maio 30, 2008
This state I'm in
maio 28, 2008
O segredo de um cuscuz *
Ele tem os vincos do trabalho e do sacrifício desenhados na expressão cerrada. É um homem fechado dentro de si mesmo, é o par de mãos com que remenda um casco de um barco velho. Não sabendo oferecer nada de si, carrega consigo uma caixa de peixe que se multiplica pelas suas várias famílias. Sentado, a janela aberta de par em par, contempla o cais vazio enquanto acende outro cigarro. Por ter trabalhado toda a vida num estaleiro, é uma traineira abatida que quer ainda fazer-se ao mar alto. Têm amor, aqueles olhos lentos e escuros. Mesmo que o amor não se mostre nunca através da ternura - ele faz, simplesmente, aquilo que tem a fazer.
* ou deslumbrada com a autenticidade, humor e surpresas deste filme.
maio 26, 2008
Desafio pt. 2
(ÿpslon, www.vitaminaY.blogspot.com)
A memória chegava-lhe em imagens difusas, ele sabia que situação onde se encontrava era mais do que uma manhã embaraçosa depois de uma noite que não quis passar sozinho. A cada expiração, a dor lembra-lhe da posição do seu corpo contorcido... os olhos a custo procuravam alguma familiaridade naquele quarto-jaula, param no preciso instante em que o pé toca em algo, foca uma mulher, leonor, uma imagem difusa da noite anterior, também atada, contorcida, de olhos fechados, a começar a murmurar repetidamente… - “como fomos capazes…como fomos capazes…”
As lágrimas não demoraram a jorrar-lhe dos olhos. A disposição de todos os objectos naquele quarto fazia prova do caos da noite anterior: o cinzeiro que não chegava para tantas beatas, as lâminas de barbear usadas e dispostas numa fila metodicamente organizada, os restos do sangue debaixo do abajour carcomido pelo cortejo de lâmpadas acesas nos últimos dias. Ele tentava aligeirar o nó que feria os seus pulsos em vão e as cordas marcavam cada vez mais as veias onde o sangue corria descontroladamente. Cheio de culpa e náuseas, ele não conseguia parar de imaginar como seria possuí-la neste cenário desolador. Uma e mais outra vez.
(M., www.borboletasnabarriga.blogspot.com)
Desafio pt. 1
que não posso desligar *.
* e um desenho deste moço que já tinha mostrado aqui.
Silver lining *
* ou sorrir mesmo num dia escuro, de nuvens baixas e aguaceiros indecisos
maio 25, 2008
Micro Audio Waves
A escolha da banda para este segundo aniversário foi muito feliz. Ontem, os Micro Audio Waves deram uma lição de electrónica, rock e de sensualidade a uma audiência que não demorou muito a render-se. Cláudia Efe é uma diva moderna, concentra em si (e na forma como susurra os seus segredos ao público) todas as atenções. Seduz-nos com um olhar às vezes provocador, às vezes vago. Dança como quem sente a música como uma força imparável e impressiona com a leveza dos seus movimentos. Esta música dos MAW está carregada de promessas, de encontros secretos com estranhos, do prazer pelo prazer e dá vontade de transgredir, de pisar o risco. Há uma expressão que me vem à mente quando penso neles: pure pleasure seeker. Ontem foi um bocado assim e o prazer chegou pela música e pela liberdade dos movimentos.
maio 24, 2008
Karseron + Wintermoon
maio 21, 2008
M. @ cozinha IV
Depois
maio 20, 2008
Do the right thing *
Depois de procurar um objecto que alguém perdeu (e por se tratar de algo com valor afectivo), descubro finalmente o seu paradeiro. O problema é que a pessoa que o tem já disse a quem o perdeu que não sabe dele e eu não posso provar o contrário. Portanto, se falo corro o risco de passar por parva, não conseguir provar nada e ainda tornar-me persona non grata. Só que, se não falo, fico a bater-me com a minha consciência, que me diz claramente que isto tudo é injusto e indigno mesmo. Será assim tão difícil as pessoas, por uma vez na vida, portarem-se como adultas e reconhecerem que cometeram um erro? Já errei muito e já vi errar e nunca me pareceu que a capacidade de admitir um erro fosse alguma coisa de que devemos ter vergonha. E isto nem se trata de eu sofrer de uma espécie de excesso de princípios: simplesmente mantenho-me com aquilo que me parece importante e a honestidade (valor que em tempos desprezei) está no topo da minha lista.
