dezembro 31, 2011

Bye bye 2011

Tem-me faltado a paciência mas principalmente o tempo para me sentar verdadeiramente ao computador e escrever o que me vai na alma. Esta recta final de 2011 foi demasiado atribulada para nós e custou-me até recuperar e voltar ao estado de normalidade. Como algumas pessoas, estou muito feliz por ver este ano finalmente a acabar. Preciso de um ano interinho, a estrear para que me possa sentir com forças e para que possa ver finalmente alguma melhoria.

Há um ano atrás tinha um bebé de colo e hoje tenho um borreguinho que não pára quieto em lado nenhum. Os desafios são outros: acabaram-se as dores do sono e da amamentação, começaram as dores dos primeiros passos, das primeiras quedas e das primeiras lutas pela independência. Quase não valia a pena falar no muito que fui aprendendo nestes últimos meses, porque ser mãe é exactamente ser posta à prova durante todas as horas do dia, sem direito a grandes pausas, sem sequer poder olhar para o lado sob pena de acontecer um acidente. Só que ser mãe também é ter a certeza de que nunca tinha gostado tanto de um abraço como daquele que me dá o meu filho sempre que entro em casa ou acabo de lhe vestir o pijama. Luto constantemente entre o medo de ser uma mãe negligente e a impressão de ser a melhor do Mundo.

Voltei a trabalhar em 2011, sem que o esperasse. Encontrei um lugar onde me sinto útil, bem recebida e nenhum dia houve em que tenha chegado chegado chateada por trabalhar. Ganhei novos amigos, bons colegas e continuo a longa aprendizagem de saber como não quero ser. Só que continuo a ter algumas ambições e a desejar profundamente o progresso e a mudança e tenho trabalhado bem para isso. É muito bom sentirmo-nos assim profissionalmente. Infelizmente, este ano que agora se anuncia vai ser tudo menos fácil e a única coisa que eu peço é que haja uma oportunidade para todos os que me são próximos. Tudo o resto vem por acréscimo.

Não vou dizer que não tenho medo do ano que aí vem. Na verdade, estou por dentro a tremer como varas verdes, especialmente quando olho para as dificuldades que já passámos este ano e que prometem não abrandar. Só que tenho esperança de um dia olhar para trás e sentir orgulho da forma como todos nós vivemos e sobrevivemos a estes anos tão difíceis, tão cheios de provações, instabilidade e desilusões. Quero acreditar que à nossa imensa capacidade de lutar e de arregaçar as mangas se vai juntar uma ínfima dose de sorte, um daqueles momentos em que se está no sítio certo à hora certa, para nos dar um empurrãozinho. Para mim, peço uma maior dose de calma e paciência. Para o meu filho, toda a saúde que lhe tem faltado e o mesmo sorriso com que corre na nossa direcção. Para o meu amor, o desafio profissional que lhe tem teimado em fugir. Para a minha família, um pouco da serenidade que estes tempos têm feito desaparecer. Para os meus amigos, peço apenas que os possa ver felizes na vida que escolheram e que possamos sentar-nos mais vezes à mesa a partilhar. A todos desejo um feliz 2012 e espero que, apesar de todos os arautos da desgraça nos governos, nas televisões e nos jornais do Mundo, possamos florescer no novo ano que amanhã começa. E que possamos aprender a reconhecer a felicidade nas pequenas coisas.

Até para o ano!

dezembro 22, 2011

Ode ao serviço nacional de saúde *

Eram umas quatro da manhã quando regressámos a casa. Aqui não há urgências de privados e nem acordos com o seguro de saúde. Na verdade, também já não existem urgências pediátricas depois da meia noite, o que nos obrigou a passear entre os idosos acamados que esperam nos corredores por algo que não sei muito bem o que é e pelos outros que ainda têm forças para gritar. O médico era espanhol ou coisa que o valha porque parece que a malta não gosta de vir exercer medicina para a província. Dizem que os médicos se vão ver obrigados a emigrar mas, se eu pudesse dar um conselho, dizia-lhes antes para apenas migrarem porque aqui há muita gente a precisar.

A conversa começou mal. O meu nervosismo e ansiedade também não estavam a ajudar nada mas ele não estava para brincadeiras. Fez uma série de perguntas inconvenientes, a que só outra médica poderia responder mas felizmente parou a tempo ou eu não teria respondido por mim. Seguiram-se raio-x e análises ao sangue e urina e o bebé Vicente mostrou-se corajoso e muito mais valente do que muitos adultos. Vê-lo a tirar sangue foi, seguramente, um motivo de orgulho, embora as circunstâncias não fossem as melhores. No final, não havia razão para aconselhar um internamento mas muito material para reavaliar e ponderar a existência duma doença crónica.

Ter um seguro de saúde não garante cuidados melhores, embora os mesmos sejam pagos a peso de ouro. Eu gostava apenas que, sempre que nos cobram o balúrdio de cada urgência pediátrica, alguém tirasse dez minutinhos do seu tempo para nos explicar o que precisamos de fazer ou para nos descansar ou para nos chamar a atenção para as coisas que nos escapam. Só que infelizmente a humanidade, a delicadeza ou a cortesia ainda não se aprendem nas escolas, onde o que se quer é a malta com as notas mais altas. Erro crasso, digo eu, que vez após vez sinto que falta formação humanitária a quem que devia ter essa vocação. Mas assim vai o Mundo e muitos ainda sairão do país. O custo desta debandada e da chamada crise de valores que o paguemos nós.

* ainda que na pele dum médico espanhol.

dezembro 19, 2011

Mãe Natal


Isto é muito mais que um cliché: já tínhamos decidido comprar apenas presentes para os mais pequenos (e mesmo esses podiam ter sido feitos por nós) porque a vida não está para grandes aventuras. Mas sei lá, uma pessoa pensa que ainda se podem abrir duas ou três excepções e afinal custa tanto não dar qualquer coisa e uma coisa leva à outra e decidimos oferecer presentes feitos por nós. Eu até gosto das coisas da cozinha e fui buscar umas ideias aqui e ali porque não tenho muito jeito para inventar. Saíram umas bolachinhas do mais simples que há para comer com uma das compotas mais diferentes que tenho visto por aí. Eu acho que ficou tudo fofo e só mudava os acabamentos mas só porque não tivemos grande tempo de nos dedicarmos a isto mas no final - contentes com o resultado!

dezembro 14, 2011

Arts & Crafts


Então eu, aquela sem jeito absolutamente nenhum para os trabalhos manuais, aquela que odeia tarefas repetitivas e minuciosas, aquela a quem falta imaginação para a bonecada e outras actividades infantis, magicou um fantoche para o Natal da creche. É claro que foi segundo a sugestão das educadoras e contando com a melhor ajuda de sempre mas pronto, saiu-me uma coisa engraçada. Não é nada perigoso nem nada transcendental mas ter filho é sair à bruta da nossa zona de conforto.

Mom's night out

Eu já andava a prometer isto há tanto tempo, já só queria ouvir música para dançar e pensava incessantemente num gin tónico (vá, em vários gins tónicos, se quiser ser realmente honesta), mesmo temendo o dia a seguir. É que antes de ser mãe existia vida social por aqui - agora ainda existe, felizmente, mas de uma natureza completamente diferente.

Então isto já me andava a rondar o pensamento há muito, afinal já passam dois anos (até dói pensar, 9 meses de gravidez + 1 ano de maternidade) desde que saí com tudo aquilo a que tenho direito. Já pensava que não me divertiria, que me ia aborrecer com os sítios e as pessoas e depois estaria desactualizada na música e nem sequer saberia dançar. E tinha medo de sentir já o generation gap quando atravessasse as ruas apinhadas do Bairro Alto. Eu estou mais velha e longe dos miúdos de dezoito anos que agora entopem as ruas, é verdade, mas descobri o melhor: não estou minimamente interessada nisso! E foi assim que o pessoal do trabalho me levou a jantar em plena estação do Rossio e depois uma paragem quase debaixo de nevoeiro para um copo de ginja que acabou na minha mala e as Escadas do Duque pareciam intermináveis até que as ruas do Bairro Alto se fizeram adivinhar. Ainda danço, ainda sei as músicas de cor e ainda sei onde devo parar. É claro que há um certo bebé que não me sai da cabeça em muitos momentos mas, se sei que ele está bem entregue, posso deixar de ser mãe galinha por umas horas. No fim, dividi o táxi como nos velhos tempos e fiz aquele bocadinho até casa debaixo de nevoeiro intenso. Afinal, eu ainda existo. Com mais juízo, mais contenção e mais tranquilidade mas ainda estou cá.

dezembro 08, 2011

Bicho do mato



Eu nunca escondi de ninguém que não sou uma people's person, ou seja, não gosto muito de pessoas, aborreço-me muitas vezes com certos comportamentos. Exactamente por isso não faço amigos com grande facilidade, demoro demasiado tempo a confiar nas pessoas, o que acaba por afastar algumas. Não admira então que sempre tenha pensado que criar amizades baseadas apenas no facto de termos um filho nunca me pareceu normal: uma pessoa olha à volta e as pessoas começam a ser amigas nas creches, nos parques, nas lojas de criança só porque é bom ter alguém com quem falar dos cocós. Eu nunca senti grande empatia por outros pais só porque sim, só porque, como eu, têm noites mal dormidas, casas desarrumadas e cozinhas cheias de sopa por todo o lado. É verdade que nem toda a malta sem filhos tem paciência para nos ouvir mas eu também tento sempre não chatear as pessoas.

