dezembro 30, 2010

Cartas ao Vicente [edit]

A ideia já andava aqui a fervilhar há uns tempos e resolvi que a comemoração dos três meses do Vicente seria um começo perfeito. Escrevo, a partir de hoje, cartas ao meu filho presente para que o meu filho futuro melhor possa reconstituir a sua história. Se as quiserem ler, actualizem os vossos marcadores. A morada está mesmo ali ao lado!

[Por motivos que não altura não me pareceram óbvios, vou tornar o blog do Vicente num espaço fechado. Caso alguém se interesse pelas lamechices de uma mãe babada, pode enviar-me o seu endereço de e-mail para eu juntar à lista de amigos! O meu e-mail está disponível no perfil. Obrigada por estarem aí.]

dezembro 29, 2010

Em jeito de balanço

Chegou a última semana do ano. Esta é, habitualmente, a semana em que olhamos para trás e em que (mais importante ainda) piscamos o olho ao futuro. O meu ano não começou da maneira mais brilhante: despedi-me do meu avô logo no início de Janeiro, um dia gelado em que já nevava às oito da manhã, como se precisasse de um sinal para marcar a data para sempre. Foi uma semana difícil, essa. O controlo das coisas parecia estar constantemente a sair do meu alcance e eu começava a ficar cansada de tanto caos.

Só que em Fevereiro as coisas alteraram-se radicalmente: no mesmo dia, descobri que esperava um bebé e esta passou a ser a nossa casa. Cortei um difícil cordão umbilical com a minha irmã mas crescia em mim a semente da nossa nova família. Os meses que seguiram foram tanto de enjoos como de alegria: não posso esquecer-me do dia do temporal na Madeira e no sumo de clementina que a minha mãe me espremeu ao almoço e as viagens constantes entre a sala e a casa de banho. Foram meses de sonolência e alergia a cheiros, meses de incerteza sem sentir as cambalhotas do bebé Vicente, meses de me tratar bem e de me poupar a esforços. Depois foi chegando o bom tempo e alcancei a parte gloriosa da gravidez: ausência de desconfortos coroada com uma barriga em crescimento e uns valentes pulos do bebé cá dentro . No final de Julho, fui despedida num processo de despedimento colectivo, em que a minha empresa resolveu ignorar os meus anos de trabalho, as minhas capacidades e dedicação e até mesmo o facto de eu estar grávida. Foi preciso muito tempo para engolir esta decepção, apesar de já há muito saber deste destino. Mas a verdade é que tudo acontecia no tempo certo porque havia um bebé a caminho.

Os últimos meses do Verão foram de grande expectativa mas também de alguma calma. Estar livre deu-me tempo para tratar de toda a burocracia e para simplesmente gozar as últimas semanas de gravidez. E depois chegou o dia 29 de Setembro e, tal como sempre imaginei, o Vicente chegou antes da data marcada. E eu descobri que não há nada que nos possa preparar verdadeiramente para a experiência brutal que é ser mãe: podemos ler muito, investigar e pesquisar, podemos frequentar cursos mas quando, chega a altura, só o instinto maternal é que nos safa. Já chorei muito desde esse dia, especialmente quando não sei o que fazer mas ninguém me arranca a felicidade de ver o meu filho engordar, crescer e ter tudo o que precisa. É um amor que ocupa todos os lugares, tão incondicional que às vezes parece que perdemos o juízo. E a minha vida nunca mais foi como era.

A única coisa que desejo para o novo ano é a felicidade e bem estar do meu filho. E a minha única resolução é a de ser mais racional e não me deixar abater pelos pequenos obstáculos diários. Trabalho e outros dividendos hão-de vir e serão sempre bem vindos mas o meu mundo agora gira à volta de outras coisas. Feliz ano de 2011! Que a sorte ou o destino ou outra força qualquer vos seja generosa!

dezembro 25, 2010

Quem meus filhos beija, minha boca adoça


Não é nada que não soubéssemos já: o Natal este ano era do bebé Vicente e nós passaríamos definitivamente para segundo plano. As prendas que antes recebíamos foram transferidas para ele e nós, orgulhosos do nosso bebé, ficamos contentes por vê-lo a acumular brinquedos e roupa nova. Ontem à  noite desembrulhámos os presentes e o Vicente assistiu sereno a tudo, sem perceber o que estava a acontecer à sua volta. É um bebé cheio de sorte e nós não sentimos falta de presentes nenhuns. Para o ano é que ele vai ser...

(Os últimos dias foram tão agitados, e não numa forma exactamente positiva, que não houve sequer tempo para me sentar aqui e escrever os meus votos de Natal. A todos os que estão desse lado desejo um Feliz Natal atrasado, na esperança de terem tido uma noite tão cheia como eu!)

dezembro 21, 2010

O (meu) primeiro banho do Vicente

Demorei este tempo todo, é verdade e tenho muita vergonha. Quando o Vicente veio para casa, tentei logo dar-lhe banho mas ele era tão pequeno e tão frágil que a banheira que comprámos parecia enorme para ele (é uma banheira shantala, se nunca viram descubram como os bebés gostam aqui). Fiquei frustrada por não me sentir segura no banho - saber que os bebés precisam de uma quantidade mínima de água para se afogarem não ajudou. Entretanto, fui ajudando no banho e vendo o pai, carinhoso e paciente, a dar-lhe o banho à noite, enquanto eu me ocupava de secá-lo e enchê-lo de creme hidratante. Só que agora ele é bem grandinho e ontem à noite lá me aventurei no banho do meu bebé. Sei que me ia arrepender amargamente no futuro se nunca participasse neste ritual por um medo parvo e um pouco infundado. Ainda tenho alguma falta de jeito mas já tenho a certeza que, a partir de agora, vou repeti-lo tantas vezes quanto puder e conseguir estar mais perto do meu bebé!

dezembro 17, 2010

Das saudades que me disseram que ia sentir

Acho que é por ainda ter algumas amigas grávidas. Lembro-me de me dizerem, já quase no final da gravidez, que ainda ia ter saudades da barriguinha, para a gozar bem antes do Vicente sair cá para fora. Mas acho que naquela altura estava completamente refém dos sintomas maus da gravidez (a azia à noite, os pés inchados como balões, dores nas articulações das mãos, dores nas ancas e costas, algumas insónias) e do tamanho da minha barriga para sequer pensar nessa possibilidade. Custava-me tanto levantar-me da cama ou do sofá que a única coisa que desejava era que a barriga desaparecesse com um passo de magia.

Mas entretanto tinha amigas grávidas (uma delas já tem o seu homenzinho cá fora!) e lia blogs de outras grávidas que ainda esperam os seus bebés e não consigo evitar sentir o que posso descrever como uma pontinha de inveja (saudável, claro está!). Não é tanto do tamanho da barriga mas é daqueles momentos de expectativa, de sentir um bebé às voltas cá dentro, da vontade incontrolável de o conhecer. Ter o Vicente comigo é maravilhoso, é evidente, mas tenho saudades do tempo em que ele estava na minha barriga e em que eu idealizava o seu nascimento e crescimento. São as únicas coisas que me fazem ter vontade de voltar a ser mãe neste momento - não que não gostasse de ter mais filhos, mas ainda é muito cedo para pensar nisso. Vou-me entretendo a cobiçar as barrigas alheias!

dezembro 13, 2010

Breves destas bandas


Quase a chegar aos três meses, o bebé Vicente está (naturalmente) muito diferente dos meses anteriores. Sofre menos de cólicas, passa muito tempo alerta e ri-se muito para o pai e a mãe. Já ensaia as primeiras tentativas de palavras e, quando estimulado, parece que já nos está a responder. Continua muito chorão, é verdade, e conseguir adormecê-lo continua a ser um pesadelo mas acho que já podemos falar em mudanças. Como agora já está mais atento ao que o rodeia, montámos um mobil no fraldário e já o deitámos numa manta de recreio para que possa ir ficar atento às novas formas e cores mais vivas.

