nesse tempo recorde dentro de uma sala) demasiado dinheiro. Eu adoro ser mulher mas os truques e os sacrifícios que são esperados de nós para que nos pareçamos com esses ideais de beleza fabricados às vezes moem-me.

Hoje é véspera de feriado e (como se lê) estou em casa, sem quaisquer planos para sair. Não exactamente por falta de opções ou convites - simplesmente porque quero estar sozinha. A noite promete o seguinte esquema: fazer um café -> ver um episódio do Lost -> fazer a minha variação do gin tónico -> ver um filme do Spike Lee -> repetir a dose do gin tónico -> quem sabe o que vai resultar depois das duas doses? Não sou anti-social e já fui mais bicho do mato. Mas, numa noite em que não preciso dormir e em que a manhã vai durar para além das oito da manhã, eu quero fazer apenas e só o que me apetece. E agora quero estar só.

Jose Gonzalez é ♥

(a foto possível - atraiçoada pela falta de pilhas e pelo controlo constante dos seguranças)

A delicadeza de um nórdico num corpo de um latino. Um trato quase angelical. Uma forma subtil de nos prender a ele, à guitarra que parece saber a música de cor. A timidez adolescente de quem não sabe o que fazer debaixo dos holofotes.

Não fazia ideia se ia ou não ser um bom concerto. Mais do que isso, foi um momento de extrema intimidade que durou uma hora e meia. O auditório estava completamente rendido às canções em crescendo, à guitarra que, apesar de solitária, enchia o palco quase vazio. Tocou tudo o que eu queria ouvir exactamente da forma como eu queria ouvir: de olhos fechados, concentrado e doce quando agradecia entre músicas. Mas também eu sou uma parva que se deixa arrebatar por tudo e por nada, que se comove com um certo pormenor das luzes. Em todo o caso, este sueco já me tinha conquistado há muito tempo. Agora, fui só eu a cair finalmente de amores por ele.

abril 27, 2008

A Naifa

Todo o amor do Mundo não foi suficiente
Porque o amor não vale de nada

Não há remédio. Não consigo parar de olhar fascinada para ela assim que as luzes se acendem. Tem um aspecto frágil mas parece que traz dentro toda a experiência do Mundo. A voz quente canta sobre desgostos de amor, sobre vulnerabilidade, sobre segredos que não se dizem em voz alta. Quando ouço as músicas mais antigas, o conforto é quase físico. Sinto-me desprotegida quando ela fecha os olhos e afasta o microfone da boca. Ela sorri timidamente, como a adolescente que às vezes eu também sou. Os rapazes também merecem a atenção mas é na voz dela que fico pendurada, em constante tentativa de antecipação da dor. É profundamente comovente, esta Maria Antónia. E a música desarma-me com demasiada facilidade, não consigo defender-me. Quando ouço a dor de todas as mulheres que se escondem naquela voz, desisto e deixo que as lágrimas me marejem os olhos. Não o suficiente para caírem - só para o olhar ficar vidrado e inundado por esta espécie boa de tristeza.

(e a tristeza que aumenta quando parece que vejo uma cara conhecida passear-se no piso de cima. ele é igual a ti, parece que os gestos se repetem também: a maneira como leva a cerveja à boca ou como pega no cigarro. de repente, é como se não estivesses a quilómetros de distância mas aqui e tivesses esquecido depressa. já esqueceste, eu sei, mas estavas ali e eu só queria cheirar-te o perfume outra vez. silencio a vontade de te passar as mãos pelos cabelos, fecho os olhos e faço-te voltar para onde realmente estás. impossivelmente longe.)

abril 26, 2008

Melech Mechaya

Como sempre, mais uma noite de surpresa e música boa de se descobrir. Os Melech Mechaya foram tocar à Quina das Beatas e foi como se, de repente, tivessem entrado os Balcãs inteiros por aquela porta. São cinco rapazes (de Évora, ouviu-se) que ofereceram chapéus a toda a gente, que se divertiram imenso em cima do palco e me deixaram menos triste por não ver Beirut. Cheirava a Verão e a noite estava perfeita para estarmos sentados na rua. Traz boas vibrações, este calor de Abril.

abril 25, 2008

Noites longas

A. em modo acrobático nas ruas tardias de Portalegre

- Epá, eu consigo fazer umas cinco ou seis cambalhotas de seguida.
- Ah sim? E que tal se fosse já? Agora, ali fora?
- Vamos a isso!