Isto tudo é muito bonito mas entretanto chegou o Natal. E teve que ser: os pais foram chamados à creche para preparar as festividades para a criançada. Eu, bicho do mato que chateia, quero à força envolver-me nas actividades do meu filho, para aprender como posso estimulá-lo, para melhor acompanhá-lo e saber como está ele a ser acompanhado. Isto implica envolver-me com outros pais que, como eu, querem estar presentes e trabalhar em grupo. Isto tudo para dizer que não fiz amigos, tal como esperava, mas senti-me integrada numa espécie de comunidade. Estou em pulgas para ver a cara da miudagem quando vir a surpresa que preparámos. E entretanto continuo a não gostar de pessoas mas aprendo, todos os dias, a fazer um esforço. É difícil que se farta.

novembro 28, 2011

Sobre não procrastinar :)




Nada como um Domingo passado quase inteiramente fora de casa, aproveitando um dia que, se não fosse o ar gelado sobre Lisboa, podia ter sido de Primavera. Uma das vantagens de ter um despertador chamado Vicente é que quase somos obrigados a aproveitar melhor o nosso tempo livre, garantindo que ele está entretido e que nós ainda vamos tendo vida social. É claro que, algures durante a semana passada, eu tinha sonhado em ficar de pijama o fim de semana inteiro, sem sequer saber se estava frio lá fora e alternando apenas entre a cama e o sofá. Eu sonhei com isso, acho eu. Mas enfim, é aproveitar que esta semana há mais um dia livre e não abrir nenhum jornal ou revista para não correr o risco de encontrar mais alguma coisa que gostasse de fazer. Hoje estivemos aqui e aqui e, se o Campo Grande via já bastante movimento de turistas, a fila para os pastéis de Belém era absolutamente irreal e não foi difícil esquecer-me que queria mesmo comprar meia dúzia. Também aprendi uma coisa: nunca, mas nunca, sair sem uma chupeta na mala. Ou isso ou os tímpanos furados com tanta gritaria, a jóia do cachopo. De resto, e como já dizia o malandro do Raúl Solnado, cá em casa tudo bem.

novembro 24, 2011

(Eu não queria falar com isto mas ando com este assunto entalado na garganta e por isso vou dizer de uma vez: estou farta de mulherzinhas. Não é uma questão de género porque também conheço homens que são mulherzinhas sem sequer o sonharem. Estou cansada desta gente que acorda cansada e para quem tudo na vida é apenas uma soma de canseiras com fretes e mais obrigações. Gente que nunca está contente com as temperaturas, ora porque está muito frio, ora porque sente muito calor. Gente sem o mínimo brio profissional, sem qualquer vontade de ser melhor de apostar em si para no fim deixar sempre a culpa para os outros. Gente incapaz de ver the bigger picture, perceber que nem sempre o que vemos é o que parece, compreender que todas as histórias têm dois lados. Gente que não admite qualquer alteração ao tom de voz dos outros mas adora destratar pessoas por dá cá aquela palha. Gente que terá sempre, sempre uma palavra de descontentamento não importa sobre o quê, gente incapaz de aproveitar as pequenas coisas boas da vida, preferindo engolir tiradas atrás de tiradas de veneno. Gente que acha que tem apenas direitos e não deveres. Gente que faz tudo apenas por fazer, sem procurar um sentido último nas coisas.  Gente que diz que sim mas que não entende verdadeiramente o conceito de karma. Gente que acha que ganha uma miséria mas que trabalha muito menos que isso. É difícil conviver com gente assim, especialmente quando elas se multiplicam por todo o lado. Mas é por elas que eu, quando me ouço a ser assim, páro uns segundos e me impeço de continuar. É preciso ter cuidado: ser mulherzinha é contagioso.)

novembro 23, 2011

(I bet that I look good on the dancefloor)


Isto ainda vai dar mau resultado. Há muito tempo que ando a sonhar com isto precisar disto. Era jantar numa tasca qualquer, de preferência com comida e vinhos portugueses. Depois, seguir para o Bairro Alto e alternar entre as ruas com menos gente e sítios com cerveja barata. Conversar muito, esquecer-me do tempo, do frio, das dificuldades dos últimos tempos. Flirtar com o homem da minha vida, como se ainda fosse este o início. Descer aos Poiais de S. Bento sem pressa e dançar no Incógnito até que as luzes nos dissessem que o dia tinha chegado. Fazer a pé o caminho para casa, parando em frente a montras de talhos, escadaria da Assembleia e mercearias com bananas amarelinhas à porta. Ouvir o nascer do dia à entrada do jardim da Estrela e dormir, finalmente, sem preocupações nem deveres marcados. Se me apanho numa pista de dança, não respondo por mim.

novembro 15, 2011


Nota mental: uma casa destas não me chega para guardar todas as recordações que ainda aí vêm.

novembro 14, 2011

(Esquecer-me de tudo o resto)




Eu afasto-me daqui para não repetir lamúrias e para não espalhar ainda mais o desespero que às vezes me ataca. A vida tem ficado cada vez mais difícil nestes últimos meses e às vezes ainda me custa a aceitar tantas dificuldades. Claro que às vezes desço à terra e, depois de ver gente com verdadeiros problemas, quase tenho vontade de me esbofetear e fico envergonhada por me deixar ir abaixo quando as coisas importantes da vida nunca nos abandonaram.

No fim de semana passado, encontrei uma antiga professora. Foi uma surpresa tão agradável, ela tão espantada por me ver tantos anos depois, eu contente por podermos trocar dois dedos de conversa. Mas o importante foi uma coisa que ela me disse sobre os tempos em que vivemos: é preciso relativizar as coisas más e valorizar as coisas boas que nos acontecem. Pois então, vamos a isso: o bebé Vicente deu os primeiros passos neste Sábado! Agora já se interessa por brinquedos (um bocadinho) mais elaborados e está muito meiguinho mas o que importa é que deu os primeiros passos, quase correndo em direcção ao pai. E é verdade que nestes minutos em que ele vai cambaleando tudo o resto deixa de existir e só eu sei como precisamos disto neste momento.

E, de vez em quando, regresso à terra e só não agarro nos meus para fugirmos porque enfim, ainda há aqui muita cobardia e falta de um projecto a sério. E quase rezo todos os dias para que as coisas não piorem (ainda, cada vez mais).

novembro 06, 2011

Diga trin-ta-e-dois!

Fazer anos quando já se tem um filho é estranho: é como se me revisse neste pequeno gorducho que grita pela sala fora. Há trinta e dois anos tinha já dez horas de vida e iniciava um percurso de anos sem dormir à noite mas a fazer as delícias da família toda. Nesta fotografia pareço um nadinha aborrecida mas pelo menos os meus pais estão em grande estilo :) Não planeio festejar mas Parabéns a mim, nascida no último ano da belíssima década de setenta e escorpiona com muito orgulho!

novembro 05, 2011

Pequenas (re) conquistas



Um ano já passou e não tem sido fácil. Parece que há quem tenha bebés mais sossegados e a precisar de menos atenção e, consequentemente, mais tempo para outras coisas. Nós nem por isso e não me estou a queixar: ainda consigo perceber que há crianças mais agitadas e que nem gostam de comer e que odeiam relacionar-se com estranhos, eu sei disso. Mas só falo do impacto que as nossas vidas necessariamente sofreram com a chegada do terceiro habitante lá de casa.

Escusado será dizer que estamos loooonge da agitação e sensação de desorganização de há um ano atrás. O bebé Vicente já não depende tanto de nós e, como já brinca sozinho, já se consegue entreter sozinho durante uns minutos. Está a ser difícil pô-lo a andar mas cada criança tem o seu próprio ritmo e, afinal de contas, ele é filho de dois alentejanos: é um miúdo sem pressa!