Depois, há o trabalho com disputas infantis, suspeitas infundadas, pessoas que acham que nos tomam por parvos, pessoas que realmente têm razão em tomar-nos como parvos, um diz-que-disse constante nas nossas costas. Importam-se de não complicar, só durante um bocado? Obrigada.
* como em We own the night, com o grande Joaquin Phoenix a estender a mão ao irmão Mark Wahlberg.
maio 18, 2008
Banda sonora do fim de semana *
Ideal para fins de semana de um só dia, em que a moleza é tão grande que parece que nunca mais vamos conseguir sair da cama (e, mesmo quando conseguimos, fazemos imediatamente planos para voltar). Também muito indicado para preparar jantares de aniversário (mais um trigésimo, o medo a instalar-se), criando o ambiente necessário ao ensaio do pé de dança. É também recomendado para a roupa que se planeia passar o ferro (pela terceira vez na nossa vida), ainda que em frente à televisão.
* Paper planes da M.I.A
maio 16, 2008
Being bad feels pretty good
É daqueles casos em que não interessa saber quem tem razão. Tudo assenta no tom ou na forma como se escolhe encarar o que divide as partes. Por muito que seja amiga de uma das pessoas, não é isso que me paga os ordenados no final do mês. E é exactamente isso que me coloca numa posição ingrata: eu não posso fazer o que acho porque sou obrigada a fazer o que é melhor. E quem diz fazer, diz pensar ou mesmo falar. É por essa razão que, apesar de concordar com quem me está mais perto, admito que essa pessoa está errada na colocação das premissas. Baralhados? Eu também.
Saí do trabalho e, até este momento em que escrevo, isto já me assaltou os pensamentos umas vezes valentes. Não me cabe a mim nenhuma decisão, apenas tentar manter a cordialidade, união da equipa e tentar chamar as pessoas à razão. Mas esta trivialidade faz-me pensar como é difícil fazer o que está certo. Aliás, mais do que isso, faz-me pensar como custa saber o que está certo. Como é que posso ter a certeza que não estou a ser injusta? Como é que posso pesar os argumentos de ambas as partes de forma igual se uma das pessoas é mais do que colega de trabalho? Como é que posso convencer ambas as partes a aceitarem-se e a prometerem fazer mais cedências? Estou a dar demasiada importância a uma disputa mesquinha ou estou a tocar o fundo de algo realmente importante? Se há coisa que eu gostava que dissessem de mim era 'Oh ela é uma pessoa muito justa'. Muito mais do que 'Ela é muito boa onda' ou 'É uma pessoa muito divertida'. O senão disto tudo é que a justiça não traz manual de instruções. E eu, inventando pelo caminho, não tenho a certeza de estar a acertar em coisa alguma.
maio 15, 2008
Sexo *
* ou a vontade de devorar livros que regressou onde antes eu pensava, alarmada, que não existia mais. Ler só mais um bocadinho, só mais esta página, nesta não posso parar que não acaba em ponto final, só mesmo até ao fim do capítulo. A vontade de ler voltou como uma febre, uma inquietação mansinha que cresce conforme a noite avança e domina mesmo que o corpo já peça descanso. Afinal, tudo não tinha passado de um susto e eu ainda gosto de ler como antes e ainda consigo emocionar-me e sentir náusea e sonhar com um livro, não era tudo uma mentira. Na prateleira, começa a diminuir a fila dos livros que esperam para ser lidos e a aumentar a secção dos que já foram folheados. Não posso dizer que os livros me salvaram a vida. Mas posso dizer que animaram tempos mortos em consultórios, fizeram esquecer as viagens intermináveis de carro-autocarro-avião, sábados em que almocei sozinha no trabalho, noites em que o sono teimava em tardar. Continuo a emocionar-me e a escolher a personagem que quero ser e a inventar-lhes rostos e corpos, a adivinhar-lhe as virtudes e a maldizer os seus defeitos, tomando partido silenciosamente. Chegou a vez de Falling man, do Don DeLillo e os parágrafos iniciais, como podem ler, prometem.