(Pode mesmo acontecer um bocado de tudo. Podemos montar a esplanada em dois minutos para aproveitar a noite que parece de Verão. E depois podemos ir à pizzaria que já fechou e beber uma cerveja enquanto comemos fiambre aos cubos. Se voltarmos, bebemos mais uma cerveja enquanto ponderamos se vale a pena tirar a máquina da mala. Podemos maldizer todos os êxitos da Tina Turner que estamos a ouvir mas não podemos evitar saber as letras... E quando percebemos que sim, que vale a pena, ainda não é tarde demais para uma cambalhota em frente ao museu. Talvez pudesse acontecer tudo noutro sítio. Mas acho que só aqui é que sabe bem.)

abril 23, 2008

A minha memória é uma estrada

Havendo algumas coisas sobre as quais me apetecia escrever, agora só me sai isto*.

Just remember that the things you put into your head are there forever, he said. You might want to think about that.

You forget some things, dont you?

Yes. You forget what you want to remember and you remember what you want to forget.

* do brilhante Cormac McCarthy em The Road.

abril 22, 2008

Nick

Um homem de cinquenta e um anos pisa o palco do Coliseu. A multidão, à visão do incontornável fato escuro e do bigode impecavelmente aparado, grita, como que dizendo que já ia sendo altura dele regressar. Há duas baterias em palco, há luzes entre o vermelho e o rosa a contrastarem com o negro do homem que se move agilmente entre os restantes membros da banda. Talvez por ser o primeiro concerto da digressão, o homem parece incansável e bem humorado. Apesar de não ser conversador, diz o suficiente para deixar o público à sua mercê. Faz dois encores, em que deixa o público escolher o que quer ouvir. A multidão abandona o Coliseu com um tranquilo ar de satisfação.

(Nunca fui a maior das fãs mas ensinaram-me a gostar dele. Por isso é que, quando ouvi a Red right hand e a Stagger Lee, estar ali fez sentido. São apenas duas músicas mas que trazem consigo duas caras e ainda mais recordações que parecia ter esquecido. Eram tempos de pura confusão e ideias desalinhadas, noites em que chegava a casa às sete da manhã e ficava no tapete da sala a ouvir música de olhos fechados. Eram noites em que ficava a fumar num parque infantil perto de casa, em que escrevia e recebia cartas sem saber exactamente o que estava a fazer. Eram tempos de sentimentos proibidos e pouco claros. Mas eram tempos profundamente empolgantes e pródigos em vontade de arriscar. Se a música dele não me trouxe mais nada, chegam-me estas memórias desconjuntadas, que começam num banco do Terreiro do Paço e terminam numa tasca suja do Bairro Alto. Portanto, gostando muito ou não, também faz um bocadinho parte de mim. E eu saí tranquila e com tímidas saudades daqueles olhos castanhos.)

abril 21, 2008

Liquid magma noise, man.



Não consigo ouvir esta música (chamada Lovely Allen, dos Holy Fuck - um nome pouco cândido, é certo) sem sentir pelo menos uma pontinha de felicidade. Não porque a vida me corra assim tão bem mas às vezes é muito difícil não sorrir e pensar que, afinal de contas, somos pessoas cheias de sorte. É isso: a música enche-me de esperança. E, mesmo que hoje esteja naquele pico depressivo pós-festa, apetece-me dizer que (com jeito) isto vai.