Lentamente tenho conseguido retomar actividades que já me faziam falta. Terminei esta semana o primeiro livro desde que ele nasceu (estava a gostar muito mas o cansaço atacava normalmente de tal forma que nunca conseguia despachar mais de uma página ou duas). Comecei a escrever à mão, usando o diário dele como desculpa e tentando organizar também as minhas memórias. Já consegui um ritmo no trabalho que de vez em quando me deixa ouvir música, por isso tenho-me voltado para as coisas novas. Saindo tão cedo, consigo organizar melhor o meu tempo e voltei a cozinhar mais vezes sem que isso implique gastar muito tempo concentrada na cozinha. Filmes e séries ainda tem sido muito de vez em quando mas é coisas que tem tendência a melhorar. Estou bastante pró em passear pela casa, em jogar com bolinhas, em fazer jogos de encaixe e em passear um bebé pela cintura. Às vezes gostávamos que as coisas voltassem ao normal mais depressa mas temos que ser pacientes. Até já sonho um dia voltar a dormir uma noite inteira...

outubro 30, 2011

Indian summer




Hoje foi dia de aproveitar mais um belíssimo dia de Sol, desta feita no quintal de amigos. Umas horas bem passadas assando castanhas, brincando com os pequenos, picando miniaturas de pastelaria e compotas caseiras, tentando habituar o corpo à hora de Inverno, acompanhando o petisco com capilé. Depois de amanhã é Novembro, o bebé Vicente ainda não pode pedir os Santinhos e parece que eu já não chego a fazer anos de manga curta. Já tenho as prendas de Natal pensadas e saudades do bolo de milho da minha avó. É importante permitirmo-nos uma pausa na confusão dos dias e apenas estar. Amanhã o mundo está de volta.

outubro 29, 2011

Sábado de manhã



Acordar cedo, depois de uma noite até bem dormida. Tratar da casa ainda debaixo do silêncio. Levantar as cortinas para aproveitar o Sol de Outono. Café na vizinha e passeio rumo a campo de Ourique. Tratar da fruta para a semana com a senhora da fruta a oferecer uma banana ao bebé Vicente. Procurar peixe fresco para o almoço de Sábado. Bebé vomita frente à banca do peixe, pedir papel e toalhitas emprestadas às peixeiras. Ah a vida de mãe, a palavra monotonia desaparece imediatamente do dicionário

outubro 26, 2011

State of the art

Nos últimos meses, temos tido tanto mas tanto azar com tudo que começo a achar que não é apenas uma fase mas um novo modo de vida.

(é um post curto porque não me apetece desenrolar a lista de pequenas desgraças que vêm acontecendo todos os dias, doenças breves e mal curadas, falta de protecção social, avarias temporárias e permanentes, falta de esperança e de optimismo, surpresas sempre desagradáveis, algumas despesas crescentes e outras inesperadas, noites mal dormidas e madrugadas cada vez mais turbulentas, um certo mal estar que se vai instalando como quem não quer a coisa. Sabemos tão bem que a olhar em frente é que se faz o caminho mas um dia não são dias e este tempo invernoso se calhar não veio ajudar. Haja fôlego, é o que (me) peço.)

outubro 18, 2011

Run M. run!


Encontrámos finalmente a solução para voltarmos ao exercício físico sem mais demoras ou desculpas: levamos o bebé Vicente conosco e corremos à vez! É claro que é uma situação temporária - parece que os dias mais frios estão aí a chegar e o bebé não poderá estar sujeito a intempéries - mas já é o empurrão de que precisávamos. Foi muito duro voltar a correr: sinto-me literalmente muito pesada e isso também contribui directamente para as minhas capacidades respiratórias. Já deu para suar q.b. e ficar vermelha que nem um tomate. Também é verdade que o tempo ainda quente não ajuda a respirar mas enfim, há-de melhorar.

Sair às 16h tem sido uma verdadeira benção: claro que acordar e ser noite cerrada custa e os finais do dia são muitas vezes em modo zombie mas tenho aproveitado muito melhor o tempo e estou cada vez mais organizada. Como o Euromilhões tá difícil de nos sair, o melhor mesmo é aproveitar as benesses que temos e trocar as voltas à crise. Afinal, nós estamos de pedra e cal e ela há-de passar...

outubro 17, 2011

Tentar viver melhor


Enquanto a coragem não é suficiente para deixar a cidade para trás e procurar uma vida mais calma, longe do reboliço mas não do Mundo, e face também à brutalidade da situação económica em que nos encontramos agora, temos tentado encontrar soluções para não só gastar menos dinheiro mas também fazermos algo por nós e pelos outros.

Seguindo o exemplo de amigos, compramos agora um cabaz semanal de produtos frescos a uma rapariga que os traz directamente de Montemor-o-Novo para quem os quiser encomendar. Não gastamos mais dinheiro em legumes vindos de fora de Portugal e temos quase a certeza de estarmos a comprar produtos sem grandes tratamentos artificiais. Estimulamos a (pequena) produção nacional, ao mesmo tempo que asseguramos que o Vicente come sopa com os melhores ingredientes. E há ainda um desafio adicional: como nunca sabemos o que vai trazer o cabaz e vêm muitas vezes ingredientes que nunca usámos, é empolgante imaginar o que vamos cozinhar a seguir.

(Esta coisa da crise está a tomar proporções assustadoras cá em casa e nem sequer somos funcionários públicos. Se me dissessem há uns dois ou três anos que estaríamos aqui hoje, diria que era impossível mas a verdade é que cada vez mais estamos a sobreviver em vez da vida simpática que tínhamos antes. Não é fácil não desanimar, acreditem, e muitas vezes nem o facto de termos um bebezão em pleno crescimento e tão sociável nos ajuda. Haja força para que tanto negativismo não dê cabo de nós).

outubro 11, 2011

What's the story morning glory?

Agora já é noite cerrada. Ainda são raras as vezes em que me lembro de ligar as luzes assim que também ligo o carro e não é estranho arrancar ainda camuflada pelo manto escuro da noite. A hora ainda está para mudar e por isso parece que a noite só ainda está a começar. Não há carros, não se ouvem passos senão os meus na calçada deste Verão tardio, frente às montras em pausa, esperando que o dia comece finalmente. Não me cruzo com outros condutores, a não ser talvez as carrinhas do pão ou da distribuição de jornais e às vezes sinto que me perguntam o que faço eu a pé a esta hora. Desci hoje para a A5 bem depressa mas antes parei para tentar captar a enorme lua cheia que se via atrás de Monsanto. Nada feito. Os vidros do carro e as doentias luzes amarelas, companheiras de insónia e madrugadores, evitaram que imortalizasse uma gigante bolacha no céu. Subo a alguma velocidade, ainda não há quase trânsito no sentido em que conduzo e a fila no sentido contrário está ainda longe também. Na rádio ninguém fala, as músicas sucedem-se suavemente no éter e a lua espreita entre blocos de apartamentos ainda em silêncio. Da auto-estrada vejo os open spaces vazios, de luzes brancas à espera da ordem para cessarem funções, aguardando os seus moradores que chegarão como formigas num carreiro. Estaciono em frente ao cemitério, como sempre, mas ao contrário de alguns dias à tarde, não sinto qualquer calafrio. Atravesso um andar inteiro de escritórios à escuras, como se aquele tivesse sido sempre o meu posto de trabalho. A máquina do café está desligada e eu, descubro mais tarde, fui incapaz de descobrir o botão on/off mesmo debaixo do meu nariz. São 6:53 e eu precisava de algum café, penso. Abro a janela, esperando passar despercebida, para ver o Sol a nascer. Chega a manhã, tenho Lisboa nas costas e o mundo de pequenos problemas com que me deitei ontem parece ter ficado algures pelo caminho. Há silêncio e a oportunidade de respirar bem fundo - descobri há pouco tempo que sou uma pessoa da manhã.

outubro 05, 2011

Construir uma memória



Com um ano de idade e já com tanta tralha espalhada entre três casas diferentes, o bebé Vicente já tinha brinquedos e roupa mais do que suficientes. Colocava-se, então, a questão: o que oferecer-lhe de prenda de anos? Já tínhamos decidido que ele tinha tudo o que precisava e chegado à conclusão que ainda não retira qualquer prazer de desembrulhar presentes, por isso o nosso seria apenas mais um.

Foi por isso que, quase inconscientemente, comecei o diário dele. Não a versão online, que guardamos com algumas cartas e fotografias actuais, mas a versão papel. O pai do Vicente ofereceu-me o suporte (que é este) e eu tenho tratado de o preencher com a matéria prima: as minhas recordações. Tem sido empolgante escrever, colar fotografias e, acima de tudo, recordar estes primeiros meses do Vicente! Já escrevi sobre a gravidez, sobre o parto, sobre os pequenos prazeres e indulgências de quem carrega um bebé, sobre a comida e ocasiões especiais. Gostava que ele um dia considerasse este pedacinho da sua história como algo especial, precioso e que pudesse depois imaginar como foi uma alegria para nós desde o primeiro momento saber que ele existia! É uma memória que guardaremos connosco até ele ser capaz de a apreciar e dá muito, muito gozo a construir :)

setembro 29, 2011

Ao meu filho, pelo seu primeiro aniversário


Passam hoje doze meses inteiros desde que te tive em meus braços, passava pouco do meio dia. Ao contrário do que sempre esperei, foi uma manhã muito tranquila que culminou com um parto rápido e praticamente indolor. Já te esperávamos com ansiedade mas no fundo nem eu, nem o teu pai estávamos preparados para que fosse já. “Pai, traga a roupa do bebé”, disse a enfermeira e ambos ficámos atrapalhados com a ideia de que ias finalmente deixar a minha barriga.