Como é óbvio, este Natal vai ser muito especial porque é o primeiro que passa connosco. Mas quando nos perguntam que prendas oferecer ao Vicente ficamos sem saber responder: é ainda muito pequeno para apreciar brinquedos, cresce a um ritmo alucinante para pensar em roupa e já tem todas as comodidades que precisa com esta idade. No ano que vem já será diferente e ele já será capaz de gozar as festas de outra maneira. Este ano vai limitar-se a ser adorado como o novo Menino Jesus e até nós não pensamos em comprar-lhe grande coisa: não lhe tem faltado nada e é assim que planeamos continuar.

Hoje vamos jantar pela primeira vez com amigos sem filhos. Já fomos convidados de outros jovens pais, que sabem como funcionam estas coisas e sabem que a qualquer altura a disposição dos bebés pode alterar-se. Hoje será mais um teste para nós e para o Vicente, que normalmente se dá bem em ambientes com mais ruído. Em todo o caso, e lembrando o que uma jovem mãe que escreveu no seu blog, os amigos sem filhos acabam por se afastar de nós porque não sabem como lidar com o bebé e nós acabamos por nos isolar um pouco porque sabemos da imprevisibilidade do comportamento dele. Estas experiências são necessárias, especialmente porque não podemos viver longe de tudo e porque afinal o Vicente está a crescer e a mudar. De qualquer maneira, são os amigos que se mantém longe que perdem: não chegam a ver um Vicente pequenino e sorridente nos intervalos das birras!

dezembro 10, 2010

Regresso ao passado

Chegou-nos hoje a casa esta relíquia ainda em perfeito estado de conservação e funcionamento. À minha memória vieram as tardes que passava no trabalho da minha mãe, dividindo o tempo das minhas férias entre máquinas de escrever e o Chuckie Egg nas salas do Projecto Minerva (alguém ainda se lembra disso?). Só já há uma fita de substituição disponível: depois, é rezar para encontrar mais naquelas papelarias velhas. Velhas não - saudosas. O pai do Vicente bem insiste comigo que era o meio ideal para começar a escrever um livro mas acho que seria demasiado trabalhoso, já para não falar de pouco prático. Afinal de contas, a tecla delete faz um jeitão daqueles e, que eu me lembre, o copy/paste não tinha ainda chegado ao analógico. Mas não deixa de ser um objecto meio romântico, uma peça de museu para o Vicente que nunca vai saber como era viver sem computadores e que dificilmente compreenderá a ideia de rolo de fotografias. Assim, matamos dois coelhos duma cajadada só: criamos-lhe memórias e preservamos a nossa própria história.

dezembro 08, 2010

Nós por casa



O pai do Vicente andou a experimentar a sua nova lente fisheye.

Há duas coisas que o bebé Vicente fez ou faz pela nossa pequena mas acolhedora casa: inspirou grande parte do mural de fotografias que nos recebe todos os dias e, ao mesmo tempo, trata da desarrumação de todas as divisões. Já desconfiava que ter filhos é isto mesmo: estratégias para o adormecer, chuchas, frascos de gotas, fraldas e materiais semelhantes espalhados pela casa e ainda nem chegámos à altura em que ele vai começar a brincar. Por enquanto, todos os brinquedos estão guardados em caixa ou em prateleiras no quarto que o Vicente ainda não ocupou. O tempo está a passar e não tarda, estamos a decidir que ele deve passar a dormir sozinho e independente do olhar obsessivo da mãezinha dele, preocupada com todas as voltas que ele dá na cama. Já o mural sabe-nos muito bem e foi empolgante ir escolhendo fotografias durante a gravidez, deixando sempre o espaço principal para o bebé que ainda não tinha nascido e imaginando as suas feições e as poses das primeiras fotografias. É o espaço público do nosso amor e o sítio onde escrevemos a nossa história.

dezembro 01, 2010

Campo de Ourique

A rua onde moramos é uma das fronteiras entre a Lapa e Campo de Ourique, chegando ao cúmulo de cada lado da rua (ou metade da rua, não estou certa) pertencer a uma das freguesias. A nós calhou-nos em sorte a freguesia da Lapa, o que fica muito bem no cartão do cidadão, impressiona algumas pessoas mas não tem metade do glamour que todos imaginam. Na verdade, conhecemos muito mal a Lapa e a forma como se estende desde a avenida Infante Santos até ao rio. Sabemos onde fica a junta de freguesia, onde fica a nossa mesa de voto, o centro de saúde e pouco mais.

Somos mais pessoas de Campo de Ourique, apesar de na verdade sermos pessoas de Portalegre. É lá que gostamos de fazer as nossas compras, de beber café e hoje aproveitámos o dia para passear um pouco entre a Ferreira Borges e o jardim da Parada. Este bairro tem vida e isto é muito mais do que se pode dizer de muitos bairros de Lisboa e o que é ainda mais interessante é a diversidade de pessoas com que nos cruzamos na rua. É verdade que grande parte é gente daquelas famílias antigas, de bem, meninos e meninas vestidos de igual, figuras públicas sentadas nas esplanadas e senhoras de cabelo armado. Mas também há jovens artistas, os velhos que jogam cartas no jardim da Parada, as figuras misteriosas dos bairros mais degradados à sua volta. E Campo de Ourique ainda é o paraíso para quem, como nós, gosta de prédios antigos cobertos de azulejos, melhor ou pior conservados. Há poucas ruas onde não encontramos um padrão que nos surpreenda, uma varanda onde nos víamos a viver. Levámos o Vicente a passear pelas ruas do bairro que também é seu, ouvir o movimento e as pessoas nas ruas, aproveitar uma pausa nas massas de ar frio. E pudemos, enfim, respirar.

novembro 30, 2010

(uma pausa merecida)

Vamos lá a ver: desde a última vez que aqui escrevi, o Vicente fez dois meses mas também me impediu de voltar a escrever o que quer que fosse. Comecei posts algumas vezes mas fui sempre interrompida pelo choro ou por alguma necessidade mais premente. Estes dois meses têm-me ensinado mais do que esperava mas também me têm mostrado demasiadas debilidades minhas que ainda não sei como combater. Desespero com muita facilidade, choro quando não sei o que fazer, perco muitas vezes o fio à meada e deixo de ser racional. Hoje sei que precisava de ajuda, pelo menos para respirar um pouco, retomar o fôlego e a coragem mas estar longe da minha família tem destas coisas. Às vezes precisava só de cinco minutos de ausência de responsabilidade para me poder refazer e tenho vergonha disto. Eu sei que é normal mas também vejo outras mães mais corajosas e fortes, que talvez escondam as suas dores com mestria e se concentrem nos seus bebés. É inevitável pensar que raio de mãe vim a ser.