Across the sea
(obrigada a este moço pela compra e a este pelo transporte)
maio 13, 2008
Cortar (outr)o cordão umbilical
Foi uma sensação muito, muito estranha. Voltar à universidade, depois destes anos todos, causou-me um certo mau estar. Entrei e nenhuma das caras me era familiar, a esplanada continua cheia de alunos que preferem passar o seu tempo ao Sol em vez de encerrados numa sala da torre velha, há um pavilhão novo, pré-fabricado que alberga qualquer coisa que se parece com um café. A secretaria estava vazia: ninguém à espera, nenhuma senha para ser chamada, nenhum funcionário a atender. Depois de uns minutos de espera (em que tentava chamar a atenção para a minha presença), chegou uma moça nova que franziu o olho quando ouviu ao que eu vinha. Talvez pensasse que o diploma tivesse sido pedido há meia dúzia de dias, talvez pensasse que eu não sabia ao que ia. Trouxe-me aquela solitária folha, rabiscada por três ou quatro pessoas, carimbada e numerada e plim, cortou-se este cordão umbilical.
Quando vi o meu reflexo nos vidros da repartição académica, reparei que estava a sorrir. De alívio, acho eu. Não é que os meus anos na faculdade tenham sido, na sua essência, maus. Mas a quantidade de escolhas absurdas e pobres decisões que fiz nos primeiros tempos não me deixou saudades nenhumas. Quando olho para trás, o que vejo é um caminho tão mas tão incerto, tão intermitente que me apetece apagar tudo e voltar ao início. Não é bem arrependimento: de certa forma, tudo o que fiz serviu para me trazer até aqui. Mas saber que podia ter feito muito melhor é um grande castigo e uma coisa difícil de admitir. E depois há a questão da inutilidade do curso. Entrei na minha primeira opção, na faculdade que queria - fui eu que escolhi esta inutilidade. Nem o facto de ter completado o curso com um minor na área da comunicação mudou alguma coisa.
A inocência de quem entra para o ensino superior chega a ser comovente: as ilusões todas que temos, o desejo de ser diferente, a vontade de ser o melhor. Quase tudo para chegar ao fim e nos dizerem que temos excesso de qualificações ou que o que estudámos não tem qualquer serventia profissional. E eu sei que o que é preciso é não cruzar os braços e continuar a tentar por outros meios, eu sei. Mas é complicado não pensar O que é que eu andei a fazer estes anos todos?. Em todo o caso, eu acho que encontrei a resposta a isto. Estive a crescer.
maio 12, 2008
Do amor (perdido, sem salvação e sem futuro) *
We're the heirs to the glimmering world
Perfeito.
maio 11, 2008
maio 10, 2008
La traversée *
* ou este documentário, onde me apaixonei ainda mais.
(O primeiro de mais) três dias inteiros sem trabalhar
maio 08, 2008
I ♥ Lisboa
Ontem à noite, enquanto folheava um dos jornais que tenho atrasados, descobri um concurso de escrita. Chama-se Lisboa à letra (podem consultar aqui) e convida jovens até aos trinta anos a escreverem sobre a cidade. Basta para isso que tenham nascido, trabalhem ou estudem aqui. Partindo de uma ideia que já tinha há bastante tempo, deixei que a música dos Dead Combo me conduzisse a mão e escrevi mais de duas mil e quinhentas palavras sobre a minha cidade adoptiva. Era giro ganhar qualquer coisa, pois claro que sim. Mas a sensação de escrever sem amarras e de saber exactamente o que escrever foi muito, muito boa. Se, como eu, aprenderam a amar esta cidade, é experimentar!