Tive-te comigo, meu filho, quase sempre desde que nasceste. Admirei-te as feições delicadas mas ainda entumescidas pelo stress do parto durante horas a fio, formando na minha cabeça a decisão de te nomear o mais bonito bebé do Mundo. Muitas vezes sentia-me como se estivesse fora do meu corpo, a olhar-me de fora sem perceber que naqueles minutos tinha deixado de ser apenas uma mulher para passar a ser também uma Mãe, guardiã de um ser pequeno e indefeso mas precioso como um segredo que não partilhamos com ninguém. Fiquei aflita quando dormiste mais de seis horas seguidas, sem entender que precisavas desse descanso para absorver as primeiras sensações de efectivamente estar no Mundo e começar a fazer uso de todos os sentidos sem nenhuma protecção. Durante duas ou três noites não dormi, em parte extasiada com a tua chegada mas também determinada a cuidar de ti.

Chorei muito durante os primeiros meses, filho. De felicidade mas também de puro desespero por sentir-me tantas vezes incapaz de te aliviar as dores ou por sentir que me faltavam qualidades de Mãe. Durante esse tempo, passámos grande parte dos dias sozinhos: eu concentrada em satisfazer as tuas necessidades, tu adaptando-te ao Mundo muito, muito devagar. Mas mesmo assim, eras a nossa alegria e eras já a alegria que enchia de felicidade os teus avós, meio incrédulos por te poderem abraçar e mimar.

Separaram-nos depois, filho. O trabalho chegou e eu tinha já saudades de ver a vida lá fora. Foi bom que acontecesse assim mas eu não estava verdadeiramente preparada. Tu, como a maior parte dos bebés, adaptaste-te maravilhosamente à tua nova vida e eu voltei ao mundo do trabalho com um gigante nó na garganta e uma vontade absurda de correr para ti no final de cada dia e mexer-te e inspeccionar-te para ter a certeza que te tratavam bem. Que tristeza foi saber que passavas o dia com outras pessoas que cuidavam e brincavam contigo mas a ideia foi lentamente aceite por nós.

E agora chegaram os últimos meses, filho e o tamanho da nossa aventura cresceu exponencialmente. Passaste a dormir um pouco melhor, começaste a comer com muita vontade, tornaste-te num bebé expressivo e divertido, aprendeste a brincar e a sentar-te e a gatinhar e a ficar em pé, quiseste começar a comunicar e eu e o teu pai somos uns tontos que passam o tempo deslumbrados com as tuas habilidades, orgulhosos quando chamas as pessoas na rua, comovidos quando encostas a cabeça ao nosso ombro. Que ano, filho. Fizeste de mim uma pessoa tão diferente, obrigaste-me a informar-me mais, fizeste-me relativizar o resto do Mundo. E eu só quero dizer que te amo, que adoro dar-te um beijinho sempre que te pego ao colo e sempre que vejo a tentar mamar enquanto dormes, sempre que reclamas depois do banho, sempre que estendes os braços a um estranho no jardim, sempre apontas para as árvores e os aviões, sempre que finges que estás zangado e sempre que olho para ti penteadinho. Podia ficar aqui para sempre, filho, mas vou parar. Muitos Parabéns pelo teu primeiro aniversário e pelo nosso primeiro ano em família!

setembro 21, 2011

Uma (violenta) arqueologia das emoções


Foi como se, de repente, alguém estivesse de pincel na mão, afastando as camadas de pós ganhas com os anos, procurando a imagem mais fiel do que sentia. É um gigante lugar comum dizer que, vendo o filme, também eu me vi a crescer. Talvez a cassete inaugural da minha adolescência tenha sido o Vs, encomendado pelo Círculo de Leitores e ansiosamente esperado em casa. Antes disso, eram os vídeos gravados em VHS gastas pelas memórias que (ainda) pensava serem eternas, ao lado dos primeiros passos dos Nirvana, da descoberta dos Red Hot Chili Peppers ou de pérolas como os Lulu Blind.

Passávamos as tardes a ouvir música em rádios roufenhos: algo épico dos Metallica, seguido da barulheira dos Sepultura mas eu ficava sempre presa em coisas menos pesadas. Era a época em que os metálicos se juntavam em frente à secretaria do Liceu ou na varanda da Escola, em que se agitavam as massas nos concertos nos pavilhões, uma mistura de gangas com cabelos compridos e escorridos. A música chegava-nos a conta gotas - gravávamos de um amigo de um amigo de um amigo ou colávamos o gravador às colunas da televisão na esperança que depois se ouvisse alguma coisa. Eu era absurdamente inocente e estava perdidamente apaixonada pela imagem de alguém que nunca viria a existir, perdendo anos da minha vida a pensar que já lhe estaria destinada, como se não pudéssemos contrariar as histórias de amor mais idiotas e tivéssemos que aceitar o que alguém tinha escolhido para nós.

Depois houve o cd como prenda de Natal, aberto antes às escondidas para matar a curiosidade, a memória da primeira (e praticamente única) loja de discos que existiu em Portalegre - um espaço esconso no primeiro piso do centro comercial. E o concerto no Restelo, já com um coração completamente estraçalhado, esmagada também pela multidão que se acotovelava naquele dia de Maio. As edições dos cds eram sempre um motivo de alegria tão grande, à espera das letras e de mensagens em código que imaginaria terem sido escritas para mim.

Não quero ser mal interpretada: não tenho saudades de quem era naquela altura, naqueles anos. Muito do que vivi teve o condão de me fazer crescer mas só à custa de dias inteiros passados na cama a chorar ou do mais profundo recalcamento das coisas que me faziam sofrer. Não daria nada para voltar atrás porque crescer foi difícil, quase sempre à força, quase sempre à custa do amor e eu não sei onde fui buscar tanta vontade de ser amada, tanto desejo de romance. Nunca descreveria a maior parte desses tempos como felizes mas tenho saudades, isso sim, dos dias em que ligava a aparelhagem em altos berros e fazia do meu quarto a ponta do palco e o concerto era meu. Só não tenho saudades desse tempo porque sempre tive a sensação de que merecia melhor - eu que idolatrava, eu que esperava e perdoava as maiores falhas de carácter, eu que, paciente, esperava pela facada final.

Ver este filme ontem foi um gigante balde de água fria. A história deles é a nossa história e agora eles têm quarenta e cinquenta anos e nós já temos filhos e trabalhamos em escritórios com ar condicionado e temos as nossas contas para pagar e já não temos idade para nos lançarmos de cima de um palco sobre a multidão, mesmo que nos apeteça. Há que enfrentar a realidade: deixámos de ser adolescentes e isso doeu, mesmo sem guerras do Vietname, sem crises nucleares, sem fome. E tal como os Pearl Jam também nós mudámos e fomos fazendo concessões, esperando que não nos abandonassem pelo caminho. E tentámos ser fiéis a tudo o que esperavam de nós e ao que nós esperávamos de nós mas tivemos que mudar. Isso chama-se crescer e não se faz da noite para o dia e muito menos sem uma tristeza gigante de deixar para trás os doces anos da leveza. Há vinte anos, nascia a minha banda preferida de todos os tempos e o meu filho provavelmente nunca irá saber como são/foram realmente as estrelas do rock. Por favor, não escavem mais. A fazer fé na História, os gigantes do rock serão imortais.

setembro 15, 2011

Never (ever) look back

Hoje, a propósito de já não sei bem o quê, lembrei-me que já passou mais de um ano desde que fui despedida pela primeira vez (e última, que a crise ainda não foi tão longe). Pensei que este fosse um marco do qual me viesse a lembrar, afinal foi um processo demasiado difícil de digerir. Mas nada: nem uma pontinha de tristeza, nem uma recordação melancólica no dia trinta e um de Julho, nem uma saudadezinha a bater no peito.

É claro que me lembro das pessoas com quem passava a maior parte das horas do meu dia mas também é verdade que vou sempre sabendo das pessoas que me interessam e com quem criei maiores laços, algumas das quais se vêem hoje a braços com a mesma situação em condições ainda mais desesperantes. O dia passou sem que me lembrasse que há um ano, depois de quatro anos de trabalho e esforço, me convidavam a sair porque já não servia mais à empresa. Também não me lembrei dos dias que levei a arrumar a minha tralha, da sensação de tranquilidade de saber que ia poder viver tranquila os últimos meses da gravidez, agora longe dos colegas de trabalho que tanto me mimaram a barriguinha. E há doze meses atrás fechei a porta atrás de mim com uma barriga considerável, em pleno pico do Verão, com um estranha sensação de liberdade triste e não totalmente merecida mas também com uma disposição extremamente optimista. E este ano nem me apercebi que comemorava esse primeiro aniversário, provavelmente o único de que me iria lembrar.