Primeiro, sofri com a amamentação, que hoje já aprendi a dominar e a ignorar as dificuldades. Agora são as cólicas, as dores de barriga inexplicáveis, o sono que o bebé tenta a todo o custo vencer. É um cansaço diferente, o de hoje. Não são exactamente as noites mal dormidas mas são os dias que passo com o Vicente a esgotar as estratégias para o ver contente, a mudar de soluções a cada cinco minutos, a tentar não me abalar com a imprevisibilidade que é ter um bebé em casa. E depois é o Outono (ou deverei dizer Inverno?), com a chuva e o frio das massas polares que não convida a levar um bebé tão pequeno para a rua. Para minorar isto tudo, o Vicente começou a sorrir, especialmente quando falamos com ele. Sorri muito e parece que quer falar connosco, parece que já tem coisas para nos dizer e são estes momentos que vão fazendo esquecer tudo o resto. E também é um regalo vê-lo a aumentar de peso e a crescer, a mudar as feições e a ser elogiado nos corredores dos supermercados.

O que eu gostava era de me sentar e escrever os dias maravilhosos que temos passado juntos. E têm sido todos muito bons mas tantas vezes é difícil ver para além das dificuldades. Quem me dera poder esquecê-las e falar-vos daquele indescritível sorriso desdentado. Eu sei que tudo vai mudar, eu sei. Mas às vezes esqueço-me disso tudo e quero-o diferente já. Há dias assim.

novembro 26, 2010

Depois da tempestade, (algum)a bonança

Foram mais uns dias passados com um nó bem apertado na garganta que só consegui desatar hoje de manhã. Um possível sopro no coração e as fontanelas que não fecham - tinha sido este o diagnóstico na primeira consulta com a pediatra do Vicente. Não é preciso dizer que saí de lá atordoada, como se de repente descobrisse que tudo o que vivera até ali não passava de uma mentira e afinal não tivesse dado à luz um bebé saudável. Lembro-me de empurrar o carrinho do bebé no parque de estacionamento do hospital, completamente zonza e só de volta à realidade com um telefonema do pai. Nunca me ocorreu que os exames pudessem ser apenas de rotina, já que a médica não demonstrou qualquer urgência.

A verdade é que não quisemos preocupar ninguém e guardámos o «segredo» até esta semana e até sabermos que está tudo normal, regular, saudável, vivaço. Era um golpe demasiado forte para mim, se se confirmasse alguma patologia, especialmente depois de ter toda a gente a elogiar o tamanho e o peso deste meu bichinho. No meio desta história toda, ficou uma espécie de nódoa quando a médica do centro de saúde sugeriu que os pediatras daquele hospitais aconselham estes exames a todos os bebés para que os colegas possam também ganhar algum... Claro que tudo não passa duma suspeita e nós, na posição delicada em que estávamos, não pudemos arriscar a não fazer os exames mas a verdade é que a confiança nunca mais será total. O que interessa agora é que tenho o meu bebé junto de mim e, mais importante, muito saudável, apesar de todo o choro antes de adormecer e de todas a cólicas que o fazem contorcer. Uma pessoa tem filhos e depois vai-se a ver e já não ganha para os sustos!

novembro 21, 2010

«Desde que meu filho pari, nunca mais a barriga enchi»,

dizia-me a minha mãe há uns dias atrás. É evidente que não é um provérbio para ser tomado à letra mas a verdade é que, com a chegada do Vicente, muitos hábitos mudaram, especialmente para mim. É verdade que muitas vezes adiei as minhas refeições para que ele pudesse comer e outras vezes interrompi-as ou deixei-as a meio para o acalmar e dar colo. Não se trata de não comer ou passar alguma fome: felizmente, o apetite é o de uma mãe saudável que amamenta o seu filho e até agora nunca faltou nada na nossa mesa.

Mas a verdade é que outras coisas passaram para segundo plano desde que o bebé nasceu: os banhos são quase sempre tomados à pressa e sempre a espreitar do poliban; voltei a cozinhar esta semana, depois de sete semanas fora da cozinha; não consigo cumprir muitos horários e frequentemente faço coisas à pressa; poupo imenso a roupa porque preciso de andar sempre pronta para amamentar; inevitavelmente, os meus hábitos de sono estão em frangalhos mas já estou mais habituada às interrupções. Acho que consegui ler umas três páginas dum livro e parte dum suplemento de jornal desde que ele nasceu, música nova tem sido escassa e saídas à noite é o que se sabe. Mas basta-me só tê-lo a dormir ao meu lado assim que a manhã desponta para que tudo o resto se esfume. Vou dando tempo ao tempo e, quando menos esperar, recupero a minha ligação ao Mundo porque agora ele é tudo o que conta, especialmente quando sinto que ele me segue com os olhos para todo o lado.

novembro 16, 2010

Sobre hypes e saídas a dois

O pai do Vicente registou para a posteridade.

Não sou (ou não fui), como a maior parte das pessoas que estava ontem no Coliseu, seguidora ou sequer ouvinte da Caderneta de Cromos. Em parte, porque não conduzia para ir para o trabalho e também porque, com o passar do tempo, fomos perdendo o hábito de ter o rádio ligado lá no escritório. Por isso, não me revi ontem em parte da histeria que se fazia sentir na sala, repleta de senhores de pullovers às costas (a forma mais inocente mas gráfica que o pai do Vicente arranjou para descrever a maior parte do público). Nada disso, porém, me impediu de me divertir à brava ou não fosse este espectáculo da autoria dum homem a quem admiro o humor e a aparente inesgotável criatividade - Nuno Markl. Tendo ele conduzido a maior parte do espectáculo, couberam-lhe também os momentos mais deliciosos de humilhação nos sketches sobre a sua infância ou no desafio bélico ao público. O que gosto especialmente no trabalho do Markl é esta ideia de que nem todo o entretenimento tem que ser feito com base ou na brejeirice, ou com piadas escatológicas ou com a excessiva exposição das pessoas e evidentemente revi-me em muitas das lembranças dessa década já longínqua de 80. Temos a agradecer à melhor tia e madrinha do Mundo esta noite bem passada e um Fizz limão quase a chegar à meia noite.

(Saímos só os dois porque a dita madrinha do Vicente logo se dispôs a tomar conta dele. Foi a segunda vez que saímos sem o nosso filho - a primeira foi para ver o Manel Cruz a apresentar o Foge Foge Bandido em Portalegre - e enfim, saímos de casa com sentimentos altamente contraditórios. Se, por um lado, foi muito refrescante poder estar três horinhas apenas na companhia um do outro, sabendo que o nosso bebé estava entregue em boas mãos, por outro ficámos essas três horas meio impacientes, pensando nele e nos olhões abertos que nos seguiram quando fechámos a porta de casa. Sair a dois não é mais do que um bálsamo para a nossa sanidade mental, já que o tempo não tem estado para grandes passeios. Mas a verdade é que parte de mim sente culpa por deixar o bebé. Regressar e encontrá-lo muito calmo, a dormir nos braços da madrinha, aliviou essa culpa.)

novembro 12, 2010

Sobre a amamentação: crónica de um falhanço

Não foi preciso nenhum curso nem nenhuma lavagem cerebral para, logo no início da gravidez, decidir que iria amamentar em exclusivo o meu bebé. A ideia de que poderia dispensar suplementos ou outras fórmulas ditas mágicas veio depois, quando solidifiquei os meus conhecimentos e quando me mostraram que existem alguns mitos à volta do acto de amamentar. O Vicente mamou pela primeira vez na sua primeira hora de vida, como recomenda a Organização Mundial de Saúde mas logo ali eu percebi que iria ser uma longa batalha. A amamentação implica uma disponibilidade gigantesca para o bebé, implica que, de certa forma, nos esqueçamos de nós e tudo à nossa volta para nos podermos concentrar apenas nela. Estive quase a desistir por várias vezes, convencida de que não aguentava este nível de atenção e outras dificuldades fisiológicas que encontrei pelo caminho mas fui conseguindo aguentar.