(uma garrafa de rosé bebida em casa entre confissões risota; um restaurante alentejano com os melhores torresmos e alheira de caça dos últimos tempos; o karaoke demasiado mau para ser verdade, com os colegas de trabalho a abrilhantarem a noite e aquela malta que lá está todas as noites a tentar brilhar; o Incógnito em modo electro com gin tónico, cheiro a cereja e pernas em movimento constante; os aguaceiros antes do táxi de volta à Lapa; dois copos de leite e os olhos fechados no sofá; sossegar)

abril 17, 2008

Substituição: sai o moço deprimido, entram os betinhos cheios de ritmo.



Estou até agora a pensar que é um erro ficar contente e falar nisto mas não consigo. Depois deste outro concerto ser cancelado devido a razões de força maior, tratei hoje de reservar o meu lugar na pista de dança onde estes moços vão contagiar toda a gente com as cores dos pólos e pulloverzinhos de meninos bem comportados. Também vai ser a minha primeira vez no Porto* (assim a sério, mesmo de verdade, sem ser de passagem ou para apanhar um avião) e, consequentemente, nesta sala de espectáculos. Posso estar muito ansiosa por ver outros concertos mas estou ainda mais contente por poder ir abanar a anca ao som disto!

* sim, eu sei que não conhecer o Porto é uma mancha enorme no meu currículo geográfico e já há muito que pensava em colmatar essa falha. Mas à falta de uma ida espontânea, agora há um motivo gigante para ir que vai transformar a visita em algo memorável - é que, não sei as outras pessoas, mas eu vou partir aquela pista toda. Figurativamente falando, claro.

abril 16, 2008

O jogo de hoje do Benfica pareceu-se um bocado com as minhas relações até agora. Na primeira parte, dominou e mostrou-se uma equipa sólida e confiante. Na segunda, depois de voltar dos balneários, foi lentamente sofrendo do excesso de confiança e da ilusão do resultado. Onde antes havia segurança, passou a existir atrapalhação e desnorteio. E quando é assim, o final beneficia sempre a outra parte.

It's a kind of magic...

Lá no escritório, eu tenho a fama de pôr as coisas a funcionar. Sempre que uma folha de cálculo não responde ou a pasta dos Meus Documentos nem sequer aparece, a(s) pessoa (s) chama(m)-me e pede para eu ir até ao seu lugar. Quando chego, coloco-me atrás dela (s) e, miraculosamente, o que antes não funcionava passa a funcionar às mil maravilhas. Mas é sempre, hã? Há quem diga que é por às vezes não ser a pessoa mais simpática do Mundo. Eu cá prefiro pensar que é puro magnetismo sobre as tecnologias.

Aconteceu há dois dias estar num centro comercial com um amigo e o carro dele não pegar. Depois de chegarmos com variadas compras nas mãos, ele meteu a chave na ignição e nada. Nadinha, só um tic tic muito tímido, nada de faísca no motor de arranque. Primeiro, achámos que talvez o carro estivesse quente e que seria preferível esperar um pouco. Mas o tempo arrastava-se, já tínhamos pago o parque há mais de vinte minutos e o carro insistia em ficar sossegado. O atendimento do parque (muito prestável, diga-se de passagem) prontificou-se a enviar a assistência deles, o que nós amavelmente recusámos devido aos potenciais custos.

Portanto, estávamos os dois no carro, perdidos de riso, a ver as horas do jantar a passarem e sem esperança do bicho voltar a funcionar. Quando ficámos fartos de esperar, decidimo-nos pelo evidente: empurrar o carro e tentar que pegasse em andamento. Pedimos ajuda a um jovem que acabara de estacionar: primeiro, olhou desconfiado; depois, percebeu o desespero e resolveu ajudar. Na primeira tentativa, não larguei de imediato a embraiagem e o carro não pegou. Na segunda tentativa, larguei a embraiagem e o carro não pegou. Já tínhamos desistido e o meu amigo tinha-se decidido pela assistência em viagem quando eu, só porque sou a pessoa mais teimosa do Mundo, resolvi voltar a rodar a chave. E o carro pegou. Puro acaso? Talvez. Mas desta vez o acaso granjeou-me grande sucesso entre... bem, entre mim e o meu amigo.

Portanto, o magnetismo não se limita às tecnologias. Estende-se também à mecânica. Acho que vou abrir um consultório.