Hoje, a palavra efectividade passou a valer zero para mim. Vivo os meus dias concentrada em combinar os meus resultados pessoais com aqueles que são esperados da equipa, sem sentir a pressão de ter que demonstrar esses resultados. Entendo que a desastrosa conjuntura económica em que vivemos domina tudo o que se passa nos bastidores de uma empresa e que, resultado das exigências dos mercados, o rumo das coisas pode mudar abruptamente. Acho que vejo mais longe, falo menos, tolero mais porque compreendo que progredir não é só produzir muito: é pensar o nosso trabalho, melhorá-lo, direccioná-lo para um bem maior, tentando não comprometer princípios pelo caminho. Hoje gosto menos de trabalhar em equipa apenas porque não me sinto em sintonia com muitas perspectivas de vida e com outras posturas face ao mesmo trabalho mas, simultaneamente, gosto de fazer parte do todo.

Eu gosto de trabalhar mas não sei explicar o que isso quer dizer na minha língua e muitas vezes sinto que há quem me goze por achar que devo isso à empresa que todos os meses me põe a comida na mesa. Gosto de trabalhar mas ainda me falta a coragem e os planos para fazer alguma coisa que me preencha verdadeiramente, um trabalho guiado pelas minhas paixões e idealismo. Mas todos os dias são novos dias e às vezes sinto-me estúpida por me sentir feliz quando saio de casa pela manhã a caminho do escritório. Sei que me vou chatear durante o dia e provavelmente chegar cansada mas, contas feitas, saio sempre a ganhar.

setembro 11, 2011

Coisas que deviam ser proibidas



Às sete e meia da tarde, chegávamos ao destino. Já havia quem se refrescasse numa das últimas semanas do Verão com uma cerveja de copo ou de garrafa. Os bancos estavam à porta de casa, quase debaixo do loureiro e ainda tínhamos luz do dia. Assou-se uma cacholeira comme il faut, porquinho de barro e alcóol consumindo a carne devagar. Como prato principal, uma fabulosa travessa de migas e respectivas carnes fritas - só de olhar, já nos crescia água na boca! Conversa para lá, conversa para cá e chega à mesa um vistoso cheesecake de morango em cama de salame e uma pessoa sentia-se engordar só de olhar! Terminada a refeição e mais dois dedos de conversa depois, o descanso merecido.

Três da manhã e o meu estômago quase latejava com uma digestão mal feita, enquanto eu tentava não gritar com dor. Ninguém merece.

setembro 02, 2011

Where's M.?

Quase um ano depois de ter um filho, sinto-me mais perto de quem era antes. Aquela hora depois de acordar continua a ser um dos pontos altos do dia: o banho tomado em silêncio, o som dos aviões que sobrevoam a Estrela antes de aterrar, a ausência de sirenes e buzinas, os cinco km da A5 com o mar no horizonte enquanto me volto a comover com as músicas das manhãs da Radar, aquela sensação de satisfação de conduzir livre no sentido inverso às filas de trânsito. Continuo enfiada de cabeça naquilo que faço, dedicada a fazê-lo da melhor maneira que posso e sei, empenhada em ganhar a confiança e o respeito dos outros, aprendendo diariamente mais sobre as pessoas, sendo mais tolerante ao mesmo tempo que treino o meu cinismo. Quase um ano depois de ser mãe, olho-me no espelho e é como se já encaixasse melhor nesta pele, mesmo que ainda me surpreendam todas as vezes em que chamo o Vicente de filho, como se estivesse a viver um sonho e não pudesse acreditar que trouxe ao Mundo uma criatura tão bonita, macia, cheirosa, com uns olhos que iluminam qualquer sítio por onde passe. Olho-me no espelho e vejo alguém mais experiente mas muitas vezes não me sinto mãe e sinto-me só mais uma miúda de chinelos nos pés porque os saltos altos causam-me uma espécie de urticária. Continuo a gostar de cinema, de livros, de música, de séries, de viagens, de compras mas só que muitas vezes é difícil arranjar o tempo necessário para não deixar morrer cada um dos meus hobbies. E continuo a sonhar que sou freelancer e trabalho em casa e faço o meu horário, o que me dava imenso jeito para inspirar-me nas ruas de Campo de Ourique, descansar nos bancos do jardim da Estrela, ouvir as gargalhadas do meu filho na sala às onze da manhã, cozinhar almoço e jantar sem as pressas do costume, fazer planos e escrever bilhetes de amor. Só que claro, preciso trabalhar e não me deixar afogar na maré de más notícias e crises e despedimentos e creches a abarrotar e preços que sobem e violência banalizada e gratuita e ainda conseguir chegar ao fim do dia com um sorriso e uma mensagem positiva para o meu filho (caramba, tenho um filho!). 

E então tem sido difícil reencontrar-me. Toda a paixão anterior continua cá dentro e eu continuo a sonhar com o meu príncipe encantado - só que agora ele já dorme ao meu lado e eu simplesmente não preciso procurar mais. E isso claramente sossega-me o coração, que já não se aperta com os enganos gigantes, com os enormes falhanços onde acabava sempre por me meter e já não me dá insónias nem nós na garganta - antes, faz-me sentir (e já o disse tantas vezes) uma pessoa cheia de sorte.

Está a ser bom poder regressar. Está a ser bom ler os arquivos e saber que tudo aquilo que já vivi (e consequentemente escrevi) me fez chegar exactamente aqui, sem qualquer dor nem amargo de boca nem frustração. E como a minha capacidade de ser paciente tem vindo a ser constantemente a ser posta à prova, eu não me importo de esperar. E, sabendo que nunca mais serei a mesma, eu sei que estou quase quase a chegar.

agosto 28, 2011

Chegámos ao fim da canção


Que é como quem diz, acabaram-se as férias. Ter tido estas duas semanas já foi sorte bastante, visto que só agora completo os primeiros seis meses de trabalho, portanto há que ficar grata. É claro que a ideia de que vou ter que regressar ao trabalho me está a revolver o estômago e é mais do que certo que a maior parte da noite de hoje vai ser passada em claro com aquele nervoso miudinho do regresso somado à sensação de que já não sei nada do que faço. É típico dos regressos, só ainda não passou àquela fase da chamada depressão pós-férias, em que se precisa de mais férias para esquecer.

As primeiras férias com o nosso filho foram francamente boas. Fizemos exactamente o que nos apeteceu, sem grandes planos e sem grandes expectativas, limitando-nos a aproveitar o bom (e o mau) tempo e escolhendo, sempre que possível, actividades e cenários novos para o bebé Vicente. A verdade é que foi tudo mais aproveitado por nós do que por ele mas não digam a ninguém. Ainda esperámos que o Zoo pudesse despertar a atenção dele mas era difícil: os animais estavam quase todos a dormir a sesta e ele também não os conseguia distinguir entre a vegetação ou o comedouros ou os bebedouros. E no Museu do Oriente, as exposições permanentes devem ser vistas debaixo de tamanha escuridão que o Vicente não ficou particularmente entusiasmado com nada. Apenas vibrou a sério com esta exposição e é compreensível, até nós gostámos bastante.

Agora que uma nova temporada de trabalho está à porta, resta-me colocar no calendário pequenos e breves objectivos que me ajudam a passar melhor o tempo. Agora estamos a braços com novas fotografias nas paredes lá de casa e vamos amanhã começar o álbum de fotografias do Vicente e entretanto temos todos os preparativos para o aniversário dele, o que significa que temos um mês agitado à nossa frente. Depois os anos do pai, da tia e da mãe e é um tirinho até ao Natal. É assim que funciono melhor: um acontecimento de cada vez. E agora os preparativos continuam: a realidade espera-nos já hoje à tarde.

agosto 21, 2011

A coragem é uma coisa que ainda não nos assiste



De há uns tempos para cá, algumas pessoas profetizam que vamos assistir a um regresso ao campo: incapazes de fazer frente às dificuldades e solidão das grandes cidades, as pessoas irão preferir regressar às origens e revitalizar com o seu regresso uma agricultura que está hoje pouco mais do que moribunda. O preço das casas nas grandes cidades atingiu valores ridiculamente altos, as despesas com transportes e outros serviços não param de crescer, não há vagas em creches e escolas, não há como envelhecer saudavelmente numa cidade.
Nós, que fizemos o caminho inverso há uns anos atrás, damos connosco agora a equacionar um futuro diferente e já há alguns meses que sonhamos com a tranquilidade da vida no campo. Eu sonho com as estradas secundárias desertas e esburacadas, ele com velhas casas abandonadas que podíamos restaurar; eu sonho com terra a perder de vista e o bebé Vicente a correr feito maluco entre oliveiras, ele sonha com um negócio e uma vida auto-sustentável. Não há nenhuma viagem em terras alentejanas em que não suspiremos por saber que a terra onde pertencemos nada nos oferece e sem lamentarmos não termos um pedaço de terra a que chamaríamos nosso.