Esta semana, com muita pena minha, o Vicente teve (como é natural) um pico de crescimento, o que significou que quis mamar muito mais do que habitualmente, de forma a estimular a produção de leite. O meu corpo ou fraquejou, ou demorou a acompanhar o passo e foi assim que desabei a ouvir o meu filho a chorar ininterruptamente com fome, sem dormir porque provavelmente o estômago precisava de mais conforto. Não encontrámos outro remédio que não fosse ligar à pediatra e pedir conselhos sobre suplementos, para que ele pudesse ser convenientemente alimentado. Muitos dirão que deveria ter aguentado, tentando ignorar o choro descontrolado do bebé, a bem duma aleitação materna em exclusivo. Confesso que esta pressão social em que me envolvi conscientemente - a de que só o leite materno é suficiente, estigmatizando que opta por outras soluções ou quem a elas se vê obrigado - foi a única barreira a separar-me desta opção partilhada já há muitos dias. Quis também recusar a ideia de que o meu leite não seria suficiente e acabei por não dar ouvidos a vozes mais experientes, tentando confiar no meu instinto maternal. O suplemento entrou em nossa casa ontem à noite e o Vicente acalmou e dormiu. Continua a beber leite materno porque não acredito numa alimentação completamente artificial mas em mim ficou uma espécie de mácula: a ideia que eu mesmo criei de que, incapaz de amamentar em exclusivo o meu filho, sou menos capaz e falho em proporcionar o melhor que posso ao meu bebé. Vamos vivendo com pequenas vitórias todos os dias mas também é necessário saber encaixar as derrotas. O meu corpo talvez me tenha falhado mas é importante continuar: a serenidade do meu filho enquanto dorme vale todas as latas de leite em pó do Mundo.

novembro 10, 2010

Ando completamente obcecada com algumas questões de saúde do Vicente. Parece que quanto mais leio e investigo online, mais dúvidas me surgem e mais os medos me crescem. Acho que já dei comigo a desejar que os tempos fossem outros e que não houvesse tanta informação disponível. Bem sei que devemos filtrar toda a informação que temos ao alcance mas é impossível ficar indiferente ao que lemos, especialmente se se tratarem de experiências relatadas na primeira pessoa. Eu sei que ter filhos é isto mesmo mas sempre pensei que sei lá, tudo fosse um nadinha mais fácil. Adormecer e acordar com o coração na garganta nunca, nunca foi para mim.

novembro 06, 2010

Trinta e um Outonos

Que ano, este! Ficará para sempre marcado como o ano em que chegou aos meus braços o meu pequeno homenzinho, a maior alegria que já senti desde 1979. O ano foi definitivamente de renovação: começou com uma imensa tristeza a oito de Janeiro, seguiu com uma notícia espantosa dia oito de Fevereiro, abanou-me no dia trinta e um de Julho e mudou a minha vida para sempre a vinte e nove de Setembro. Com as devidas e inevitáveis excepções e saudades, tive um ano muito, muito feliz. Este novo ano da minha vida, que hoje começa, promete ser outro de descobertas, alegrias, preocupações e muito trabalho. Estou pronta para os desafios que aí vêm mas, até lá, vou abraçando o meu pequeno, o meu outro mais que tudo e a restante família que me vai batendo à porta. Tem sido uma vida do caraças!

novembro 01, 2010

Passear a Sudoeste


As fotografias são do sujeito do costume.

Sempre achei meio deprimente passear durante o Inverno pelas estâncias balneares mais populares de Verão. Todas as portadas estão fechadas, as ruas maioritariamente vazias, as praias meio engolidas pelas marés vivas, as povoações a descansarem do reboliço dos meses quentes. Mas, ao mesmo tempo, há naquela ausência de agitação uma calma tão contagiante, um restabelecer de forças tão merecido que não há como não me sentir aconchegada, mesmo debaixo de ventos quase ciclónicos. O cinzento do céu confunde-se com o mar, as gaivotas estão inquietas em terra e há um ou dois velhotes que se atrevem a contornar a praça. As restantes pessoas dividem-se entre os turistas nacionais, encasacados e incomodados pelo vento, de máquina fotográfica na mão e os turistas internacionais, que estacionam as auto-caravanas onde podem e saem, calções sobre as pernas brancas e os habituais impermeáveis, apenas para olhar o mar.

Foi uma desilusão, o vento tão forte. Graças a ele, o bebé mal podia sair do carro: um mês de vida ainda não chega para resistir a tempestades assim. Gostava que tivesse festejado o seu primeiro mês sentindo pela primeira vez o cheiro do mar, ouvindo as ondas mesmo sem saber de onde vinha o ruído, piscando os olhinhos debaixo do sol de Outono. Não pudemos mostrar-lhe a praia mas passámos estes dias brincando com ele, apanhando novos sustos (todos os dias há surpresas!), tratando de o entender mais e melhor. Não foi nada fácil conjugarmos os nossos horários com os dele mas o dia da nossa sintonia há-de chegar. O primeiro passeio já está - para a próxima será melhor.

outubro 29, 2010

Ponto de não retorno

Chegou finalmente o momento que durante anos temi: o momento em que tenho que admitir que o espaço não chega e preciso de um carro mais familiar. Durante muito tempo, achei que esta troca de carro simbolizava tudo o que andava a evitar e que se resumia num medo terrível de crescer, de ser adulta. E eis que ele chegou e não há nada a fazer, a não ser aceitar a realidade.

Não conseguimos carregar toda a bagagem no meu carro, nem para um simples fim de semana a três. O carrinho do Vicente ocupa demasiado espaço e depois ainda há o ovo, as nossas malas, o Nico e as suas tralhas - é impossível. É claro que durante uns tempos podíamos fazer o sacrifício e tentar optimizar o espaço mas depois também teríamos a bagagem da minha irmã e tudo o que trazemos de casa e ia ser simplesmente um pesadelo. Chegou, portanto, o momento em que deixa de ser fixe ter um carro pequenino e relativamente fácil de estacionar para passarmos para um mais confortável e espaçoso mas (de certeza) mais difícil de estacionar.

Não é a condução que me chateia, na verdade. Só tenho medo de me estar a transformar nas pessoas que nunca quis ser, lentamente a ceder aos caprichos das responsabilidades crescentes, de certa forma a perder alguma graça pelo caminho, lentamente esquecendo a que sabe a espontaneidade e a liberdade. E se é certo que tudo acontece pela melhor causa do Mundo, que é o meu filho, isso não impede de me fazer pensar que a vida como a conhecíamos acabou definitivamente e agora há outras escolhas a fazer.  Mudo de rumo com um sorriso e certa de estar a fazer o melhor para o meu bebé e para nós mas isso não lhe tira aquele travo agridoce da saudade.

outubro 24, 2010

Super Homenzinho

É o orgulho do pai e da mãe, admirado pelas velhinhas no supermercado e muito amado pelos avós e pelos tios (pelos postiços também!). Lá vai deixando os pais descansar, lançando sorrisos indiscriminadamente e adormecendo às vezes com um mp3 que simula os sons dum útero. É um tipo sério e já é preciso algum cuidado quando franze a sobrancelha ♥

outubro 23, 2010

Aproveitar o que resta do Sol



Agora que o Outono já se faz sentir, especialmente no que diz respeito às temperaturas, é o momento ideal para darmos os últimos passeios antes do frio e da chuva e começar a mostrar o Mundo ao Vicente. Hoje fomos até à Tapada das Necessidades, onde eu (mea culpa) também nunca tinha entrado. É bastante mais sossegado que o Jardim da Estrela e tem também uma extensão muito maior, com um relvado gigante onde bebés experimentavam gatinhar. Agora já sei que, quando procurar algum sossego debaixo de copas frondosas e respirando ar puro, tenho mais um sítio à nossa espera.

outubro 21, 2010

(não devia ter dado o último post como encerrado...)

