março 28, 2009

Eu, que construo ídolos por tudo e por nada

Eu já te tinha ouvido cantar, Samuel*. Pelas vozes de outros homens que, agarrados à sua guitarra, brilham como tu em cima de um palco, sem pudores nem desconforto, apenas com a simplicidade de quem sabe o que está a fazer. Já tinha ouvido cantar mas nunca tinha, como tu mesmo disseste, visto ninguém partir pedra em palco. Mas esta sensação de déjà vu não se esgota aqui. As ideias são tuas, o jogos de palavras também te pertencem a intensidade com que marcas o ritmo com as botas sobre o mármore branco e como deixas o teu peito voar através da camisa azul que manténs aberta - tudo teu. Mas um dia eu vi alguém parecido contigo a tocar um guitarra numa manhã clara de Inverno. Eras tu e era outro mas a guitarra era a vossa continuação, empunhavam-na com orgulho, passeando o dedo sobre as cordas enquanto eu, atrás dos holofotes e da luz sobre aquele sofá naquela manhã, ficava profundamente tocada com a música que levam dentro, pela vossa expressão de comoção a cada acorde novo.

Por isso Samuel, não estranhes que goste do que fazes. Da fina ironia com que tratas quem te ouve, da voz que te falha mas nunca te impede de continuar, da forma encantadora como pareces demasiado auto-consciente, da tua falta de jeito em frente a um piano. Sou apenas uma cara anónima que se derrete com o talento de um homem e com as suas imperfeições. Mesmo que, no fim, ele tenha pés de barro.

*o Samuel Úria tocou na quinta-feira no Maxime e foi fotografado pelo JER para a Rua de Baixo

1 comentário:

Maria del Sol disse...

Cara M., se depois disto ainda têm dúvidas sobre os teus dotes de cronista, demito-te do meu biscate na Rua de Baixo.

Que maravilha. O concerto e as tuas palavras. :)