Falta-nos um plano. E também uma estratégia. E ainda a certeza que essa seria a melhor decisão para o bem estar do bebé Vicente. E falta-nos acima de tudo a coragem de assumirmos uma mudança tão brutalmente radical nas nossas vidas, nas nossas rotinas e hábitos, nas nossas expectativas. E não sei se alguma vez teremos a coragem de mudar o que quer que seja, seja para o campo, para uma cidade pequena ou o estrangeiro. Mas temos que começar por algum lado e sabemos que something's gotta give. Quem sabe, um dia qualquer...

agosto 19, 2011

A Sudoeste


 
Escolher esta zona do país para férias, e logo em Agosto, foi uma espécie de acto de fé. Nesta semana, já tivemos tempo parecido com Novembro e dias dignos de Agosto. Já houve nevoeiro até ao chão e calor húmido e pegajoso, o que significa ataque kamikaze de melgas. Já dividimos os nosso banhos pelo Alentejo e pelo Algarve e temos passeado sempre ao longo da costa. Para nós, as boas notícias é que já conseguimos que o bebé Vicente goste da água da piscina, sem gritar assim que molha um dedo do pé. Hoje lá deu para mantê-lo na piscina dos pequenos durante os minutos suficientes para ele não enregelar.

Termos escolhido este sítio para ficar foi uma boa aposta. Há quase mais crianças do que adultos, o que torna uma possível birra do bebé Vicente numa casualidade que passa sem ninguém notar. As condições são bastante boas e podíamos mesmo nunca sair do parque e mesmo assim assegurar a nossa sobrevivência e diversão. Depois, é como se estivesse a reviver os festivais de Verão sem os habituais desconfortos: os caminhos são de terra mas não há pó por estes lados; há um agradabilíssimo cheiro a pinheiros e eucalipto em toda a parte; há tendas e outros alojamentos sem as barulheiras dos djambés e sem os miúdos desorientados que não conseguem encontrar a tenda. É claro que não há concertos mas da mesma forma não há casas de banho imundas, barracas de cerveja a preços proibitivos e tendas de electrónica a acabarem com o silêncio.

O bebé Vicente faz ainda mais sucesso aqui: assumiu completamente a sua faceta de oferecido e sem vergonha e estende a mão a toda a gente que passa, sorri quando se cruza no carrinho com outros bebés e gosta de ser o centro das atenções. Está a tornar-se num bebé muito curioso e gosta especialmente de todo o tipo de animais: não tem medo de fazer festinhas em cães ou em burros e delira com qualquer coisa que mexa. Também gosta de árvores e aviões e acho que as ventoinhas de tecto são o seu novo objecto favorito. Não quero agoirar mas anda a dormir muito melhor à noite: as sestas durante o dia é que só dentro do carro e em andamento. De resto, que as durma eu.

Aproveitamos o final do dia para nos actualizarmos e pormos a notícias em dia. Ele dorme e pouco mais ouvimos do que as cigarras junto ao lago. Amanhã é dia de mais passeio, por isso até breve. As férias retomam dentro de momentos.

agosto 12, 2011

De partida

Felizmente, lá no trabalho desde de cedo nos deram a possibilidade de marcar férias, mesmo ainda não tendo completado os primeiros seis meses de contrato. Por isso, estamos hoje de partida [suspiro de alívio].

Infelizmente, as minhas férias começaram mais cedo com a tosse do bebé Vicente a não dar descanso, sendo que pai, mãe e filho ainda passaram umas noites menos felizes. Não nos parece que seja alguma coisa grave, provavelmente vem aí a nova fornada de dentes mas a verdade é que este calor também não tem propriamente ajudado e o Vicente acaba por suar como gente grande os dias inteiros. Como temos estado por casa, a única solução é deixá-lo andar em pelota e espera que se vá refrescando como der. Mas ele está a atravessar uma fase tão gira e já tem as gracinhas decoradas: bate as palmas, dar apertos de mão à mãe e high fives ao pai e bate na boca como um índio. Adora ver os cães e os pombos passar e, como é um sem vergonha, estende a mão a toda a gente que passa, mesmo que depois fique envergonhado.

Mas enfim, o que interessa é que estamos de partida. Vamos dividir o nosso tempo entre a Zambujeira do Mar, Portalegre e ainda daremos um saltinho a Lisboa, Crato e Campo Maior. Estamos, acima de tudo, a precisar deixar as paredes de casa para trás e respirar um ar um bocadinho diferente. É escusado dizer que a logística agora é substancialmente diferente (onde é que vamos meter tudo?!) e o medo de deixar alguma coisa para trás é ainda maior. Mas estamos ansiosos por fazer piscinas na areia para o bebé Vicente pegar pela primeira vez no seu balde e pá. O nosso plano é estarmos deitados sempre que for possível, seja onde for. Se entretanto nenhum azar se fizer sentir ou se a carrinha aguentar as viagens, daqui a uns dias já estaremos debaixo do Sol do litoral alentejano. Contamos vir morenos e recompostos. Isto é portanto um Até já.

agosto 08, 2011

Ainda sobre o post anterior...

Chego a casa no outro dia e, apesar de ter um daqueles autocolantes anti-publicidade-não-endereçada, encontrei isto na caixa do correio. E eu, que até sou rapariga para acreditar em coincidências, começo a achar que isto está tudo ligado e no fundo é tudo uma cabala contra a minha (pouca) fé.

agosto 02, 2011

Sobre uma coisa chamada karma (também conhecido como azar)

Ando um bocado zangada com esta ideia de karma e de destino: o que fazemos será devolvido em dobro ou qualquer coisa do género. Ultimamente temos andado numa maré de azar tão gigante (e quando digo temos falo da minha família mais próxima em geral) que é absolutamente inacreditável como não aconteceu ainda algo pior *. Rodeada de pessoas que respeitam e, acima de tudo, acreditam nas forças sobrenaturais, é quase impossível não pensar que alguém nos rogou uma gigantesca praga. Os motivos, esses, não os conheço.

As peripécias que já nos aconteceram com a nossa carrinha, que comprámos usada há menos de um ano atrás, já chegam a roçar o absurdo e muito dias houve em que o simples facto de acordar de manhã me fazia temer pela minha sanidade mental: que avaria nos estaria reservada hoje? Os últimos tempos também não foram particularmente meiguinhos no que a saúde diz respeito: entre idas às urgências, consultas de recurso e de pediatria, doenças mal curadas e faltas ao trabalho também acho que já levamos a nossa dose para este ano.

O que eu não percebo é: se o conceito de karma supõe que nos devolvem todo o mal ou o bem que fazemos, isto significa que eu e restante família temos sido uns grandes filhos da mãe? Onde ficaram as nossas boas acções, os nossos actos desinteressados de civismo, o aumento forçado da nossa tolerância aos outros, o bom uso da crescente maturidade? Onde ficam todos os esforços que fazemos para ser pessoas melhores e dar ao mundo pessoas igualmente porreiras, honestas e serenas? Não somos perfeitos, longe disso, mas não seria de esperar que esse lado oculto premiasse a nossa vontade de ser melhor em vez de nos castigar com provações sucessivas e muitas vezes kafkianas? Eu, uma céptica em relação aos trânsitos dos planetas, leituras de búzios, auras e demais demonstrações do oculto já dei por mim a ponderar se não preciso abandonar este meu cepticismo e deixar que o oculto me ajude a compreender esta fase maligna que estamos a atravessar. De cada vez que penso que isto já não tem por onde piorar, lá acabamos a bater mais fundo do que esperávamos.

Eu espero. Eu resigno-me e espero que tudo não passe da fase mais longa de azar de que me lembro. Até lá, esforço-me por não me tornar numa panela de pressão, pronta a explodir a qualquer momento. Confesso que já me faltou mais para parar o meu trabalho e, calma mas revoltadamente, ir até à casa de banho gritar a minha raiva. É respirar fundo cinquenta mil vezes e esperar que passe.

* pior só mesmo a notícia de um muito infeliz acidente de uma pessoa conhecida, que me abalou de uma forma que não sei explicar. A partir do momento em que soube, é como se a recriação do mesmo não me saísse da memória. O facto de agora ser mãe influencia agora a minha percepção das coisas: ter filhos obriga-nos a estar aqui, vivos, sãos, prontos para valer a estes pequenos seres que ainda não saem debaixo das nossas saias. E estas desgraças, responsabilidades ou merecimento à parte, doem muito no meu coração de mãe. Isso e imaginar a dor da família, impotente perante tamanho desafio do destino. A verdade é que muitas, muitas vezes o karma parece acertar ao lado. E, sem saber novidades, o meu coração de mãe deseja apenas que esta família se refaça do susto a correr.

julho 23, 2011

Memories ( naquela versão cantada pela Barbara Streisand!)

O cenário é este: estou sentada à porta do gabinete da médica que ajudou o Vicente a nascer para uma consulta de rotina. Este piso do hospital chama-se Centro da Mulher e está, por isso, cheio de mulheres jovens ( na sua maior parte) grávidas ou acabadas de parir. As memórias na minha cabeça estão em polvorosa, como se estivesse a reviver este mês no ano passado outra vez, com a diferença de que não tenho um bebé para carregar.

À mínima visão de um recém nascido quase preciso de me agarrar à cadeira para não chorar. É um misto de comoção com a inveja de saber que o bebé Vicente nunca mais será assim. É como se quisesse reviver estes momentos pré-parto ad nauseam e voltar ao momento em que vejo o meu filho pela primeira vez. Tenho uma vontade quase irracional de perpetuar estes primeiros meses e poder ter um bebé durante anos a fio e, ao mesmo tempo, o desejo natural de mãe de ver o seu filho a crescer, a desenvolver habilidades e fazer gracinhas. Mas é difícil resistir aos carrinhos de bebé e ao choro dos recém nascidos nos gabinetes médicos e à forma tão particular com as mães olham para as barrigas proeminentes.