Ora, depois da semana e do fim de semana horríveis, o que é que se podia seguir? Nem mais - o dia horrível. Ter nos braços um bebé que chora durante quase doze horas seguidas foi coisa para me deixar os nervos esfrangalhados e para, confesso, pôr em causa o meu instinto maternal. Da uma e meia da tarde até à uma da manhã, este bebé (e sua mãe) mal dormiu, mal fechou a goela, alternando entre o choro cansado e os gritos que o deixavam sem respirar. Eu, impotente como todas as mães na terceira semana de vida dos seus filhos, tentei de tudo: massagens na barriguinha, ginástica com a perninhas de alicate, dançar ao som do VH1 Classic, embrulhá-lo num cobertor, percorrer o corredor de casa vezes sem conta, abraços e beijinhos de conforto e nada, nicles, népia - o rapaz continuou aflito até de madrugada.

É claro que eu sabia que isto ia acontecer. É claro que ter cólicas faz parte do processo de desenvolvimento do bebé, que tem agora os orgãos em processo de maturação. E também sei que não há nada que os médicos me possam receitar ou sugerir para acabar com as cólicas - é suportar, uns dias melhores, outros nem por isso. Mas a verdade é que ontem senti vergonha de mim mesma por sentir que não tinha o que é preciso para ser mãe e por sentir que a paciência se esgotava. Era eu em frente a uma criatura tão delicada e indefesa e só queria que ele se calasse durante uns minutos para me organizar interiormente. Senti-me tão tremendamente egoísta, não merecedora da graça que é ter um filho assim perfeitinho que até isso me doía. Mas a verdade é que não há nada que três ou quatro horas de sono não ajudem a relativizar e hoje é outro dia. Enquanto escrevo, tenho o bebé a dormir a meu lado e sei que a cada dia que passa tenho mais força e mais paciência para o meu pequeno homenzinho.

outubro 18, 2010

Manter-me calma (e continuar...)

Que fim de semana... Já tinha falado da semana horrível, desta vez aconteceu o fim de semana horripilante. Levámos o Vicente a casa para conhecer o resto da família e alguns amigos, especialmente porque as bisavós são velhinhas e tinham alguma pressa de o conhecer.

O que é que isto significou? A primeira grande viagem do bebé que, depois de dormir o caminho todo, espertou como se não houvesse amanhã e decidiu que não ia dormir - nem ele nem mais ninguém; uma alcofa que ele odiou e onde se sentia desamparado; o terror e a impotência das noites sem dormir; a casa completamente cheia de gente a toda a hora, querendo beijar o bebé, pegar no bebé, abraçar o bebé; a primeira conjuntivite dele e, consequentemente, a primeira visita ao hospital depois do nosso coração partido à visão daquele olhinho inflamado.

É evidente que foi muito bom que os nossos amigos e família pudessem conhecer o Vicente, levando presentes e, acima de tudo, uma grande generosidade. Não podia sentir mais orgulho dele do que ter toda a gente a comentar como ele é giro e perfeitinho e como parecia um anjo enquanto dormia. Mas, ao mesmo tempo, o stress de ter gente a entrar e a sair de casa, ver o bebé a passar de braços em braços, o barulho constante, os conselhos forçados que toda a gente acha que eu devia pôr em prática e, finalmente, a primeira visita às urgências não facilitaram as coisas. Percebi já há algum tempo como fico triste por ter o Vicente a crescer longe das nossas famílias, só podendo regressar de tempos a tempos. Dói-me muito que não tenham a possibilidade de o ver crescer in loco em vez das fotografias que se enviam semanalmente mas as circunstâncias (leia-se a falta de emprego e de perspectivas) não permitem que as coisas sejam de outra maneira.

Isto é só mais um work in progress e um dos difíceis. Baixar os braços? Não. Vamos deixar só o bebé crescer e depois, já dizia o outro, logo se vê.

outubro 13, 2010

O Vicente vai passear!

Depois da bela sugestão da Madalena*, comprámos o tal sling porque aquele que já tínhamos não servia ao pai e deixava algo a desejar em relação ao posicionamento e segurança do bebé. Lemos cuidadosamente as instruções e resolvemos levar o Vicente connosco às compras, para que possa também apanhar um pouco de ar. O pai passeou-o orgulhoso e conseguiu que muita gente olhasse para nós duas vezes - ver um homem com o seu bebé é sempre fofo. Já eu ainda estou a tentar habituar-me à ideia mas, dado que a partir de amanhã fico sozinha com o bebé em casa, não me parece que possa dispensar esta ajuda. De início, o Vicente não gostou muito de ser ver enrolado no sling mas, depois de alguns ajustes e insistência q.b., adormeceu tranquilo ao colo do pai. Lentamente atingimos as pequenas metas do quotidiano e fazemos mais e melhor.

* ficámos contente porque o tamanho é ajustável e dá para usar de quatro maneiras diferentes. Vale sempre a pena ouvir outras mães com experiência ;)

outubro 12, 2010

A aventura continua*


Esta última semana foi (talvez) a mais difícil da minha vida. Ao escolher amamentar o meu bebé em exclusivo, aceitei (sem saber) um compromisso gigante para com a sua saúde e também com o meu bem estar psicológico. É óbvio que, apesar de nascerem já com alguns reflexos, os bebés não sabem mamar e uns precisam de mais ajuda para se iniciarem nessa aventura. Nesta última semana, tive momentos a roçar a histeria, admito, mas simplesmente por não conseguir compreender se o bebé estava bem alimentado, satisfeito ou frustrado e simultaneamente achar que eu tinha a culpa disso tudo. Muitas vezes, lamentamos que as pessoas não venham com livros de instruções e isso é especialmente grave - descubro-o agora - com bebés.

As hormonas instáveis não ajudaram particularmente e esta ideia de que sou a pessoa mais desajeitada que conheço também não melhorou o cenário de caos com que me deparava: o meu bebé podia estar subnutrido e a culpa era minha. Mas felizmente fomos a uma conferência sobre aleitamento materno, falámos com amigos mais experientes e o Vicente foi ao pediatra pela primeira vez e tudo ficou mais fácil. Quer dizer, não sei se mais fácil mas pelo menos mais leve. Experimentámos algumas alternativas e, depois de saber que o bebé já tinha ultrapassado o peso de nascença, pude finalmente respirar de alívio. A verdade é que estive quase a desistir, mesmo sabendo que a amamentação é a solução ideal para o bebé e para mim e que ele não precisa de mais nada para crescer forte e saudável.

Ter um filho é ser posto à prova a cada segundo que passa. Suprimir-lhe as necessidades, satisfazer-lhe os desejos, acalmar-lhe o choro e ver o sorriso ainda inconsequente de quem não consegue apreender o Mundo é tudo o que nos ocupa o pensamento. Não há tempo para pensar em jantares ou computadores, sobram poucos minutos para ler, o cansaço ataca cada vez mais cedo mas a simples ideia daquela cabecinha a levantar-se do meu ombro e aqueles olhos curiosos a tentarem perceber quem sou eu valem tudo. Recuperei a calma (pelo menos por agora) e encaro estas dificuldades mais tranquila e também o posso agradecer ao incansável pai do Vicente. Cada dia é um dia e com estas brincadeiras todas duas semanas já lá vão [suspiro]...