Acho que estou seriamente viciada.



So I'm moving to New York *
'Cos I've got problems with my sleep

* [antes fosse.]

abril 15, 2008

K de Kazoo

Já antes tinha falado da minha falta de talento para trabalhos manuais ou para a música. Mas até agora nunca tinha tido um instrumento meu (excluindo, claro, a minha voz). E ontem ofereceram-me este kazoo, garantindo-me que isto é viciante e que, acima de tudo, é fácil de usar. Lá genial é ele, que sempre nos dá a ideia de estarmos a fazer algo de particularmente interessante no mundo das canções. É claro que me ri e disse na altura que isto não era nenhum desafio, que era demasiado fácil fazer música com ele, que era só soprar e a música havia de sair.

O problema foi quando, em casa, tentei sacar com facilidade uma versão duma música dos Vampire Weekend. Não deu. Quer dizer, não consegui mais do que soprar sem qualquer consequência, quase sem som. À segunda vez, percebi que há ali um jeito que se dá com a língua (acho eu, que muitas vezes não sei explicar como consigo determinadas proezas) e que, isso sim, faz com que haja qualquer coisa parecida com música. Mais do que lutar para conseguir uma canção completa, ando a lutar com o ridícula que me sinto quanto tento tocar. E se calhar isto nem vem a ser um mau treino. Saber ser ridícula com classe sempre é outra coisa.

abril 14, 2008

Bairrismo

A minha vizinha do lado (que tem mais de sessenta e tal anos) faz-me travessas de aletria, oferece-me pedras semi-preciosas no Natal, recolhe a roupa que esqueci no meu estendal com um anzol (!) e canta o fado enquanto recolhe a roupa dela.

(Um post sossegado a contrastar com o regresso ao trabalho: sem sistema a manhã inteira, houve milhares de contratos para serem separados. Há mais trabalho em espera do que o que esperava e tudo tem que ficar pronto até Sábado. A minha chefe foi de férias, os assistentes perdem a memória todos os dias e as tarefas acumulam-se na minha lista de prioridades. Acho que preciso de férias outra vez. Desta vez, a sério.)

abril 12, 2008

Badlovers & Hysteria Iberika

Foi a última Quina das Beatas antes de voltar à dura realidade. Numa das noites mais concorridas dos últimos tempos, vimos os Badlovers & Hysteria Iberika a flirtar com o público, com gritos a incitar à dança e provocações constantes. Eu era muito pequena quando explodiu a Movida espanhola mas aposto que se parecia um bocadinho com isto. E a frase da noite foi "No me interessa tu polla, solo tu dinero"... Ahem.

abril 11, 2008

Contagem descrescente

Portalegre, pormenor do Paço Episcopal

E eis que ao último dia de férias a chuva dá uma trégua. Em vez das enxurradas dos últimos dias, um Sol tímido por entre nuvens muito altas fez-me ter vontade de sair de casa. Os últimos 5 dias tinham sido passados fechada em casa, sem vontade de encarar a chuva ou o vento forte. Hoje, que é oficialmente o meu último dia de férias, aproveitei para passear um pouco e para [literalmente] ver a luz do dia. Não sinto grande coisa em relação ao fim das férias: demasiado tempo de inactividade leva-me sempre a desejar regressar à rotina. Talvez Domingo o sentimento seja outro e me recuse a entrar no carro para mais duzentos quilómetros. Vou tentar aproveitar ao máximo o tempo que me resta aqui para que na Segunda, quando voltar a ser escrava do sistema (um sistema qualquer, um monstro abstracto e castrador), possa rir-me por dentro e encarar o regresso com coragem.