Assim que entro na consulta, a médica pergunta-me (em tom de brincadeira) quando é que penso dar um irmão ao Vicente e eu rio-me com a pressa dessa ideia mas afinal é um riso nervoso de quem gostava de voltar a passar por isto tudo outra vez. E ao telefone conto a brincadeira e ainda há quem pense que arriscaria ter outro filho agora. Não é por falta de vontade: é por falta de metros quadrados em casa e de segundas prestações de creches e por aí fora. Gostava de ter vivido no tempo das nossas avós, em que se tinha aos doze ou catorze filhos porque era suposto ser assim e porque todos os filhos se criam. Mas não, logo calhei a nascer numa época em que se pensa demais, em que se está em crise e há tanta coisa que interfere no nosso bem estar, quanto mais no de uma criança.

Depois de alguns segundos no mundo dos vários filhos, regresso à terra com a doutora a dizer que sim, que está tudo bem, recuperei perfeitamente mas ainda é cedo. Aproveito o gabinete para saltar para cima da balança pela primeira vez em muitos, muitos meses e a sensação é agridoce: foi melhor do que eu pensava mas ainda francamente mau. Saio de lá com vontade de ter preenchido o boletim de grávida ou de me sentar outra vez no gabinete do CTG mas afinal só me falta pagar. Às vezes penso que tenho mesmo mesmo mesmo de mudar de vida mas ainda não consegui engendrar uma alternativa a ser mãe só de um Vicente. E saio do hospital a sonhar um dia fazer colecção de bonitas ecografias.

julho 21, 2011

Crónica de uma morte anunciada

Hoje, os 195 trabalhadores que ainda restavam na minha antiga empresa foram despedidos. Foram todos despedidos, num processo que já se arrastava há muito. Primeiro acabaram com o departamento onde eu trabalhava, depois as coisas foram sendo desmanteladas aos poucos, a empresa vendida a um grupo indiano e toda a gente a imaginar qual seria o seu destino. É verdade que muitos já sabiam que seria este o destino - arriscava a dizer que todos os sabiam, apenas faltando saber quando. Foram obrigados a passar por um ano de extrema dificuldade, a verem as suas tarefas a serem progressivamente transferidas para outro lugares, a serem constantemente monitorizados, a serem asfixiados pelos recém-chegados que iam tomando conta da empresa. E, ao mesmo tempo que se iludiam as pessoas com falsas esperanças de melhoria, de maior eficiência dos processos, havia já alguém a arquitectar este final.

Talvez noutra dimensão e noutra conjuntura, eu passei pelo mesmo. E por isso, quando hoje recebi a notícia, foi como se estivesse a atravessar aquele período todo outra vez. Conhecia grande parte daquelas 195 caras, ainda que muitas apenas de nos cruzarmos no elevador mas afinal ainda foram quatro anos a convivermos naquele prédio que daqui a uns tempos estará vazio. Esta foi a primeira imagem que me veio à cabeça: aquele prédio vazio, os open spaces mergulhados no mais profundo silêncio, apenas contendo as memórias do que um dia já foi. E pensei nas pessoas, nos casais que ali trabalham e agora se vêem a braços com dois desempregos duma assentada, nas pessoas que em Julho passado deixei para trás e fiquei triste. Também eu me fiz à vida e tenho a certeza que haverá quem desde logo arregace as mangas e se faça à vida mas não vai ser fácil para todos. São 195 pessoas à procura de um lugar num dos períodos mais difíceis que vivemos, é a verdade.

E depois dói esta consequência da modernidade: todos somos substituíveis, todos. Acabou aquela ideia de que alguém pode ser a pessoa ideal para uma posição: saem uns, entram outros - no big deal. Não há efectividade que nos valha porque quando tem que ser vão efectivos e temporários todos para o olho da rua - só variam as regalias de uns e outros. As empresas há muito que deixaram de procurar equipas sólidas, com pessoal dedicado e especializado no que faz para passarem a procurar apenas os recursos mais baratos que aliviem as suas estruturas de custos. É apenas e só isso que conta: poupar todos os cêntimos possíveis. E eu não gostava de ter o mesmo emprego para toda a vida mas gostava que nos tratassem como pessoas e que pudessem apostar na formação e especialização e que tentassem recompensar o esforço e a dedicação. Mas parece que isso hoje está fora de moda e eu, como todos os outros, devo aceitar que a vida é assim.

Por todas as razões e mais algumas, os meus pensamentos estão hoje com estas 195 pessoas. Por ter sentido na pele a frieza dos números (sobre uma gravidez de sete meses na altura), gostava de poder ajudar todos os que quiserem uma mãozinha. Hoje, agradeço ter saído já há um ano: a porta que me fecharam ajudou-me a ter tempo para o meu filho e a refazer a minha vida. Vou esperar que o destino seja tão benevolente com eles como foi comigo. (Força!)

julho 14, 2011

Onde está a M. de há uns sete anos atrás?

Com a chegada da época balnear e de festivais, deu comigo a pensar onde terá ficado a pessoa que, há uns anos atrás, já saltava de contentamento com os festivais de Verão. Por esta altura, há alguns anos atrás, eu já fazia listas com o material que devia levar, os planos para a viagem. Veio-me à cabeça a primeira viagem, feita ainda de lágrima ao canto do olho porque eu e o meu pai nem sempre concordávamos sobre questões financeiras e de horários. Depois, chegados à Zambujeira no autocarro, ainda tivemos que fazer o caminho até ao recinto (e ainda são alguns quilómetros) a pé, carregando o material às costas, debaixo do sobejamente conhecido calor alentejano.

Não é que tenha saudades mas também pensei nas alturas em que tudo o que comia era enlatado (cavala, atum e grão era os nossos melhores amigos!), em que o que importava era uma rede para proteger a nossa aldeia do Sol e que saíamos da tenda logo às primeiras horas da manhã por causa do calor. Também recordo os banhos tomados à gato debaixo da água gelada que vinha do canal, as minis nas tascas à beira da estrada algures entre a Zambujeira e Malavado, as sopas miraculosas em São Teotónio. E também o dia em que voltava a casa e a minha mãe não me deixava sequer tocar no sofá, tal era a sujidade que trazia comigo.

Depois, passou à fase dos festivais mais urbanos e mesmo em Paredes de Coura a estadia já não foi feita numa tenda mas num turismo rural e puff!, lá se foi metade da magia do festival. Mas foi uma escolha nossa porque já não tínhamos vontade da precariedade dos acampamentos. Depois vieram os festivais em Lisboa e ainda uma edição muito especial do Hype no Meco (chorando enquanto o fogo de artifício coloria o céu atrás da Bjork) mas já com alojamento garantido.

E chegamos aos dias de hoje. Festivais de três dias já não são fáceis de aguentar: há um cocktail explosivo de horas de trabalho, falta de sono e um filho para cuidar que não me deixa arrastar o esqueleto pela poeira dos recintos. Mas eu lá arranjo espaço para encaixar uns concertos (a madrinha do Vicente lá nos ajuda com o babysitting ♥) e amanhã vou (espero eu…) conseguir aguentar um dia de festival depois dum dia inteiro de trabalho. Odeio a ideia de estar a perder a vontade e a perseverança e de preferir uma cama verdadeira a uma esteira no chão. Eu gosto é da música e aquele folclore todo à volta dos festivais (as montanhas de publicidade, os patrocínios, o merchandising, as atracções de feira popular, as cadeias de fast-food) dão-me uma espécie de náusea. Não digo que não volte a um festival como deve ser: de mochilas às costas, preparada para sofrer as alegrias que a música nos pode dar. Até lá, vou fazer uma espécie de part-time dos festivais e rezar para não cair para o lado depois das nove da noite. Agora, é apenas nisto que penso.


julho 03, 2011

God, I miss the 90's!





Não é exactamente ter saudades da música (porque música boa e cheia de significado ainda se faz por todo o lado e à moda antiga até). Eu perdi a conta aos cd's que comprei durante os primeiros anos de faculdade (esticando a semanada até ao limite para depois me enfiar na Virgin-hoje-Loja-do-Cidadão e depois na Carbono), depois aos primeiros cd's gravados, sem capa nem nada, só o nome escrito a marcador, tantas sugestões novas do colega que gravava os cd's) e depois a era do mIRC com tantos canais de música, onde se discutia religiosamente sobre capas, letras, mensagens, sobre aquela nuvem de poeira que vem necessariamente com cada canção.