* as fotos são do postal adorável que acompanhava o sling que comprámos na loja de estar, que podem visitar aqui. Atenuadas as dificuldades iniciais da amamentação, avançamos para o próximo obstáculo: a deslocação sem ajuda do pai.

outubro 07, 2010

A primeira efeméride

 A fotografia é uma das milhentas que o pai lhe tirou.

Já passou uma semana... É incrível, a dimensão deste lugar comum mas também é absolutamente desarmante a forma como agora faz mais sentido: o tempo passa a correr. É óbvio que não me sobra muito tempo para me dedicar às coisas que gosto para que possa atender todos os desejos e caprichos do meu pequeno príncipe. Começamos a aprender os ritmos um do outro, a descobrir soluções de recurso para os obstáculos que vão surgindo e não tem sido fácil. Sou uma pessoa demasiado nervosa e impaciente para não me preocupar com todos os soluços e espirros, para conseguir adormecer sem ver umas cinquenta vezes se ele está a respirar, para não sobre-analisar tudo e mais alguma coisa. Não me canso de lhe estudar as feições e os sorrisos enquanto dorme, nem o beicinho que treme quando está mesmo muito aborrecido. Acho que ainda me custa a crer que este bebé saiu de dentro de mim com tamanha perfeição...

outubro 03, 2010

O incrível bebé V.

Bem, na realidade não sei por onde começar. Como é que reconstituímos um acontecimento de tal maneira brutal para a nossa existência? Vamos por partes, então.

O Vicente nasceu na passada Quarta-feira por volta do meio dia. Eu tinha passado a noite anterior em claro, tentando organizar as contracções que já me prostravam bastante mas que eu ainda não identificava como sendo sinais de trabalho de parto. Sem pregar o olho e sem sucesso, eu tentava combater as dores com técnicas de respiração, episódios do Family Guy e pêssegos em calda. Na manhã seguinte, pensava que ia apenas ser reavaliada pela médica mas, para nossa surpresa, fiquei internada - gravidez de termo com trabalho de parto, chamaram-lhe eles. Desde que dei entrada no hospital até chorar descontroladamente com a primeira visão do meu filho, passaram apenas três horas. Acho que é isto que acontece quando se faz bem os trabalhos de casa! Como é óbvio, vou poupar-vos aos detalhes sórdidos da coisa e vou apenas dizer-vos que foi uma experiência absolutamente irreal e às vezes parecia que me estava a ver de fora do meu corpo.

Dei à luz um bebé perfeito, ao contrário de muitos medos que fui tendo ao longo da gravidez. Mostrou logo a goela bem forte assim que saiu da barriga da mãe e brilhou nas medições e testes que habitualmente se fazem à nascença. Foi na sala de partos que estive, pela primeira vez, rodeada pelos dois homens da minha vida, ainda totalmente atordoada e um pouco exausta enquanto o pai do Vicente lhe cortava o cordão umbilical. À parte dos normais constrangimentos fisiológicos, foi tudo perfeito, melhor do que poderia ter imaginado.

O Vicente já recebeu as visitas dos avós, tios e duns amiguinhos (vocês sabem que são!) e é, no geral, um bebé muito calmo. Confesso que alguns desequilíbrios hormonais durante a gravidez me fizeram temer que o bebé nascesse debaixo de stress ou muito nervoso mas, e apesar de ser ainda cedo para o afirmar, é um anjo que vejo deitado ao meu lado. Todos os desejos, todos os nosso planos e esperanças têm agora uma cara, um corpinho delicado, um cabelo que é basicamente a cópia do cabelo do pai e uma boquinha que às vezes também ri. É mais do que óbvio que vivemos dias intensamente felizes e de profunda mudança, testes e adaptação. Ainda lutamos com a logística e a alimentação, ainda remodelamos horários - estamos profundamente empenhados em conhecer e amar o nosso filho. Não sei se sou agora outra pessoa mas sei que a minha auto-imagem saiu profundamente mudada daquela sala de partos em Santa Maria dos Olivais: ver uma vida que carregámos durante nove meses chegar ao Mundo desta forma tão bonita faz milagres. Agora se me desculpam vou andando, que o meu maior milagre, a minha maior razão de ser feliz reclama a minha presença - está na hora do almoço.

setembro 29, 2010

Querido Vicente,

chegou finalmente a hora. Nem quero acreditar que está para breve o nosso encontro, depois das semanas contadas com ansiedade e das horas que já passámos a pensar em ti. Não posso, como muitas pessoas, dizer que esta gravidez passou num instante: alturas houve em que o tempo passou mais depressa, noutras parecia nunca avançar. No início tive medo, Vicente. No início, pensei muitas noites que poderia não ser uma mãe capaz e que não conseguiria estar à altura das responsabilidades. Foi um Inverno muito longo e muito chuvoso e demasiado escuro, Vicente.

Mas depois veio a Primavera e com ela também os teus primeiros pontapés e a primeira certeza de que estavas ali, ainda nadando na minha barriga e as preocupações foram passando para segundo plano. Sentia-me radiosa por te ter dentro da minha barriga, sentia-me vaidosa, sabes? Lentamente, começava a sentir que eras o maior privilégio que alguma vez tinha sentido, ia buscar forças à ideia de estares deitado ao meu lado e gostares de mim sem pedires mais do que a minha protecção em troca. O ritual de me ver ao espelho começou a ser cada vez mais importante para mim, estudando o teu crescimento, a formação da minha barriguinha, até ao momento em que me achei mesmo bonita - grávida e já a caminhar para o enorme.

Esta fase descendente da tua aproximação, este cavalgar até ao dia em que estarás cá fora foi difícil mas apenas fisicamente. Na minha cabeça, não restavam dúvidas: tu ias ser muito amado e eu, como todas as mães do Mundo, só ia fazer tudo ao meu alcance para te ver crescer muito feliz. Espera, não era só eu: o teu pai, a quem os olhos brilham desde o dia em que fiz o primeiro teste de gravidez, esteve sempre do meu lado e nunca se cansou das minhas fadigas e das minhas incertezas, das minhas frustrações e das minhas dores. Se pudesses lembrar-te dos beijinhos que te deram através da minha barriga, de certeza que saberias que o teu pai te deseja tanto quanto eu. Depois, devias vê-lo a montar os móveis do teu quarto, a escolher os teus primeiros brinquedos, a olhar para o sítio onde irás dormir: espero que consigamos mostrar-te como o nosso amor é incondicional.

Está quase na hora e eu hei-de despedir-me da minha barriga. Não terei saudades do peso que me impedia de me levantar sozinha do sofá ou da cama à noite mas de certeza vou sentir a tua falta dentro de mim, protegido de tudo, embalado pelo meu andar, um bebé que foi meu durante nove longos meses. Se tudo correr bem, dentro de pouco tempo vou saber como cheiras bem e sentir a tua pele na minha pele - não há nada que queira mais neste Mundo. O nosso Futuro começa agora ♥

setembro 26, 2010

Em absoluta contagem decrescente


O pai do Vicente lá se arriscou a balançar a cabine do teleférico.

