março 19, 2009

O senhor M.

Esta fotografia tem uns belos quinze anos, talvez. Foi tirada à saída da montanha russa na Feira Popular e, apesar das nossas caras felizes, tínhamos os nossos estômagos às voltas. Lembro-me que tinha uma t-shirt nova, que adorava e que estávamos de férias em Sesimbra, no Alto das Vinhas. O meu pai tinha o bigode muito preto, eu e a minha irmã estávamos na idade estúpida das raparigas.

Eu tenho muito mau feitio porque o herdei do meu pai. Gostamos muito de ter razão e às vezes não temos motivos para justificar o que dizemos. Damos poucas vezes o braço a torcer mas o tempo já nos amansou e até nisso somos iguais. Ele queria-me engenheira e ainda hoje me diz que eu devia candidatar-me a um posto da Microsoft, como se isso por si fosse garantia de sucesso. Trazia-me carteiras de cromos de umas colecções bestiais (carros, motas, equipas da primeira divisão com o Marlon Brandão a jogar no Estrela da Amadora) sempre que ia ao café. Levantava-se às quatro da manhã para fazer sete quilómetros e apanhar-me à porta da discoteca. Eu, como o meu pai, tenho um gigantesco problema em dizer não. Lembro-me dele acordar de madrugada para ir trabalhar para fora de Portalegre, enquanto a minha mãe lhe preparava o termo com a sopa e fritava uma omelete. O meu pai (e a minha mãe) é o meu grande exemplo profissional: nunca o ouvi ter preguiça e muito menos a ser injusto. Como ele, tenho orgulho num trabalho bem feito e procuro ser sempre honesta comigo própria.

Numa fase muito má da minha vida, em que fui tudo menos verdadeira comigo e com toda a gente, o meu pai recebeu-me literalmente de braços abertos e consolou-me e ouviu-me chorar o que aguentou. Já fiz chorar o meu pai umas duas vezes na vida. À minha frente, pelo menos. O meu pai ensinou-me tudo: a preencher o reembolso do IRS, a mudar um pneu, a usar ferramentas. Muitas vezes não o compreendi mas hoje tudo faz sentido na minha cabeça. O meu pai (e a minha mãe) deu-me sempre tudo o que conseguiu. E ainda mais, porque eu sempre tive um jeito de conseguir dele tudo o que queria. O meu pai larga tudo para me ajudar - já deixou um casamento à uma da manhã para fazer duzentos quilómetros para me salvar. Quando tiver um filho, quero que o pai desse filho seja como o meu pai, o verdadeiro homem da minha vida.

7 comentários:

P. disse...

estúpida, já não gosto de ti!

K. disse...

Espero que o teu pai leia isto porque acho que é a coisa mais bonita que se pode escrever de um pai. Beijo.

Pilipa disse...

Oh M, até me arrepiei. Gostei tanto...(L)

O senhor M. é um sortudo.

Beijinhos

cosmonauta disse...

bom bom bom =)

Anónimo disse...

até chorei depois de ler isto.

que bonito...

Eurico Ricardo disse...

és boa gente M.
Eu, por acaso, esqueci-me completamente... :x

M. disse...

O sr. M leu e gostou muito :D

Ainda bem que não foi o único a gostar.