maio 07, 2008
Post das Lamentações
Então, além de andar sempre com a cara muito cremosa, há o antibiótico. Que é muito fácil de tomar depois de jantar mas que significa que não há álcool para ninguém. Por isso, não é assim muito giro quando se marca um jogo de cartas em casa de amigos, chegam oito pessoas e há aperitivos espalhados pelas mesas e me perguntam O que é que bebes?, ao que eu respondo... Sumo? Tens? e a pessoa me atira um Ora, deixa-te de coisas... Uma mini? e eu me vejo forçada a repetir, envergonhada, ... um sumo?. Isto de beber é muito social, é para fazer companhia e eu ontem não fiz grande companhia à malta do Carolands nem do Porto Ferreira e muito menos do whisky. Se calhar posso explicar a minha derrota em dois jogos de King assim, calha bem.
A juntar a isto tudo, já o suficiente para me deixar nervosa, acontece que resolvi andar muito. Deixei o autocarro de lado e passei a andar só de metro, o que me obriga a uma caminhada bem mais longa até à estação do Rato. De manhã, nem preciso dizer o agradável que é atravessar o jardim da Estrela pela fresca, ainda só frequentado pela malta que corre no circuito e um ou dois velhotes. Mas, com esta temperatura meio tropical e a chuva que cai-ora-não-cai, o regresso à tarde é sempre demasiado suado para esta altura do ano. Depois, chego a casa e faço umas séries de abdominais mesmo antes de me enfiar no banho. Não sei se já está a dar resultado mas faz-me sofrer um bocado. Isso já deve ser bom sinal. Ai.
maio 04, 2008
Razões (realmente muito) boas para se voltar a casa
*apenas um dos inumeráveis neologismos com que ela constrói diariamente o seu discurso!
maio 03, 2008
The Allstar Project
Ontem, mais uma (e outra) vez, foi dia de pensar que não presto a devida atenção ao que se faz por cá. É claro que vamos ouvindo bandas que têm mais projecção nas rádios ou noutros meios de comunicação mas cada vez mais penso que as escolhas editoriais que se fazem são demasiado orientadas para um público que quer ouvir coisas simples, sem analisar ou comprometer gostos. Aqui têm os The Allstar Project, que fazem música violentamente bonita, que têm a escola das bandas que ouvia enquanto me tornava numa adolescente impossível e que dão um espectáculo intenso, quase espesso. Se eu tivesse que escolher só um género de música acho que escolhia este: é música boa para sonhar, ouvir sossegada com o volume no máximo, para ler, para domar os sentimentos, para expulsar demónios, fazer planos e suposições, para fazer viagens no Verão com a janela escancarada, à procura duma réstia de fresco.
maio 01, 2008
Lido por aí
Um rapaz mal desenhado
Vive na minha cabeça
Um rapaz sem contornos.
Tem olhos grandes
Castanhos
E transbordantes de desejo.
Não lhe conheço os lábios
Mas adivinho-os macios
E molhados.
Olham-me com paixão
Aqueles olhos grandes.
Sofre com o desprezo
De uma mulher distante
E repousa os olhos
No meu colo quente.
O rapaz de olhos enormes
Sente dor
E eu sinto com ele
Tudo o que negam
Aos seus olhos castanhos.
Imagino
Beijar-lhe os olhos
Devagarinho
Enquanto lhe procuro os lábios.
Amarga-me a tristeza
Que jorra
Daqueles olhos grandes.
Quando o nosso olhar se cruzar,
Um dia,
Os meus olhos castanhos
Vão beijar
Os olhos grandes dele
E o desejo tomará conta
Do resto do nosso corpo.
*título gentilmente emprestado de uma das novas músicas d'A Naifa