A médica acha que afinal ele nasce esta semana. Apesar dos sinais de trabalho de parto serem quase nulos ou ainda bastante suportáveis, pareceu-lhe que estava tudo encaminhado para o bebé chegar antes das quarenta semanas e pediu-me que passe no hospital antes da última consulta, ainda assim ele não esteja já pronto. Saímos de lá felizes - eu, pelo menos, já com uma ténue sensação de alívio por imaginar que alguns desconfortos estão perto do fim. E deixou-nos uma palavra de ordem: andar! Por isso, lá fomos mais uma vez para perto do rio para poder andar bastante em terreno plano e ainda subir algumas escadas. Sim, a gravidez é um estado maravilhoso e de permanente graça e eu vou ter saudades da barriga mas agora o que eu quero mesmo é o MEU FILHO CÁ FORA!

setembro 23, 2010

Pensar no futuro


Chegou ontem o nosso kit de criopreservação das células do cordão umbilical do Vicente. Optámos por uma recolha e armazenamento num organismo público (o Lusocord) em vez dos centros privados que se estão cada vez mais a instalar no mercado e calculamos que a maior parte das pessoas que recorre a estes últimos o faz por desconhecer outras alternativas. Fizemo-lo por duas razões distintas mas complementares: em primeiro lugar, não tínhamos neste momento capacidade financeira para um investimento deste género; em segundo lugar, a probabilidade de alguma vez recorrermos a estas células ainda está calculada abaixo dos 0,1%, pelo que o investimento se torna ainda mais dispensável.

A desvantagem, se a quiserem ver como tal, é que, em caso de necessidade, o banco público não garante o acesso às mesmas células que armazenámos. Isto quer dizer que as células do Vicente estarão disponíveis para ajudar outras pessoas ou para possíveis avanços em investigação mas, ao mesmo tempo, o leque de dadores compatíveis com o Vicente também é bastante mais extenso, o que aumenta a probabilidade de encontrar uma amostra compatível. Os centros privados criaram essa sensação de que o nosso bebé se encontra muito mais protegido e é, de facto, uma óptima ideia de negócio mas passam por cima da ideia de partilha e intervenção numa comunidade onde também podemos contribuir.

Já lemos todas as instruções e os consentimentos informados e tudo e agora só nos falta uma coisa essencial: o Vicente resolver deixar a barriga da mãe. Tínhamos esperança nesta mudança da Lua mas bem, era (ou é) hoje e não se sentem aqui quaisquer sinais de trabalho de parto. Chamem-nos ansiosos e apressados e digam que ele só virá quando tiver que vir - a verdade é que (há já muito tempo) estamos em pulgas para o conhecer! Se nada mudar entretanto, faltam precisamente doze dias e daí o cachopo não passa!

setembro 20, 2010

Como destruir ilusões numa trintona com um coração adolescente:


As memórias visuais são, como de costume, da autoria deste senhor.

ir a um concerto dos Eels.

(era suposto ser tudo delicodoce, como há tantos anos atrás. O senhor E. havia de estar afogado em melancolia e tristeza, enquanto eu discutia online se o álbum era um sinal de desistência ou a pista de que nos devemos sempre recompor. Quando os Eels se tornaram numa grande coisa para mim, eu estava completamente perdida, sem qualquer hipótese de resgatar o meu sentido de orientação, entre mudança de casas e cicatrização do coração. Não percebia o que me estava a acontecer nem fazia ideia de como voltar a ser a pessoa que tinha sido até ali. A única vez em que me senti desesperada o suficiente para escrever numa parede do quarto, usei uma letra deles (Life is funny but not ha-ha funny/ Peculiar, I guess/ You think I got it all going my way/ Then why am I such a fucking mess) que ficou lá até eu deixar aquela casa. Secretamente, tinha esperança que era um bocadinho dessas ilusões que ia encontrar ontem no Coliseu mas não: todos crescemos e todos aprendemos a não sucumbir fatalmente aos males de amor. Não tenho saudades nenhumas de estar angustiada mas ontem gostava de ter ouvido mais memórias do que rock'n'roll.)

setembro 14, 2010

Esperando...

Alguns retratos da recta final por mim e pelo pai (já) babado.

Estamos, como já tínhamos dito antes, oficialmente à espera. Temos aproveitado os últimos dias para dar os últimos retoques ao quarto do Vicente e ao resto da casa para que ele tenha tudo pronto quando chegar. Para isso, contámos com a preciosa ajuda dos amigos que, entre brocas e força de braços, nos ajudaram a fazer mais coisas acontecer. Tenho tentado andar um bocado e evitar parar desnecessariamente no sofá mas enfim, com a minha caixa toráxica tão apertada e as dores nas articulações fazem com que seja mais um fardo do que outra coisa. Dormir qualquer coisa que se veja é mentira, não há posição que me alivie totalmente o peso e confesso que em algumas noites começo a pensar na responsabilidade que aí vem e, apesar de a desejar profundamente, fico assustada.

Estivemos na festa da Catalunha no Largo do Carmo, que não tinha muita gente mas estava bastante animada com um coro, histórias tradicionais e divulgação de outras iniciativas da comunidade catalã (que não imaginava tão activa) em Portugal. Também nos atrevemos a enfrentar a fila para comprar um gelado na Santini e, apesar da qualidade estar ao nível do que se ouve por aí, continuo a achar que o hype é exagerado. Espero voltar lá apenas no Inverno, na esperança de encontrar lá muito menos gente. Em todo o caso, vamos saciando a vontade de gelado nestas últimas semanas, até que o Vicente decida que chegou a hora de conhecer o Mundo.

setembro 08, 2010

Breve Declaração de Amor *


* com imagens que trouxemos desta exposição.

setembro 06, 2010

Leaning into the afternoons *

 As fotografias têm, como é hábito, a assinatura do pai do Vicente.

Ainda temos tardes em que estão trinta graus à sombra mas já corre uma espécie de brisa que agita a folhagem que vai já também cobrindo os relvados da Estrela. Levaram línguas de gato, um pudim que infelizmente não provámos e tínhamos cerveja fresca. O jardim estava cheio de outros piqueniques, outras raparigas grávidas e muitos visitantes da feira de artesanato. Vieram amigos de longe e fizemos amigos novos e gostávamos de ter continuado a conversar. Talvez haja muita gente que se esquece mas a tranquilidade e a descontracção não custam nada e são especialmente fáceis de encontrar sobre uma manta na relva.

*Leaning into the afternoons, I cast my sad nets towards your oceanic eyes. numa tradução do grande Pablo Neruda.

setembro 05, 2010

Aproveitar o que resta do Verão!


É verdade que já sinto uma pontinha daquela depressão que se abate sobre nós quando às oito da noite já não é bem de dia ou quando se sente que ir para a praia já é um bocadinho estranho. Não exactamente por esta razão, o pai do Vicente decidiu combinar um piquenique entre amigos e eu vou aproveitar para uma espécie de comemoração dupla: a (quase) chegada do Outono e a (quase) chegada do Vicente! Ontem, lá fomos pela primeira vez (sim, tenho vergonha...) ao mercado de Campo de Ourique para nos abastecermos de produtos frescos e ontem foi cozinhar até os meus rins e pernas dizerem Basta!: sopa de legumes, lasanha de salmão fumado, biscoitos da Saxónia, muffins de stracciatella e uma tarte de legumes e atum. Eu gosto bastante de cozinhar mas estas maratonas (neste momento) dão cabo de mim. Mas não interessa: estou pronta a estender a toalha na relva e fechar os olhos debaixo das copas frondosas do jardim da Estrela!

setembro 02, 2010

À noite na Lapa


Ora, por aqui temos aproveitado algumas noites de Verão para fazer coisas para as quais em breve vamos deixar de ter tempo. Não temos dado tantos passeios como gostaríamos (e deveríamos, a julgar pelos conselhos relacionados com o parto que mais ouvimos), especialmente porque à noite o cansaço e as dores em todas as articulações abaixo da cintura já são difíceis de suportar. Ontem, mesmo assim, ainda fomos até ao jardim da Estrela refrescar-nos com os maravilhosos 21º que deviam estar todos os dias.