Não, ainda hoje gosto tanto de música e de ouvir coisas novas e de experimentar cd's só com base na capa ou num comentário lido por aí. Mas, mesmo no final dos anos 90's era tudo tão diferente: eu via as mesmas VHS cheias de telediscos (estavam gastas, as minhas cassetes), tinha compilações gravadas em cassetes de 90 minutos (uma para cada estado de alma), comprar um cd ainda era algo mágico. Não me esqueço do Vitalogy comprado na Flock (ainda há pessoas de Portalegre que se lembrem desta loja?) para o Natal, devidamente embrulhado sem nunca sequer ter tocado na minha aparelhagem. E eu, nas férias, a desembrulhá-lo secretamente para matar a curiosidade e ouvir a minha banda preferida. Tenho saudades de imprimir páginas e páginas com letras de música só porque achava que algum dia ia conseguir decorar aquilo tudo.

Era nas canções que eu ouvia que ia buscar as palavras que nunca me chegaram só na poesia. Tanto, tanto desgosto de amor musicado por tanta gente por esse mundo fora e as palavras assentavam-me que nem uma luva. Tantos amores a florescer ao som duma canção, tantas fases da vida marcadas por uma estrofe. Tenho saudades dos anos em que a música eram as edições especiais, as capas com as letras, os cd's mais antigos em promoção, as nossas compilações feitas exactamente à medida. Tenho saudades e sinto-me velha e, de certa forma, traidora: à falta de capital para comprar os originais todos, também eu me rendi à internet e ajudei a acabar com este mesmo fascínio. E regresso sempre à música online, sem uma aparelhagem que leia o meu arquivo musical, condenada às recordações digitais duma era em que aquilo era tudo para mim.

julho 01, 2011

Ser pai (nove meses depois)

Como é óbvio, eu sei perfeitamente o que sente uma mãe durante todas as fases que atravessa desde o dia em que sabe que está grávida. Só não fui como aquelas mulheres que sabem que vão ter um filho muito antes do primeiro teste o confirmar: talvez o meu instinto não tenha funcionado plenamente nessa altura, confundindo muitos sinais. Mas o que realmente me deixa curiosa é essa sensação de ser pai.

Como já o disse muitas vezes, tive a sorte de escolher para o meu filho o pai que eu considero ideal e por isso sempre me senti acompanhada desde o primeiro instante em que descobri que tinha uma sementinha de vida dentro de mim. E, apesar de fazermos um esforço para materializarmos as nossas frustrações, medos e dificuldades, a verdade é que não sei exactamente o que sente um pai quando pega no seu filho.

O amor de mãe tem necessariamente um fortíssimo background físico: afinal, foi o nosso corpo que carregou um bebé durante nove meses. O choro do bebé desperta em nós os instintos maternais, a sua imagem apenas conseguia estimular a produção de leite durante a amamentação. Mas e o pai? Estas ligações estão-lhe vedadas pela biologia. É certo que foi ele o primeiro a pegar no bebé Vicente e é verdade que, depois de voltarmos a casa, todas as tarefas relacionadas com o bebé (alimentação, banho, fraldas…) lhe saíam mais naturalmente a ele do que a mim. Muitos pais se sentem afastados das suas mulheres ou namoradas depois do nascimento dos filhos porque passam necessariamente para segundo plano durante uns tempos.

Escrevo sobre a paternidade depois de ler este post (num blog que passei entretanto a adorar). Fiquei quase emocionada com a forma como ele descreve as suas impressões sobre a paternidade: o facto de não se ter sentido logo tão próximo do filho quanto gostaria, os estados de alma quase bipolares da mulher, o medo de que ela passasse instantaneamente a gostar mais do bebé e a evolução que podemos ler nas entrelinhas – ele deixou de ser apenas um homem e passou a ser também um Pai.

Às pessoas que me perguntam se partilho com o pai do Vicente as tarefas quotidianas relacionadas com o bebé Vicente, eu respondo com alguma admiração porque as dividimos com o maior gosto. Parece que esta participação do homem nos primeiros meses do bebé é ainda um tabu para muitas pessoas, que julgam que cabe à mãe a maior fatia das responsabilidades. Fala-se sempre tanto nos sentimentos das mulheres, no instinto maternal, nas maravilhas da maternidade mas às vezes os pais são ignorados no meio deste tornado chamado Filhos. E as pessoas esquecem-se que, apesar de não terem dado à luz nem terem sentido uma pulguinha a crescer dentro de si, os pais também têm sonhos e planos para os seus filhos e têm, acima de tudo, vontade de participar. E por isso as fronteiras entre Pai e Mãe estão hoje cada vez mais diluídas. Os nossos filhos ficam a ganhar com estas mudanças e, se calhar, estamos a criar futuros adultos com maior consciência e a lançarmos possíveis sementes de civismo. Pelo menos, assim esperamos…

junho 23, 2011

Viva o corpo de Deus!

Depois de descobrir quase em cima da hora que não trabalhava neste feriado, pensei que talvez pudéssemos ir à praia ou descansar um pouco. Essa do descanso fica para uma outra vida, porque nesta todo o tempo parece pouco para o desperdiçar com tardes de preguiça. Ainda tínhamos medo do trânsito que podia haver (afinal de contas era feriado, as temperaturas prometiam aumentar, há tanta praia aqui à volta) mas arriscámos ir direitos ao Guincho. Já tínhamos amigos à espera mas a ventania era tantta que o bebé Vicente nem conseguia respirar fora do carro e, caso ficássemos, íamos só ser fustigados pela areia.

Já é a segunda vez em pouco tempo que vamos para aqueles lados e eu só tenho pena que seja uma zona tão ventosa e de mar tão agitado: é que a paisagem é tão bonita, totalmente preservada e limpa que conseguia imaginar-me estendida naquelas praias a bronzear-me um bocado. Mas também pude confirmar que fico um bocado deprimida quando ando para aquelas bandas: há tanta, tanta casa bonita, descansando debaixo das grandes copas dos pinheiros mansos e a única coisa que me ocorre é que nunca terei dinheiro para viver num sítio assim. Enfim, há que aceitar um certo determinismo social que fez com eu entrasse na classe média-baixa logo assim de repente. O único remédio é continuar a sonhar que estou deitada à beira da piscina e que o único som que se faz ouvir é aquela espécie de crepitar das agulhas dos pinheiros e a gargalhada do bebé Vicente, entretido com qualquer coisa muito estranhar (uma toalha de papel, as costas de uma cadeira, um pacote de toalhitas).

Ainda deu para ver esta exposição, bastante fraca (na minha modesta opinião), feita de alguma repetição das imagens. Valeu pelo sítio, mais ou menos interessante no que à arquitectura diz respeito. Só uma nota negativa para o parque subterrâneo onde deixámos o carro, sem qualquer elevador ou rampa à vista, o que nos obrigou a subir e descer escadas que pareciam provisórias carregando o peso do bebé Vicente + carro à mão... E depois foi acabar a folga exactamente como a começámos: uma travessa de caracóis, uma de picapau e duas minis em mais um café do bairro. Ah como eu adoro o Verão...

junho 22, 2011

9 months in, 9 months out!

Está a aproximar-se o dia em que o (agora) grande bebé Vicente irá completar nove meses fora da barriga da mãe. Está imensamente diferente, o meu filho. É muito, muito curioso: tenta absorver todos os pormenores dos sítios por onde passa. Gosta muito de pessoas: é daqueles bebés que fica a olhar fixamente para alguém até chamar a sua atenção para depois se desfazer num grande sorriso maroto.

Ainda não dorme bem, como seria de esperar num bebé de nove meses. Tem vezes que acorda uma vez, outras que acorda duas, outras que se queixa de dez em dez minutos – dormir uma noite inteira é que não é com ele! Adora comer mas prefere as sopas da avó às sopas da mãe. Não rejeita nada no que toca à alimentação mas gosta especialmente de manga, papaia e framboesas.

Anda sempre no seu carrinho como se fosse um lorde, não aprecia muito as longas viagens de carro mas tem-se aguentado durante as quase três horas. Tem dois dentes à frente e não sabemos se tem mais escondidos porque ele não deixa que ninguém lhe mexa na boca. Adora andar ao colo de toda a gente e estende os braços mesmo a pessoas que lhe são estranhas. Alguém um dia o descreveu como um bebé de “olhos tão grandes e nariz tão pequenino” e eu adoro essa expressão porque o meu bebé Vicente tem os olhos mais espertos e vivos de que me lembro.

Gosta de brincar com a mãe e o pai e às vezes parece mesmo que nos dá beijinhos. Vai gritando para nos chamar a atenção e já diz mamamama e papapapapa mas sem significado aparente. Inventámos músicas para ele e é uma delícia ver como gosta que cantemos para ele.

Dá muito mais que fazer do que um dia de trabalho no escritório mas é infinitas vezes melhor carregá-lo para todo o lado ou alimentá-lo no jardim ou tentar adormecê-lo tantas vezes. Foram nove meses de sossego e de muitas cambalhotas silenciosas dentro da barriga da mãe e agora mais nove meses de vivacidade, ternura e total dedicação. E com esta brincadeira já conheço o meu filho há dezoito meses… O dia em que comemora os nove meses está a chegar e com ele aumenta o orgulho de ser mãe dum bebé tão agitado quanto amoroso!