Casa ♥

Imortalizá-la no (meu) tempo.

abril 10, 2008

We never get to dance, we just seem to stare. *

O tempo vai mudar, eu sei. Denuncia-o o vento que me revolve os cabelos quando fecho a porta do carro e o fumo que as chaminés derramam sobre as ruas do meu bairro. Sei-o quando estou parada, a porta aberta só para ver chover como se fosse a primeira vez, como se não adivinhasse este dilúvio já. Quando te disse que gostava de ouvir esta música muito alto, era apenas isso que queria dizer: que a queria ouvir até que ela me cobrisse, até que não houvesse mais nada. Conversamos tanto sobre tão pouco que às vezes duvido da minha capacidade de abstracção. Falamos, usamos palavras gastas, moldamos-lhe o significado, tentamos alterar-lhes o sentido até que elas possam dizer exactamente o que queremos mas nunca conseguimos, ficamos sempre quase lá.

E tu, quando tu me pedes silenciosamente para ficar, sabes que gostaria de ficar. Desenterras a ferida mestra com que me marquei um dia e sabes exactamente quando e como me vou magoar. Não faz mal, penso eu. Não importa que saibas ler-me para além de todo o ruído com que normalmente me cerco. Eu quero ser triste contigo porque tu sabes como dói. E quando a minha dor passa a ser a nossa dor, a tristeza amansa e somos menos tristes, as duas. Sentada neste banco alto, espero apenas o momento em que me desarmas para soltar o dilúvio. De palavras, de sal. E se me ofereces mais um copo, é porque sabes como a dor desiste de mim quando a euforia me controla o corpo. Só quero que me doa até chegar aqui. Até ao momento em que abrimos a porta e há um rio castanho a lamber a soleira. Antes disso e depois disso, eu sou apenas mais uma.

* de alguém de quem gosto muito.

abril 09, 2008

Porquê?

Em resposta ao desafio que a Sónia me lançou aqui, fica a explicação.

Nas primeiras vezes, escrevi num blog (que já não existe) em forma de diário. Tendo perdido a password para aceder ao mesmo, copiei os textos que tinha lá e foi assim que comecei este. Naquela altura, pensei que era uma maneira mais ou menos segura de manter um diário, sem os constrangimentos de alguém o poder ler. Já tinha experimentado a versão papel mas uma vergonha constante de ser descoberta fez-me desistir.

Depois de colados os textos neste blog, comecei a perceber que havia mais coisas sobre as quais podia escrever. E a verdade é que, ao longo dos tempos, a escrita adensou-se e foi acompanhando os meus (inúmeros) picos de humor. No início, ninguém sabia da existência do blog mas sabia que, por ser um local público, era provável que alguém lesse o que escrevia. Lembro-me que um amigo o descobriu, acidentalmente, em 2004, o que provocou uma mini-revolução na minha maneira de escrever porque sabia que estavam de olhos postos em mim.

Quando estive em Berlim, tinha a intenção de usar o espaço para mostrar como se vivia por lá. Mas a preguiça e a dificuldade no acesso à internet não me motivaram e só sobraram meia dúzia de posts errantes. Só depois de voltar consegui manter uma frequência digna desse nome - e aí já mais gente sabia que escrevia. Daí até chegar ao ponto onde estamos hoje foi um salto.

Continuo a escrever porque é, talvez, aquilo que me dá mais prazer. Sem talento para trabalhos manuais ou para tocar qualquer instrumento, sobra-me a escrita. Também não vou negar que a esperança de existir gente desse lado me faz continuar: é muito reconfortante essa sensação de feedback, de partilha - de público, enfim. Mas provavelmente continuaria a escrever se tudo isso não passasse de uma esperança porque preciso. Nem que seja meia dúzia de palavras. E a vocês, o que vos move? Ao Pedro, ao Cosmonauta, à Catita, à SuperM. e à Berlinerin.

abril 07, 2008

Uma cidade adormecida

Era Domingo de manhã e eu precisava sair de casa com urgência, depois de um Sábado passado a contorcer-me ora no sofá, ora na cama. A minha mãe tinha-me dito que o melhor era vestir umas calças e ir para a rua andar um bocado. Não saí de casa antes de procurar um boné. Estava tanto calor para um Domingo de Abril mas nada que possamos realmente estranhar porque agora quase só temos duas estações. Havia mais pessoas a subirem a serra, devagar, conversando sobre coisas que a música não me deixava ouvir, suando debaixo do mesmo Sol que fazia com que destilasse todos os meus excessos.