Esta experiência do Scrabble tem sido um bocado traumática para mim porque chego à conclusão que o meu vocabulário anda pelas ruas da amargura e levo sempre grandes coças do meu companheiro de casa (também conhecido como pai do Vicente). Mas isso não me faz deixar de gostar deste conceito tão simples e, não fosse eu uma rapariga feliz e resolvida, passaria a incluir gostar de jogar Scrabble nas características do homem ideal. De resto, temos visto uns filmes, uns episódios do Allo Allo (temos planos para devorar as séries todas) e, considerando os últimos tempos, tenho lido bastante (devorei este e este em pouquíssimos dias). Com o corpo (ou os corpos, que o Vicente está a sair-nos um rapaz bem robusto) a pedir descanso, confesso que, apesar de tudo, tenho saudades duma noitada daquelas à antiga mas acalma-te cabecinha, isso ainda vai ter que esperar!

agosto 31, 2010

Reality check

Isto estava tudo muito bem até ontem. Andei a ver uns vídeos online, já consumi toda a literatura sobre o tema que consigo absorver mas ontem visitámos o bloco de partos e a unidade de cuidados ao recém nascido e bum!, caiu-me a realidade em cima: eu vou experimentar as agonias do parto! É um lugar comum falar da desconfortável luz branca do bloco de partos e das perneiras que nos supõem deitadas durante horas e da maquinaria meio assustadora para os bebés que precisam de ajuda - eu não fujo à regra. E é óbvio que já ouvi as cinquenta mil histórias de partos da praxe, cuja maior parte descai para umas dezasseis horas de sofrimento, anestesias que não pegaram, cesarianas de urgência e outros detalhes igualmente sórdidos para quem vai ser mãe. Mesmo assim, tenho esperança porque ainda ouvi quem demorasse um par de horas na marquesa, quem dispensasse calmamente a anestesia e quem tivesse a sorte de ter o trabalho de parto ideal.

Até ontem, a minha ideia do parto estava ao mesmo nível duma curta metragem: eu era uma actriz a tentar absorver as experiências de mães verdadeiras, acumulando informação e conhecimento e métodos naturais de alívio da dor para melhor desempenhar um papel. Aquela sala de partos é que quebrou este feitiço e agora, de repente, vou ser a estrela disto e sei lá se estou preparada. O meu maior medo é desistir a meio, exausta ou impotente para ajudar o Vicente a chegar. Só a inevitabilidade do parto é que me descansa mais: ele vai ter que sair, one way or the other. Até lá, vou ficando atenta e se virem por aí uma moça aflita sem saber se o que sente são os primeiros sinais de parto, abanem-me - devo ser eu!

agosto 27, 2010

Relaxar a Norte para "encostar" finalmente a Sul


O pai do Vicente foi, desta vez, também o etnógrafo de serviço!

A nossa viagem está definitivamente a chegar ao fim, ao contrário de muitas em que o fim surge sem se fazer anunciar. Para a semana, quando completar trinta e cinco semanas de Vicente na barriga, começa uma vertiginosa contagem descendente e inicia-se oficialmente o nono mês de gravidez. Há, portanto, motivos para celebrar, teorizar, tentar adivinhar e temer.

Antes de encerrar as visitas por aí, mas já a custo, passámos uns dias perto de Ponte de Lima, tentando descansar, absorver alguma da vibração local e ainda ver coisas novas. Foi assim que passeámos por Caminha e por Valença e que descobrimos, espantados, a grandeza da serra d'Arga. Infelizmente, mas como já vem sendo da praxe, há muitos hectares de floresta ardida ladeando as estradas, tornando o silêncio em algo avassalador no cimo da serra. Foram dias de regresso para muitos emigrantes e ainda tivemos a sorte de assistir e quase participar nas festas da aldeia em honra de quatro ou cinco santos.

A viagem está a acabar, comecei eu por escrever. Regressei à minha cidade pela última vez antes de ser mãe, numa espécie de despedida de barriga: quando voltar, trarei o Vicente para o apresentar ao sítio que viu a mãe nascer. É uma distância auto-imposta e agridoce: por um lado, preciso de descansar e as dores nas ancas e em quase todas as articulações já não me deixam encontrar nenhuma posição confortável; por outro, custa-me ficar longe da minha família nesta recta final. Trinta e nove dias para pensar tudo o que ainda ficou por pensar, para a aceitação final de que nada será como antes, para preparar o meu coração para a chegada do nosso filho - não vai ser fácil mas a sério, mal podemos esperar.

agosto 22, 2010

Querido Vicente,

trouxemos-te para Norte, muito para Norte para que possas respirar um pouco deste ar puro e saber o que é o silêncio. Esta é a vista da janela do nosso quarto e, apesar de inevitavelmente já haver alguma área ardida por aqui, a paisagem continua a ser deslumbrante. A ribeira corre ainda ali em baixo, serpenteando entre as árvores, acalmando perto da ponte onde rapazes e raparigas se juntam para mergulhar. Somos acordados com alvoradas festivas, morteiros e música popular aqui desta zona do Lima escolhida pelos senhores da cabine da rádio mais abaixo. Há uma piscina onde já tomaste banho e que dividimos com uma gigante família espanhola, que trouxe consigo bebezinhos, avós e moças em topless. É bom estar aqui com amigos e não ter absolutamente nada para fazer. Esperamos por ti!

agosto 18, 2010

Sobre dias que podiam ter sido perfeitos

É claro que, de todos os dias que podia ter escolhido para fazer praia um bocadinho mais longe de Lisboa, tinha logo que escolher o primeiro em que o céu estava pouco cooperativo. Tantos dias de Sol já se desperdiçaram aqui pela Lapa, entre a ventoinha, o sofá e a televisão, e ontem, decididos a gozar a calma das praias mais a Sul, apanhámos o ferry em Setúbal e descemos a península de Tróia. Na Comporta, estava tudo muito sossegadinho, o mar muito calmo e a temperatura da água tão melhor que nas praias mais a norte mas as nuvens, sim, as nuvens que não deixavam secar os fatos de banho ajudavam a criar a sensação de frio. Arrumámos a trouxa e seguimos viagem pela costa Azul em direcção a casa.

Assim em jeito de compensação, fomos ao Bairro Alto reconfortar o estômago com uns belos nacos do lombo na pedra (que me fazem salivar só de pensar neles!) e nectarina grelhada com mascarpone e coulis de maracujá. Já não ia para aqueles lados há uns meses valentes e enfim, cheguei à triste mas não menos verdadeira conclusão que voltarei a abanar o capacete no espaço exíguo do Incógnito quando o Vicente for para a universidade! Já falta pouco, se pensar que daqui a uns quarenta e oito dias ele está cá fora...

agosto 14, 2010

Águas de Agosto

O silêncio apenas interrompido pelo vento a agitar pinheiros mansos e plátanos. A serra e a planície totalmente secas, amarelo a perder de vista debaixo do impiedoso calor. Ser a primeira e (algumas vezes) a única pessoa dentro de água. Saborear a leveza de nadar com o meu filho na barriga. A minha mãe ao meu lado, apanhando os seus primeiros raios de Sol do ano. Perder-me na sucessão dos dias sem conseguir criar novamente uma rotina. As saudades serenas de quem sabe exactamente (e agradece) aquilo que tem.