Quando desliguei a música dei-me conta da ausência de sons, à excepção talvez das cigarras e do crepitar das ervas secas. Portalegre ainda estava a dormir ou a espreguiçar-se pelas altitudes que (dizem) já não deviam ser alentejanas. Evaporavam-se os meus males com a caminhada e encontrava finalmente a tranquilidade de que andava à procura.

abril 06, 2008

Wraygunn

Dificilmente podia ter um melhor começo de férias. Um concerto no sítio do costume e uma noitada à moda antiga, com direito a discoteca e tudo. Desta vez, os Wraygunn tocaram no Grande Auditório, que infelizmente estava muito longe de esgotado. Mas se calhar essa mesma ausência de público tornou o concerto num acontecimento muito mais espontâneo e ajudou a que pouca gente fizesse a festa em grande. Todos foram convidados a estar perto do palco e, no momento mais surrealista da noite, dada a possibilidade de alguns motores serem danificados (quando se falou nisso houve uma gargalhada geral na sala porque ninguém entendeu do que se falava), todos foram convidados a subir ao palco.

Não contente apenas com o público a partilhar os holofotes, o homem tigre ainda montou o microfone na primeira fila da plateia e tocou entre um público impressionado com a sua espontaneidade. Galgou todas as filas da plateia de microfone em punho, demonstrou o seu sentido de humor com um casal de holandeses que também se encontrava no concerto e acabou a noite a passar discos no bar do café-concerto. É por isto que é tão bom ouvir e ver música aqui - porque a certa altura artista e público tornam-se num só e, de copo na mão, é muito difícil distinguir quem é quem.

* uma nota breve sobre o encontro de blogues que este concerto proporcionou. Pedro, espero que a tua princesa tenha gostado das Princesas no Gelo

abril 03, 2008

Return to sender

Mala feita. Livros, máquina fotográfica, jornais em atraso, disco externo num saco. Não tenho planos nenhuns para a próxima semana, que será de férias em casa. Também podia ficar em Lisboa para acordar cedo todos os dias e pensar, aliviada, que não preciso ir trabalhar. E podia aproveitar este tempo desregrado para dar um salto a uma praia qualquer.

Faz por esta altura um ano que estava aqui e não conseguia encontrar melhor sítio para estar. Apetecia-me repetir estes dias todos que passei sozinha a conduzir quase sempre à beira-mar, a comer peixe fresco em restaurantes em que era a única cliente, a estrear a roupa de Verão, a passar a manhã inteira na Zambujeira com um pequeno-almoço daqueles enquanto lia o jornal e gozava o silêncio, a fazer uma espécie de viagem de reconhecimento dentro de mim. Quase nunca conduzi a mais do que setenta quilómetros por hora, descobri praias escondidas por caminhos de terra batida e comi o primeiro gelado do ano enquanto ia a pé para a praia de Almograve.

Como ainda não sou milionária, não posso seguir à letra essa ideia das férias fora de época. Trabalha-se em Agosto, enquanto toda a gente esgota as praias e os sítios giros de se visitar, e gozam-se as férias num mês improvável, quando a possibilidade de encontrar mais gente na mesma situação diminui drasticamente. Resta-me saber que no meu destino vou encontrar desse silêncio. Mais familiar, é certo, mas igualmente bom para pensar. Faltam dezasseis horas e meia e eu sinto o tempo a passar devagar. Quando voltar, estarei já em modo férias.

abril 02, 2008

Idiossincrasia

Enquanto aspirava o quarto e a cozinha dei comigo a pensar que umas vezes quase me emociono quando encontro pessoas parecidas comigo (os mesmos gostos, as mesmas ambições, as mesmas maneiras de encarar as dificuldades). Noutras vezes, apenas sinto um esboço de tédio. Às vezes, sinto-me a pessoa mais cruel que existe.

(E, nem a propósito, preparo-me para ver o There will be blood, onde (parece) vou encontrar uma personagem que vai mudar a minha definição de crueldade. Para me lembrar que não sou assim todos os dias.)